Transformação Ágil e Cerveja. O que essas coisas tem em comum?

Glauber Sampaio
Training Center
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6 min readMay 10, 2018

Quem me conhece sabe que sou fã de uma boa cerveja. E se ela for compartilhada em uma mesa com amigos então, melhor ainda.

Fred, meu gato

No meu hábito quase que incontrolável de fazer analogia com as coisas, decidi fazer uma comparando as etapas do processo de fabricação de cerveja com a forma como a Cultura Organizacional de uma empresa pode resistir a uma Transformação Ágil.

Um breve resumo sobre a cerveja

A cerveja é uma bebida antiga, uma das mais antigas do mundo. Ela surgiu na região da Mesopotâmia há mais de 10.000 A.C., com os Sumérios e acredita-se que sua descoberta tenha sido acidental. Pra ser considerada uma cerveja, a bebida precisa ser um fermentado de cereais. Os ingredientes principais que compõem uma cerveja são: água, malte, lúpulo e leveduras. A água é o ingrediente mais abundante, representando 90% ou mais do volume total da cerveja. O malte, que é um produto resultante da malteação de um cereal é quem fornece o amido necessário para a geração do álcool e do gás carbônico, além de trazer sabor, corpo e aroma característicos de cereais. O lúpulo é uma planta (trepadeira) que é utilizada para conferir amargor e aroma na cerveja. E por último, e não menos importante, a levedura, um fungo (sim, um microrganismo unicelular) que além de outras coisas é responsável por converter os açúcares do malte em álcool e gás carbônico.

Produção de uma cerveja. Fonte: beertourism.com

E é justamente no papel das leveduras que as histórias começam a se cruzar: quando falamos de Transformação Ágil, estamos falando de uma mudança que gera grande impacto dentro de uma organização, já que ela não afeta somente processos e ferramentas.

A Transformação Ágil

Para uma mudança cultural (em um nível de mindset), os valores, práticas, estruturas e relações humanas também precisam ser mudados. O sucesso de uma transformação como essa depende da aplicação (constante e pragmática) de algumas atitudes, como estimular a autonomia dos times, buscar repetidamente fazer melhor o que fazemos e abraçar as pessoas com um sentimento de propósito, para que busquem suas próprias motivações para as realizações tanto do bem comum quanto pessoais.

Ocorre que, à medida em que essas iniciativas começam a acontecer, algumas coisas ficam bem aparentes:

  • Por conta da transparência inerente à forma de trabalho de Times Ágeis, onde todos compartilham informações e dão visibilidade da evolução do trabalho, as pessoas que tem a prática de ocultar informações, individualizar tarefas e não prover feedback para se manterem em suas posições hierárquicas entendem que existe uma ameaça no ar;
  • Times Ágeis são em essência multidisciplinares. Isso favorece a autonomia, pois todas as habilidades necessárias para a resolução de um determinado problema estão dentro desse Time. As pessoas com perfis T-Shaped tem um encaixe bem aderente a um time multidisciplinar. Em algumas empresas não é raro conhecermos algumas pessoas mais pela especialização ou posição que ela ocupa do que pelo valor que gera ou qual problema ela ajuda a resolver. Ocorre que, em função de um título ou uma especialização, as pessoas tendem a fazer somente aquilo que corresponde ao que está escrito no crachá ou cartão de visita. E com isso voltamos ao velho problema de retenção de conhecimento para garantir emprego.
  • Seres humanos são inseguros e céticos por natureza. E esses comportamentos tornam-se barreiras a serem vencidas por qualquer novo desafio. Para isso é preciso trabalhar no contexto, sistema ou condição que favorece o aparecimento dessas disfunções. Não vamos cair no erro fundamental de atribuição.

Além desses aspectos, existem diversos outros, de cunho tecnológico, sociológico (e aqui incluo políticos, interpessoais, econômicos, culturais, etc.) que se manifestam a todo o tempo numa organização na tentativa de impedir qualquer ‘corpo estranho’ de provocar mudanças.

