O PL 8135/2014 e porque você deveria se preocupar com ele

Beatriz Klimeck
transtornosalimentares
4 min readMay 10, 2018

Eu preciso da sua ajuda.

Nesse vídeo, eu explico um pouco sobre o PL. Se você não assistiu, vale a pena ver antes pra entender melhor. Se já, segue a leitura. :)

Desde novembro do ano passado, venho mapeando um projeto de lei específico: o PL 8135/2014, proposto pelo senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE).

Agora chegou a hora de falar sobre ele.

A emenda propõe:

Acrescenta art. 47-A ao Decreto-Lei nº 986, de 21 de outubro de 1969, para instituir a obrigatoriedade de disponibilizar ao consumidor as informações nutricionais dos alimentos preparados.

O Decreto-Lei mencionado institui normas básicas sobre alimentos. No capítulo IX, "Dos Estabelecimentos", consta o artigo 47:

Art 47. Nos locais de fabricação, preparação, beneficiamento, acondicionamento ou depósito de alimentos, não será permitida a guarda ou a venda de substâncias que possam corrompê-los, alterá-los, adultera-los, falsificá-los ou avariá-los.

A proposta, então, é adicionar informações nutricionais dos alimentos vendidos.

No entanto, a Comissão de Defesa do Consumidor propôs a seguinte alteração na escrita da emenda:

Institui a obrigatoriedade de disponibilizar ao consumidor o valor calórico dos alimentos preparados e dá outras providências.

Aí está o nosso problema.

Já era claro que a obrigatoriedade de informações nutricionais acabaria se tornando somente sobre o valor calórico, mas a mudança do texto da emenda deixa isso ainda mais perigoso. Esse projeto reúne várias outras iniciativas similares, algumas com objetivo explícito de “combater a obesidade”.

E por que perigoso? — você pode me perguntar.

Porque estudos mostram que não há impacto significativo na quantidade ou na qualidade das calorias consumidas ao inseri-las no menu, mas o impacto na saúde mental e no comportamento alimentar daqueles considerados "em risco" é real.

Nos Estados Unidos, a Food and Drugs Administration (FDA) aprovou, em 2010, o Affordable Care Act, que conta a com obrigatoriedade de calorias em menus de restaurantes com mais de vinte franquias — e inicia agora, em maio de 2018. Alguns estados e cidades já contam com medidas similares. Estudos e matérias são feitos por lá pensando a efetividade desse tipo de prática.

Kiszko, Martinez, Abrams e Elbel (2014) recuperam a literatura prévia no assunto e apontam fragilidades nos estudos que mostraram pequeno impacto no consumo de calorias, mostrando que os principais estudos não notaram qualquer mudança significativa.

Foto por Natalia Ostashova

Esse artigo no The New York Times chama de fracasso essa política de calorias em menus. Segundo a matéria, nem indicar a quantidade de calorias ou mesmo uma diminuição nos preços dos alimentos mais "saudáveis" no Walmart causou qualquer tipo de mudança significativa. Além disso, em Nova Iorque, onde a política foi adotada em 2008, observou-se que as pessoas se acostumaram e passaram a ignorar a informação, não provocando mudança significativa no consumo de calorias.

Calorias são números que não refletem a qualidade do alimento. O próprio Ministério da Saúde não entende a contagem de calorias como significativa na proposição de uma alimentação saudável. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, comer saudável envolve ouvir os sinais do corpo, de forma balanceada (ou seja, sem grandes restrições), com atenção, etc.

Balanço divulgado em 2014 pela Secretaria de Saúde de São Paulo mostrou que, a cada dois dias, em média, ocorria uma internação por anorexia ou bulimia nos hospitais do SUS no Estado. É praticamente consenso entre pesquisadores da área que contagem de calorias seria não somente gatilho para pessoas com transtornos alimentares, mas também atinge severamente pessoas consideradas “sob risco” de desenvolvê-los.

Muitos são os relatos de pessoas afetadas por um "comer transtornado" a partir da contagem de calorias. Simpson e Mazzeo (2017) apontam para relação entre o uso de tecnologias de contagem de calorias e atividade física e os sintomas de um transtorno alimentar.

Koff e Rierdan (1991) analisaram meninas na sexta série e puderam perceber que, para 70% das 206 entrevistadas, as preocupações com o peso começaram entre 9 e 11 anos de idade, e que uma grande parcela de garotas parecia haver adotado uma “mentalidade de dieta” — argumentando que evitavam gordura, contavam calorias, pensavam excessivamente sobre comida, sentiam-se culpadas depois de comer e se exercitavam pra perder peso.

Independentemente de acreditar que as pessoas devam ou não emagrecer ou se a obesidade é ou não uma epidemia (ou até uma doença de fato), como medir quem pode ser considerado "sob risco" de desenvolver um transtorno alimentar, numa população cuja mentalidade de dieta é tão arraigada? Na qual uma relação complicada com a alimentação, principalmente com as mulheres, é a norma?

Quaisquer projetos voltados pra alimentação, principalmente aqueles cuja proposta é combater a "epidemia da obesidade", precisam pensar na população com transtornos alimentares. A Anorexia é o transtorno mental que mais mata no mundo.

Existem iniciativas oferecendo alternativas mais seguras e mais efetivas de melhorar a qualidade da alimentação da população brasileira. Eu acredito que o PL 8135/2014 não deveria ser aprovado como está. Vocês me ajudam a começar esse diálogo?

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Beatriz Klimeck
transtornosalimentares

na luta diária pela conscientização de que deixar de odiar o seu corpo é a maior revolução.