A MODA VIROU PIADA?

Marina Luiza
Trend-In
Published in
5 min readOct 29, 2017

Existem, sim, muitos bons exemplos de marcas de moda investindo em novos produtos e serviços que tem reinventado o sistema da moda e introduzido novos valores aos consumidores nos últimos tempos.

Mas, por outro lado, é possível notar uma contra tendência bastante forte por parte de grandes marcas de fast fashion e designers vanguardistas que optam por ignorar completamente essa necessidade de uma indústria da moda mais sustentável e consciente.

Há poucos meses atrás, a internet foi tomada por notícias a respeito dos jeans que a rede inglesa Topshop chamou de Clear Knee Mom Jeans”, vendidos por 95 dólares. Tratam-se de jeans com “janelinhas” de plástico na altura dos joelhos. Os comentários e notícias chamaram a calça de “os jeans mais feios do mundo”, e a página do produto na loja online está cheia de reviews engraçadinhos, como “eu amo como esses jeans fazem meus joelhos suarem” e “agora eu não preciso me preocupar mais com o bronzeado dos meus joelhos”.

“Clear Knee Mom Jeans”, da Topshop

Mas ninguém tinha ideia do que ainda estava por vir. Provavelmente impulsionados pela quantidade de mídia gratuita gerada pelo design questionável dessas calças jeans, a Topshop e outras marcas continuaram a lançar produtos cada vez mais bizarros.

“Clear Plastic Straight Leg Jeans” da Topshop

2017 foi um ano em que diversas marcas adotaram essa estética exagerada, futurista e nada prática em suas roupas. Podemos citar vários exemplos. Depois do plástico transparente no joelho, a Topshop lançou também uma calça “jeans” inteira feita de plástico transparente. Outras marcas também aderiu a tendência, criando jaquetas, saias, vestidos, croptops, tênis, botas e bolsas de plástico transparente.

E não parou por aí. A marca francesa Y/Project vende um par de calças jeans com as pernas mais inutilmente longas que você já viu, e ainda tem a jaqueta com mangas que arrastam no chão para combinar.

“Oversized Denim Jacket” da Y/Project

Há também calças e jaquetas que tem mais buracos e rasgos que tecido. Nancy Stella Soto vende o “Boobie Cutout Overwear”, com buracos na altura dos seios. Rihanna lançou em sua marca uma calça de moletom com metade da perna faltando. A marca Go Jane vende uma um blusão de moletom que é, literalmente, apenas mangas e capuz. Sem contar as calças e jaquetas jeans que levam a tendência “destroyed” realmente ao extremo.

“Boobie Cutout Overwear” de Nancy Stella Soto

Numa época onde a maior parte das tendências aponta para um lado completamente oposto a esse, com os consumidores colocando o conforto e a praticidade acima de outros aspectos valorizados nos produtos, é impossível não se perguntar: por quê? De onde surgiu tudo isso?

“Ragged Priest Bareskin Extreme Distress Mom Jeans” da ASOS

Vale apontar que esses não são looks de passarela. São looks feitos para serem vendidos e usados no dia a dia, apesar de várias dessas peças tornarem bastante difícil para uma pessoa realizar tarefas simples confortavelmente. A Youtuber americana Safiya Nygaard tem uma série de vídeos onde se propõe a utilizar algumas dessas peças por uma semana, montando diferentes looks e tentando descobrir a razão por trás do sucesso dessas peças. Nos vídeos, fica claro que as roupas de plástico transparente grudam na pele, causam suor e desconforto e a jaqueta jeans de mangas compridíssimas torna impossível tarefas simples como carregar objetos ou fazer uma refeição.

“High Low Hoddie Crop Top” por GoJane

Trata-se de um design preguiçoso, que não leva em conta as necessidades reais do consumidor, não propõe nenhum valor de consumo adicional, e apenas substitui tecidos funcionais por materiais alternativos nada práticos ou simplesmente corta um pedaço de uma peça tradicional fora e a vende por um preço muito mais alto. É esforço mínimo pelo preço máximo.

“Navy Extra Long Fold Jeans” por Y/Project

Peças tão pouco práticas e com visuais tão fora do convencional não podem ter outro destino a não ser serem usadas por pouquíssimo tempo, enquanto durar a piada, e então acabarem no fundo do armário ou descartadas junto com outras milhões de peças que nós, ocidentais, jogamos fora todos os dias. Algumas dessas peças, inclusive, poderiam ser facilmente feitas a partir de produtos descartados, mas o consumidor prefere dizer “eu poderia ter cortado meu suéter velho e ter o mesmo resultado, mas paguei 500 dólares nesse aqui que nem sequer é funcional”.

“Cut-Out Pants” da Fenty x Puma by Rihanna

Quando se leva em conta que, apenas nos Estados Unidos, 11 milhões de toneladas de roupas descartadas chegam aos lixões todo ano, a produção e consumo dessas peças feitas para não serem usadas parece ainda mais absurda. Esses materiais são, em sua maioria, não biodegradáveis, e ficarão em lixões por mais de 200 anos, liberando gases tóxicos, poluindo o ar, os afluentes, causando danos às comunidades locais, à biodiversidade e ao planeta como um todo.

Chega um momento que todos nós temos que nos perguntar: será que uma piada e alguns likes na internet valem tudo isso?

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