8 coisas pequenas que farei para educar uma criança positiva com o corpo

Beatriz Klimeck
transtornosalimentares
9 min readApr 7, 2017

Porque eu sei que, sem dúvida, a sociedade vai tentar ensiná-la do contrário.

(Texto traduzido de http://everydayfeminism.com/2017/03/raise-fat-positive-kid/)

Dois meses atrás, descobri que estava grávida de vinte semanas. Alguns minutos depois, descobri que provavelmente seria uma menina. Foi um momento tão feliz quanto assustador.

Quero dizer, eu poderia me identificar com uma menina. Eu sou uma há mais ou menos um quarto de século. Mas não consegui parar de pensar que sua vida seria mais difícil por ser mulher.

Apesar de eu querer caminhar para criar uma criança com uma relação positiva com gordura corporal (e positiva com o corpo no geral) independente de gênero, a constante negatividade imposta a mulheres e pessoas femininas no mundo e seus corpos trouxe mais pressão a esse desafio.

Se garotas são constantemente informadas, pela sociedade como um todo, que elas não são bonitas o suficiente, magras o suficiente, boas o suficiente, então eu preciso dar o meu melhor para combater essas mensagens dentro de casa.

Então, venho passando muito tempo pensando em quais pequenas ações teriam contribuído para minha criação como um espaço seguro para meu corpo gordo e contribuído para um melhor entendimento da importância e beleza da diversidade corporal acima de tudo.

Eu sei que estão profundamente arraigados na nossa sociedade preconceitos com pessoas gordas, enquanto a aceitação de pessoas gordas (não digo nem uma relação positiva) ainda é uma noção distante.

Assim, tenho pouco a fazer para prevenir minha criança de encontrar tanto “antagonismo à gordura corporal” assim que ela tiver idade para ir à escola, ou ver televisão, ou olhar uma revista qualquer.

Independentemente do tamanho ou forma que minha filha acabar tendo, de qualquer forma, posso fazer pequenas coisas como mãe que espero que a ajude a crescer como uma pessoa com uma relação positiva com gordura corporal — uma qualidade que eu espero que não somente beneficie seus sentimentos com sua própria imagem corporal, mas também como ela percebe e trata os corpos das outras pessoas.

1. Expor obras de arte com corpos gordos em casa

Eu não me lembro de ver obras de arte com pessoas gordas até o final da adolescência.

Em um verão visitando parentes em Medellin, na Colômbia, fomos a um museu cheio de esculturas e pinturas de Fernando Botero. Botero é conhecido principalmente por suas representações de indivíduos gordos, que ele acredita serem especialmente bonitos.

Ver corpos como o meu em um contexto sem humilhação me deu chão.

Antes daquele momento, a maioria das obras que vi nas aulas de História, em outros museus, em revistas e em casa mostravam corpos convencionalmente atrativos. Eram quase sempre magros, brancos, cisgêneros e sem deficiências físicas.

Mas era a magreza que pessoalmente me fazia sentir deslocada. Por que ninguém pintava meu tipo de corpo? Por que mulheres como eu não eram dignas das pinturas?

Como a maior parte dos corpos que vemos na mídia mainstream são magros, eu quero fazer da minha casa um pouco diferente. Apesar de querer expor obras com corpos plurais, eu quero focar em figuras gordas.

Exposição repetida a representações positivas de corpos gordos é uma forma que acredito que podemos normalizar corpos mais largos — para que pessoas de todos os tamanhos deixem de acreditar que sua gordura é inerentemente feia e intolerável.

2. Evitar eufemismos

São muitos os termos que pessoas usam para evitar usar a palavra gordo/a e por diferentes motivos. Pode ser porque sofreram discriminação por seu peso quando crianças e não se sentem confortáveis com a palavra como identidade.

Outras palavras que também denotam pessoas gordas são: fofinho, redonda, cheinha, fortinho, grande e até plus size. Mas, na minha opinião, quando evitamos a palavra geramos mais tabu e vergonha ao redor dela.

Se eu quero que meu filho acredite que não há nada de errado com a palavra gorda — nem com ter gordura nem com ser uma pessoa gorda — então preciso eu introduzí-la à palavra e posicioná-la de uma forma positiva ou ao menos neutra.

Como uma futura mãe gorda, eu pretendo abertamente usar a palavra gorda quando descrever meu tipo corporal. É algo que eu já pratico e que vou continuar fazendo. É também uma palavra que eu uso com pessoas que se identificam dessa forma e sei que são confortáveis com essas cinco letras.

