Arrastão na Linha 11: cadê o debate sobre políticas públicas?
Em mais uma abordagem rasa e tipicamente sensacionalista, a forma como o arrastão no trecho Guaianazes-Estudantes da Linha 11-Coral da CPTM foi noticiado é mais uma demonstração de que, nos subúrbios, pouco importa além do espetáculo em torno da violência
A imprensa, sempre a imprensa
Agora a crítica não vai para o Estadão, mas para a Globo, que por meio de seu portal G1 e da afiliada TV Diário, decidiu cobrir algo que, até então, só havia sido comentado no Twitter:
E qual o problema da cobertura feita pela emissora e seu portal de notícias? A priori, nenhum, mas quando temos um serviço de transporte historicamente estigmatizado, que não necessariamente atende as áreas mais prestigiadas da Grande São Paulo, o mínimo que se espera é bom senso e a falta dele, observe, já começa pelo título, um belo alerta de sensacionalismo: ’Quando olhei, tinha um 38 na minha cara’, diz vítima de arrastão, com uma escolha tão chamativa (e infeliz), a narrativa não tem outro tom: no espetáculo da violência, ninguém é convidado a pensar sobre políticas públicas, sobre papel do Trem Metropolitano, que como elemento indutor de desenvolvimento, não deveria ficar refém de problemas que ele, como elemento estruturante do território, poderia amenizar.
É verdade que também houve uma outra notícia do G1 sobre o mesmo ocorrido, mas com um título mais ameno: Trio armado faz arrastão dentro do trem da CPTM em Ferraz, o problema é que, além de ser ainda mais sucinta, não tem uma postura lá muito diferente.
Nossa vida em segundo plano
O que precisa ser deixado claro aqui é que, não são só as políticas públicas e a infraestrutura de transporte de massa que ficam em segundo plano, mas as vidas de todos inseridos no contexto, ou seja, você que usa a Linha 11-Coral, você que mora em Ferraz de Vasconcelos, você que mora em Guaianases, você que, enfim, vive no Alto Tietê e/ou no extremo leste da capital paulista.
Seja crítico. A Linha 11 da CPTM tem, no Alto Tietê, pouca representatividade hoje como elemento promotor de transformações.
A Linha 11-Coral, definitivamente, é indispensável para mais de 200 mil pessoas, mas não tem contribuído para, em conjunto com atores do setor público e privado, interligar todo um conjunto de novos equipamentos capazes de transformar a realidade social da região. E ninguém na Globo ou suas afiliadas, como a TV Diário, parece ser capaz de dispensar dois segundos para dizer o que estamos dizendo aqui.
Mais do mesmo
Ninguém precisa ser um gênio para saber que faltam funcionários na CPTM, ninguém precisa ser um gênio para saber que recorrentemente pessoas entram no leito ferroviário sem qualquer impedimento, contudo, é dever da Companhia manter a integridade de todas as suas instalações e, por consequência, de todos aqueles que nelas estão e delas dependem. Se o quadro de policiais ferroviários é insuficiente e o Governo do Estado tem dificuldades para ampliá-lo devido ao caráter deficitário da empresa, então alguma medida precisa ser tomada, o que não podemos admitir é que tudo continue como está, com uma modernização lenta e pouco comprometida com as cidades atendidas e uma empresa quase invisível perante os olhos da grande mídia.
Vale lembrar que o diálogo da ferrovia com as cercanias é sabidamente problemático. Lixo no leito, invasões, furto de cabos e equipamentos (novembro de 2012, agosto de 2014, setembro de 2014, julho de 2015, abril de 2016), vandalismo (pedradas continuam sendo comuns, por exemplo), são uma constante e continuam contribuindo para reduzir a confiabilidade do serviço, além de marginalizar os passageiros e a própria empresa perante a opinião pública.
É preciso que a CPTM não seja uma cidadã de segunda classe, que se limita a construir estações “blocudas” ou passarelas pouco convidativas, ignorando tudo que acontece ao redor e, consequentemente, passando a ser refém dos problemas dos locais que atende.
Conclusão
A omissão costumeira da imprensa nada mais é do que reflexo da nossa própria omissão. Nós, passageiros, precisamos aprender que sem união e sem esforço, a realidade não vai mudar.
Quem utiliza os trens nos horários de menor movimento não pode ficar amedrontado e se tornar um refém dos caquéticos ônibus intermunicipais da EMTU.
Chegou a hora da ferrovia mostrar que continua sendo importante para tornar as cidades melhores, com mais serviços, melhores trens e estações decentes, tudo para torná-la capaz de criar intrincadas relações socioeconômicas. Todo o corredor ferroviário deve ser sinônimo de desenvolvimento e de excelência, sem exceção, não importando quão delicada seja a periferia atendida, pois o drama existente nada mais é do que um espelho da ausência de uma ou mais esferas governamentais.
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por Caio César