DE VOLTA AS RAÍZES

Como o tingimento natural está ganhando espaço numa indústria que busca reatar seus laços com a natureza.

Julia Sz
Trend-In
5 min readOct 23, 2019

--

Em uma indústria onde as trends mudam da noite pro dia e a cor da moda é ditada a cada coleção, parece difícil nos imaginarmos num mundo onde para tingir uma camiseta de azul passemos por um processo que dura um ano e precisemos entender de agricultura, química e fermentação… Mas é justamente essa sabedoria ancestral que algumas marcas e pessoas estão a buscar. Além de nos reconectar com nosso passado, técnicas como essa podem ser muito mais sustentáveis que os tingimentos químicos utilizados na indústria e, melhor ainda, há várias pessoas dispostas a embarcar nessa “nova” moda.

A origem da cor

Assim como a vestimenta, a cor é intrínseca ao desenvolvimento do ser humano em sociedade. Desde os pigmentos feitos de argilas e minerais moídos que adornavam e protegiam nossas peles durante o antigo Egito, os milhares de caramujos utilizados para tingir uma pequena amostra de tecido do tom mais raro e caro de toda a idade média, causado pela fermentação de um composto químico encontrado nos mesmos após ser submerso em tinas de urina envelhecida, até a obsessão literalmente doentia dos vitorianos pela pele branca e pelos tons de verde em suas paredes e roupas, nós sempre buscamos na natureza materiais que possibilitaram nossa expressão por meio de cor e forma.

Com a criação do primeiro corante sintético em 1856 por William Henry Perkin, um novo mundo surgiu. A partir da oxidação da anilina, composto incolor proveniente do alcatrão, Perkin conseguiu produzir um corante roxo capaz de tingir seda e ser facilmente produzido em laboratório com baixo custo, sendo o pioneiro de mais de um século de inovação. A partir de suas descobertas inúmeros outros corantes foram desenvolvidos, oferecendo uma gama de tons imensa pela fração do trabalho e risco envolvido.

Amostra de seda tingida por Perkin em 1860. Foto: Museu Nacional de História Americana

AI.GINSKA

“Ai.Ginska é uma pequena marca experimental de São Paulo, que trabalha com tingimento em índigo natural e outras plantas. Nós nos inspiramos nas tradições e magia em torno do índigo, corante azul extraído de plantas, para criar nosso universo.

Aqui pesquisamos, experimentamos, criamos e ensinamos a arte milenar do tingimento natural. Buscamos na história, na produção têxtil, nas plantas tintórias, nossas referências, resgatando receitas e maneiras de tingir, readaptando as tradições para os dias atuais, adequando métodos e processos às necessidades de hoje, com impacto ambiental, uso de recursos e gastos energéticos menores. Privilegiamos a criação, o processo artesanal, o fazer manual e a beleza da imperfeição.

Como amamos o vestir, amamos os tecidos e as roupas, acreditamos que elas devem ser usadas infinitas vezes, como que transmutadas em exoesqueleto, em segunda pele, e incorporadas ao estilo pessoal.”

Criada pela estilista Marina Stuginski em 2014, a Ai.Ginska é acima de tudo um eterno aprendizado e experimentação. Após trabalhar em marcas como A Mulher do Padre e André Lima, Marina foi convidada a participar da equipe responsável pelo jeanswear na Iódice, onde descobriu e se apaixonou pelo índigo, até finalmente se ver no ramo de lavanderia industrial e começar a ponderar como mudar a mesma, criando sua própria empresa. Mais focada em disseminar conhecimento e informação do que vender roupas, a estilista oferece cursos e workshops em seu ateliê no Bom Retiro, São Paulo, além de aulas online e materiais para tingimento natural. Com uma quantidade modesta de seguidores no Instagram, apenas quatro mil, parece que seu sonho de re-incorporar o tingimento natural de maneira híbrida na escala de produção industrial parece distante, mas ela segue compartilhando quase que diariamente seus experimentos e descobertas com seus fãs. x

KIRI MIYAZAKI

Foto: ffw.uol.com.br

Filha de pai japonês, bailarina clássica, agricultora e designer, Kiri teve contato com o tingimento desde seus primórdios, quando tingia roupas antigas suas e dos pais. Aos 17 anos, teve os planos de fazer faculdade interrompidos por sua família se mudar para o Japão, onde ficou três anos trabalhando numa linha de produção de celulares,dividindo seu tempo entre um emprego com carga horária de até 14 horas por dia e viagens pelo país quando podia. Ao voltar para o Brasil, Kiri sentia-se conflitante em relação ao país de onde acabou de sair. Inconformada com a vida agitada e em fábricas que teve lá, iniciou aqui no brasil a faculdade de moda na Belas Artes, onde teve contato com o tingimento têxtil novamente pelas mãos das mentoras Mitiko Kodaira e Flavia Aranha. Com uma nova paixão,arrumou as malas e foi para o Japão novamente, dessa vez para passar 30 dias numa fazenda aprendendo todo o processo a fundo.

“Voltei transformada porque voltei com um projeto de vida.”

Já em terras brasileiras, germinar e fazer crescer o índigo japonês foi um desafio. Diferenças como clima, solo e até mesmo a falta de conhecimento foram obstáculos enormes em seu processo, até que decidiu plantar as sementes em vasos no quintal de casa. Ao mesmo tempo, produzia seu TCC, um documentário poético e inspirador retratando todo o processo do cultivo da planta até seu uso como corante, em um ciclo que leva quase um ano inteiro. Seu curta, o Filme Índigo está disponível a seguir:

Mas e agora? O objetivo de Kiri não é o de produzir uma linha de roupas em tons de azul, mas sim de pesquisa e descoberta. Assim como Marina, a designer quer tornar o mundo do tingimento natural mais acessível aos interessados e quem sabe causar um impacto na vida daqueles envolvidos.

SATYA BEACHWEAR

Conexão. Sustentabilidade. Autenticidade.

Que o Brasil é referência em beachwear todos sabemos. Além de existirem semanas de moda dedicadas a potência nacional, há várias marcas dedicadas a inovar no setor dos mais diversos modos. Uma delas é a Satya. Seu maior destaque, além do tingimento natural é claro, é o uso da Poliamida biodegradável, criada e produzida no Brasil. Além de se decompor mais rápido que a Poliamida comum, evita a poluição do planeta com micro plásticos e possibilita o tingimento com açafrão, urucum e pau-brasil. Sua primeira coleção se inspira na filosofia budista e o seu equilíbrio entre natureza e ser humano, trazendo modelagens e cores inspiradas nos clássicos robes laranjas que os monges utilizam. Embora ainda pequena, a marca tem um enorme potencial de inspirar as próximas por vir.

Fontes:

https://blog.scienceandindustrymuseum.org.uk/worlds-first-synthetic-dye/

https://edition.cnn.com/style/article/perkin-mauve-purple/index.html

https://archive.org/details/Anilinecolorson00Badi/page/n21

https://library.si.edu/exhibition/color-in-a-new-light/making

http://guiajeanswear.com.br/noticias/ai-ginska-fala-sobre-indigo-natural-e-sustentabilidade/

https://www.cidadeecultura.com/satya-beachwear-vegana-pigmentacoes-naturais/

https://www.modefica.com.br/apostas-moda-sustentavel-befw/#2

--

--