Apesar de desencorajar minha filha ou filho a chamar alguém de gordo ou gorda se não sabe se a pessoa se sente confortável com esse termo, eu espero que me identificar dessa forma contribua para o reconhecimento de que gordura corporal não é algo a ser temido, odiado ou destratado quando encontrado em si ou nos outros.

3. Apresentá-la a referências que tenham boa relação com sua gordura corporal

Quando eu era uma menina, eram poucas as minhas possíveis inspirações visivelmente gordas e empoderadas para que eu pudesse admirar. Eu não conheci Beth Ditto até minha adolescência, e princípios de aceitação enquanto gorda não apareceram para mim até os meus vinte e poucos anos.

Há poucos anos, surgiram novas referências de pessoas (principalmente na Internet, particularmente mulheres) que não estão pedindo desculpa por serem gordas, pelo contrário — se recusam a conformarem-se com os padrões de beleza.

Eu quero que minha criança conheça muitas e muitas delas. Então, eu planejo mostrar a ela imagens e o que dizem blogueiras gordas e vozes dessa comunidade que tanto me inspira.

De Stephanie Yeboah de Nerd About Town, à escritora e ativista Lesley Kinzel, de Ariel Woodson à KC Slack de Bad Fat Broads, ela saberá que ser gorda não significa ter que ser invisível ou dispensável.

Independente do formato de seu corpo, quero que minha filha entenda — idealmente, bem nova — que ser gorda nunca terá que significar desistir de qualquer coisa que você queira fazer, ou ser, ou dizer, ou sentir.

Porque eu sei que, sem dúvida, a sociedade vai tentar ensiná-la do contrário.

4. Não dar conotações morais à tipos de corpos e/ou comida

Tem algo muito desconfortável que as pessoas costumam fazer quando discutem tipos corporais ou comida: muitos trazem palavras carregadas de moralidade como bom e mal pra discussão.

Por exemplo: um corpo magro é um “bom corpo”, enquanto um corpo gordo é um “corpo ruim”. Comer um cupcake significa que alguém teve um “mau dia” enquanto comer uma salada de pepino significa que foi “muito bom”.

Quando fazemos isso, nós contribuímos para o entendimento de que gordura é um sinal de inferioridade, enquanto a magreza é um sinal de superioridade. Eu não duvido que a perpetuação dessas construções ajudam a vilificação de pessoas gordas, incluindo na televisão e nos filmes.

Eu nunca quero que minha filha se sinta envergonhada ou menor por conta do tamanho do seu corpo, não importa qual corpo esse seja.

Mas eu também desejo que ela nunca veja uma pessoa gorda e coloque nela rótulos como “ruim” ou “não saudável” ou “nojento” ou “fracasso”. Dessa forma, comida também nunca será posta em termos morais, assim como tipos corporais.

5. Mostrar que exercícios físicos são sobre saúde, não sobre peso

Comumente, conversas sobre exercícios físicos e tipos corporais andam lado a lado.

Eu lembro como se fosse hoje de uma professora de Educação Física na escola me encorajando a correr algumas voltas na quadra para perder a minha barriga — ao invés de me tornar mais forte ou disposta.

Eu não quero desmerecer os benefícios físicos e mentais dos exercícios no meu lar, mas também quero ser muito cuidadosa em não reforçar crenças tóxicas no caminho.

Como a maioria das imagens ligadas a exercícios físicos usam pessoas com um tipo corporal específico — falhando em reconhecer que pessoas de todos os tamanhos são capazes de praticar esportes, ioga ou malhar — eu vou garantir que minha criança veja fotos de pessoas gordas arrebentando nos exercícios.

Mas, acima de tudo, eu também quero evitar a associação entre exercício e o número na balança.

É perfeitamente possível encorajar exercícios físicos sem encorajar negatividade em relação ao corpo. Tudo o que você tem que fazer é deixar o peso fora disso, e focar na diversão de caminhar, correr ou fazer uma divertida aula de dança.

6. Introduzir a noção de “Saúde a qualquer peso”*

(“Health at Every Size” é um termo popular em inglês, designando estudos e militância específicos de autoras como Linda Bacon, mas também toda uma comunidade)

Frequentemente, gordura corporal é vista pela comunidade médica assim como pelo senso comum como “não saudável” ou até “doente”.