Agora tudo vai começar a fazer sentido

Agora que você já conhece um pouco sobre a história da cerveja, saiba que dentre as diversas etapas no processo de fabricação, existe um processo chamado de fermentação, que é onde as leveduras fazem o trabalho delas, transformando o mosto (líquido resultante do cozimento dos maltes e depois fervido com os lúpulos) em cerveja propriamente dita. Caso o fermentador não tenha sido bem limpo e sanitizado, é possível que uma colônia de bactérias se estabeleça por lá e se multiplique rapidamente através da metabolização dos açúcares presentes no mosto.

Quando adicionarmos a levedura para o processo de fermentação ocorra é possível que ela não sobreviva a esse ambiente. As bactérias são tão numerosas que elas são capazes de envolver as células das leveduras impedindo que estas tenham acesso aos elementos vitais (como os açúcares do mosto, por exemplo) e morram através de um processo conhecido como inanição. Cruel, né?

Esse foi o post-it que me motivou a escrever esse artigo. As ‘bolinhas’ maiores são as leveduras. As ‘bolinhas’ menores são as bactérias, tomando conta de todo ambiente e aniquilando as leveduras.

Pense nas leveduras como os Agentes de Mudança, que são as pessoas empenhadas a buscar uma Transformação Ágil em uma organização.

Agora, como você acha que uma organização se comporta quando agentes externos tendem a querer modificar práticas, comportamentos, consequentemente interferindo na Cultura Organizacional, principalmente quando essa modificação pode representar uma ameaça ao status quo da empresa?

Pois é. Exatamente como as bactérias em um mosto. Elas tentam combater, se preservar a todo custo. É um mecanismo natural da vida que envolve defesa e sobrevivência. As bactérias lutarão para que sua colônia vença, assim como uma forte cultura organizacional lutará para se manter resistente às mudanças. Mas como podemos ajudar as leveduras e os Agentes de Mudança na luta contra esse mecanismo de defesa?

Bom, no caso da cerveja, uma boa etapa de fervura, limpeza e sanitização impecáveis dos equipamentos, além dos cuidados no manuseio de produtos e instrumentos que entram em contato com o mosto resolvem o problema.

No caso da Cultura Organizacional temos um desafio importante. E não é bem como a gente gostaria. Primeiro começamos fazendo algumas apresentações, apontando alguns estudos, os diversos cases de sucesso, comprovamos como as entregas rápidas, regulares e de qualidade de produtos no mercado permitem um feedback mais frequente de quem realmente vai usar e como isso ajuda a validar nossas hipóteses.

A partir daí começamos a fazer alguns experimentos, ter algumas mudanças (embora pequenas e isoladas) que são frequentemente de baixo pra cima (em uma estrutura hierárquica). Mesmo com algumas negativas aqui, outras acolá a gente segue, com afinco. Com muito esforço e já mostrando alguns resultados a gente consegue fomentar o apoio de empresas externas especializadas em Agile Coaching, em seguida aparece uma oportunidade de uma certificação, um treinamento ou workshop e a empresa resolve investir nas pessoas. Boom! Chegamos em um modelo híbrido ou de transição e isso é só o começo. Eventualmente ao longo da jornada a gente pode sentir o peso de algumas frustrações mas ainda assim não é hora de desistir. Podemos buscar algum energizador para nos fazer recuperar o fôlego, como participar de eventos, comunidades, trocar experiências e conhecimento.

Vou explorar mais essas ações em artigos futuros. A ideia é trazer vivências, experiências de coisas que deram certo, coisas que não deram certo (afinal aprendemos basante com os erros, não é?) e contribuições de outras pessoas para podermos seguir em frente, fazendo melhor aquilo que fazemos (Kaizen).

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Glauber Sampaio
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Agilista | Palestrante. Nas horas vagas, cervejeiro caseiro, cozinheiro e músico =]