A MODA VIROU PIADA?
Existem, sim, muitos bons exemplos de marcas de moda investindo em novos produtos e serviços que tem reinventado o sistema da moda e introduzido novos valores aos consumidores nos últimos tempos.
Mas, por outro lado, é possível notar uma contra tendência bastante forte por parte de grandes marcas de fast fashion e designers vanguardistas que optam por ignorar completamente essa necessidade de uma indústria da moda mais sustentável e consciente.
Há poucos meses atrás, a internet foi tomada por notícias a respeito dos jeans que a rede inglesa Topshop chamou de “Clear Knee Mom Jeans”, vendidos por 95 dólares. Tratam-se de jeans com “janelinhas” de plástico na altura dos joelhos. Os comentários e notícias chamaram a calça de “os jeans mais feios do mundo”, e a página do produto na loja online está cheia de reviews engraçadinhos, como “eu amo como esses jeans fazem meus joelhos suarem” e “agora eu não preciso me preocupar mais com o bronzeado dos meus joelhos”.
Mas ninguém tinha ideia do que ainda estava por vir. Provavelmente impulsionados pela quantidade de mídia gratuita gerada pelo design questionável dessas calças jeans, a Topshop e outras marcas continuaram a lançar produtos cada vez mais bizarros.
2017 foi um ano em que diversas marcas adotaram essa estética exagerada, futurista e nada prática em suas roupas. Podemos citar vários exemplos. Depois do plástico transparente no joelho, a Topshop lançou também uma calça “jeans” inteira feita de plástico transparente. Outras marcas também aderiu a tendência, criando jaquetas, saias, vestidos, croptops, tênis, botas e bolsas de plástico transparente.
E não parou por aí. A marca francesa Y/Project vende um par de calças jeans com as pernas mais inutilmente longas que você já viu, e ainda tem a jaqueta com mangas que arrastam no chão para combinar.
Há também calças e jaquetas que tem mais buracos e rasgos que tecido. Nancy Stella Soto vende o “Boobie Cutout Overwear”, com buracos na altura dos seios. Rihanna lançou em sua marca uma calça de moletom com metade da perna faltando. A marca Go Jane vende uma um blusão de moletom que é, literalmente, apenas mangas e capuz. Sem contar as calças e jaquetas jeans que levam a tendência “destroyed” realmente ao extremo.
Numa época onde a maior parte das tendências aponta para um lado completamente oposto a esse, com os consumidores colocando o conforto e a praticidade acima de outros aspectos valorizados nos produtos, é impossível não se perguntar: por quê? De onde surgiu tudo isso?
Vale apontar que esses não são looks de passarela. São looks feitos para serem vendidos e usados no dia a dia, apesar de várias dessas peças tornarem bastante difícil para uma pessoa realizar tarefas simples confortavelmente. A Youtuber americana Safiya Nygaard tem uma série de vídeos onde se propõe a utilizar algumas dessas peças por uma semana, montando diferentes looks e tentando descobrir a razão por trás do sucesso dessas peças. Nos vídeos, fica claro que as roupas de plástico transparente grudam na pele, causam suor e desconforto e a jaqueta jeans de mangas compridíssimas torna impossível tarefas simples como carregar objetos ou fazer uma refeição.
Trata-se de um design preguiçoso, que não leva em conta as necessidades reais do consumidor, não propõe nenhum valor de consumo adicional, e apenas substitui tecidos funcionais por materiais alternativos nada práticos ou simplesmente corta um pedaço de uma peça tradicional fora e a vende por um preço muito mais alto. É esforço mínimo pelo preço máximo.
Peças tão pouco práticas e com visuais tão fora do convencional não podem ter outro destino a não ser serem usadas por pouquíssimo tempo, enquanto durar a piada, e então acabarem no fundo do armário ou descartadas junto com outras milhões de peças que nós, ocidentais, jogamos fora todos os dias. Algumas dessas peças, inclusive, poderiam ser facilmente feitas a partir de produtos descartados, mas o consumidor prefere dizer “eu poderia ter cortado meu suéter velho e ter o mesmo resultado, mas paguei 500 dólares nesse aqui que nem sequer é funcional”.
Quando se leva em conta que, apenas nos Estados Unidos, 11 milhões de toneladas de roupas descartadas chegam aos lixões todo ano, a produção e consumo dessas peças feitas para não serem usadas parece ainda mais absurda. Esses materiais são, em sua maioria, não biodegradáveis, e ficarão em lixões por mais de 200 anos, liberando gases tóxicos, poluindo o ar, os afluentes, causando danos às comunidades locais, à biodiversidade e ao planeta como um todo.
Chega um momento que todos nós temos que nos perguntar: será que uma piada e alguns likes na internet valem tudo isso?