Ainda mais frequente é o rótulo ser jogado contra pessoas gordas por pessoas sem o menor conhecimento sobre a saúde dos corpos de pessoas gordas.

Como qualquer tipo de gordura foi associada a ser inerentemente negativa (ao invés de ser algo que todos precisamos para sobreviver), eu passei muito tempo quando criança acreditando verdadeiramente que eu precisava emagrecer se não quisesse morrer aos 25. Eu não quero o mesmo destino para meu filho.

Eu quero introduzí-la aos estudos por trás da noção de Health at Every Size (Saúde a qualquer tamanho/peso) e ao trabalho radical feito por médicas como Dr. Linda Bacon e Michelle, de The Fat Nutritionist.

Eu quero garantir que ela saiba que já foi provado que o IMC (a escala que determina se você está “sobrepeso” ou “obeso”) não significa ou mostra coisa alguma.

Eu preciso que ela saiba que, mesmo que seja gorda, o número na balança nunca poderá ser motivo para médicos não ouvirem seus sintomas, dar diagnósticos errados às suas doenças ou tratá-la mal de qualquer forma.

Mas mais que isso, eu também quero garantir que ela saiba que não é a saúde de uma pessoa que deve refletir quanta tolerância e cuidado ela merece.

Seja alguém clinicamente saudável ou doente, ainda é um ser humano. Pensar ou agir de qualquer forma que não essa é sinal de puro e desnecessário preconceito.

7. Não tolerar “pequenos deslizes” negativos sobre gordura corporal

Honestamente, esse deveria ser sobre qualquer tipo de preconceito com corpos. Mas um tipo especialmente prevalente no nosso mundo é o preconceito com gordura corporal e pessoas gordas.

Seja na forma relativamente inocente de “Estou tão gorda nesse vestido” ou uma gargalhada de um apoiador de certo candidato presidencial sobre seu comentário sobre mulheres gordas “nojentas”, ou uma piada que coloca gordura como algo condenável e risível, é crucial dizer algo.

Eu quero que minha filha aprenda que qualquer comportamento que sugira que o corpo de alguém possa ser ridicularizado não é certo.

E quando falamos em corpos gordos, o estigma está por toda parte. É impossível controlá-lo. Mas se alguém tratar mal esses corpos perto de mim, pode apostar que eu tentarei ao máximo abrir a boca.

Vou tentar perguntá-los sobre o que, exatamente, no corpo de uma pessoa é tão engraçado ou ofensivo. Vou perguntá-los como ver uma mulher gorda em shorts curtos ou biquíni o fere de alguma forma. Vou dizê-los que estão sendo preconceituosos.

Vou lembrá-los que as coisas que eles dizem implicam que pessoas gordas que eles podem conhecer e gostar (como eu, quando for relevante) são de alguma forma “menores”.

E eu sempre tentarei ter uma conversa com meu filho depois, para que ele saiba porque policiar a linguagem é tão importante.

8. Nunca usar “gordo/a” como insulto

Imagino que esteja óbvio a essa altura, mas algo que nunca farei no geral — principalmente perto de uma criança cujo cérebro é uma esponja — é associar a palavra “gordo/a” de forma a ser entendido como insulto ou depreciação.

Não vou usar o termo como sinônimo para “cruel” ou “pouco atraente” ou “preguiçoso/a” ou “inútil” ou “deplorável”. Não usarei ao me referir a uma pessoa acima do peso da qual eu não gosto.

Frequentemente, escuto gente ao meu redor chamar uma pessoa cruel pelo seu peso ao invés de pelas coisas problemáticas que essa pessoa está fazendo. Isso liga gordura a negatividade, e precisa parar.

Eu espero que minha filha entenda que gordura é só isso: uma palavra de com o sentido literal de “uma substância natural e oleosa em corpos animais”.

Espero que ela aprenda que isso pode ser bonito e maravilhoso e que todos os tipos de pessoas mágicas e encantadoras podem ter gordura ou ser gordas.

Mas isso provavelmente nunca acontecerá a não ser que meu parceiro e eu tomemos iniciativas para garantir que — ao menos dentro de casa — gordura/gordo/gorda seja um termo neutro ou até positivo.

O resto do mundo tentará convencê-la do contrário, mas faremos o possível para trazer a narrativa oposta o quanto pudermos.

(texto original por Marie Southard Ospina)

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Beatriz Klimeck
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na luta diária pela conscientização de que deixar de odiar o seu corpo é a maior revolução.