Sobre a ameaça do uso da força

Golpe militar e impeachment se contrapõem na disputa em torno do futuro de Bolsonaro

Pedro Telles
Transborda
2 min readMay 5, 2020

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A ameaça de uso da força não precisa se concretizar para ser efetiva.

Isso vale para a relação entre pais e filhos, isso vale para a corrida nuclear entre países.

E isso vale para Bolsonaro flertando cotidianamente com um golpe militar.

Infelizmente não basta militares soltarem notas dizendo que não vai acontecer, porque ao longo da História são muitos os casos de notas assim que depois se mostraram sem valor. Nem mesmo uma mudança de discurso por parte do Bolsonaro bastaria — ele já foi pego mentindo e se contradizendo tantas vezes, que ninguém acreditaria fora seus seguidores mais cegos. Ainda que aliviada, a ameaça permanece.

E veja: ele nem precisa que um golpe militar assim se concretize. A ameaça já é efetiva. E paralelamente a essa ameaça, ele vai atacando a democracia por outras frentes e desmontando-a por dentro. De investidas agressivas contra os poderes Legislativo, Judiciário e a mídia, ao aparelhamento da Polícia Federal com aliados para barrar investigações contra sua família, a lista de ataques é longa e diária.

Na Hungria de Orbán, na Venezuela de Chávez, e em diversos outros países que viram sua democracia ruir nos últimos anos, os atores responsáveis por levar a essa ruína foram líderes eleitos democraticamente. É nessa direção que Bolsonaro caminha.

E ele só vai parar quando for removido do poder.

É difícil falar de impeachment? Sim. Mas, infelizmente, é necessário. Especialmente vendo como Bolsonaro atenta não apenas contra a democracia, mas também diretamente contra a vida de milhares de brasileiros cujas mortes poderiam ser evitadas se o presidente não estivesse usando a pandemia como plataforma para ainda mais radicalização — indo na direção oposta às recomendações que estão sendo seguidas no mundo todo, dos EUA a Cuba, da China à Inglaterra.

O argumento de que um impeachment pode gerar mais problema do que solução é respondido de forma ótima por Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da USP, em artigo na Folha. O fato de que Bolsonaro pode ser pessoalmente responsabilizado por mortes é evidenciado em estudo feito por pesquisadores da Universidade de Cambridge e da FGV.

A percepção de que Bolsonaro não vai parar se não for parado fortalece-se a cada dia, conforme atores mais moderados são ejetados do seu governo, enquanto o presidente mantém o tom apesar da crise se agravar e o número de mortos continuar crescendo. Mesmo que um impeachment possa parecer ainda distante, é necessário falar sobre o assunto por razão semelhante à que indiquei lá no começo deste texto: a possibilidade dele acontecer já ajuda a frear Bolsonaro.

E conforme o presidente segue ultrapassando todos os limites apesar disso, as evidências e argumentos a favor do impeachment só vão crescendo.

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