Estação General Miguel Costa e o Rodoanel

Estação General Miguel Costa e as múltiplas facetas da falta de infraestrutura

A Estação General Miguel Costa, comumente chamada apenas de Km 21 (apesar de o nome ter sido alterado no final de 1987), está localizada na divisa de Osasco com Carapicuíba, na Grande São Paulo. Sua posição junto ao Rodoanel Mário Covas, bem como as dezenas de linhas de ônibus que nela terminam ou por ela passam, além de a construção de um terminal de ônibus há muito esperado pelos passageiros, revelam a existência de um caráter estratégico, que infelizmente não condiz com a morosidade e negligência do poder público. Confira a seguir nosso diagnóstico.

COMMU
11 min readSep 9, 2015

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Introdução

Segundo notícia de 26/06/2013 do Blog Mural da Folha de São Paulo, os passageiros e moradores da região esperam há quase 10 anos por um terminal de ônibus, é o que releva o seguinte fragmento:

Desde 2006, projetos de um terminal são divulgados pelas prefeituras dos municípios. Entretanto, não há prazo para a conclusão. “Faz oito anos que eu escuto isso. Não acredito mais”, afirma o orçamentista gráfico Cléo Frari, 32.

A situação tem mudado, o que em parte se deve ao início das obras para o Corredor Metropolitano Itapevi-São Paulo da EMTU, que acabaram exigindo adequações no sistema viário da região. Quando visitamos a estação em 17/08/2015 com o intuito de realizar um levantamento fotográfico e verificar o andamento da obra, apuramos que o trecho sentido Carapicuíba da Avenida dos Autonomistas, fronteiriço à estação da CPTM, havia sido reaberto para o tráfego de veículos recentemente, já no outro sentido, permaneciam interdições.

O canteiro de obras impressiona pelo tamanho, mas a movimentação era mínima. Podemos observar também que nem todo o sistema viário estava liberado no momento da elaboração do artigo

No passado a Praça dos Emancipadores se parecia com uma espécie de praça em más condições e com estacionamento improvisado, que por sua vez se somava aos ônibus e pessoas se movimentando de um lado a outro, havendo também presença de comércio ambulante. Hoje já não há mais qualquer sinal da praça e os automóveis ficam estacionados em ruas nas proximidades.

Diagnóstico

Km 21 é uma estação de integração por excelência, justamente pelo caráter estratégico que destacamos no início do artigo. Vejamos a seguir como fica a situação de cada modo de transporte.

Bicicletas

As bicicletas estão presentes nos gradis da Linha 8-Diamante e na Avenida dos Autonomistas. Na segunda audiência pública sobre o corredor da EMTU, a apresentação menciona no item IV, para o trecho Jandira-Km 21, a existência de um plano voltado às bikes, incluindo infraestrutura cicloviária e bicicletário. Acompanharemos a implantação do corredor e temos certeza de que o bicicletário, se implantado adequadamente, ficará cheio, a exemplo de vários outros nos subúrbios.

Bicicletas: presentes de forma inegável, dentro e fora da estação

Parecer: satisfatório diante das informações publicamente disponibilizadas pela EMTU, contudo, temos dúvidas sobre a implantação das ciclovias. Basta assistir, por exemplo, o vídeo a seguir, o mais recente até o momento da publicação do artigo:

Não existem sinais de ciclovias. O histórico é favorável para a EMTU apenas no tocante a bicicletários. Vídeo disponível no canal da estatal no YouTube

Automóveis

A estação da CPTM tem passando por cima de suas plataformas o Rodoanel, o qual possui acesso para veículos que desejam acessar Osasco e Carapicuíba. A modernização da estação deve contemplar uma área de estacionamento, devidamente dimensionada, podendo ser conveniente adotar um edifício-garagem, tipo de coisa que não existe até hoje no programa E-Fácil de estacionamentos. Como receita extra-tarifária, o mesmo edifício pode contar, na área de integração ou em área devidamente concebida com tal finalidade, mas de acesso conveniente aos transeuntes, com estabelecimentos comerciais, contando com lanchonete, doceria, lotérica e outras amenidades do gênero.

Observação: já exploramos a possibilidade de um serviço de ônibus para integração de diferentes pontos da malha da CPTM, sendo a Estação General Miguel Costa mencionada como um dos nós de integração.

Parecer: insatisfatório; o tipo de infraestrutura em questão deveria estar incluído no projeto de modernização da estação, mas não está. Dados do edital e do processo estarão disponíveis a na próxima subseção.

Ônibus

Atualmente os passageiros dos ônibus municipais de Osasco e Carapicuíba e dos intermunicipais da EMTU estão utilizando: (i) um terminal provisório e (ii) pontos de ônibus com pouca sinalização e nível nulo de conforto.

Da direita para esquerda, de cima para baixo: terminal de ônibus provisório com linhas da ETT de Carapicuíba e Viação Osasco; informações de caráter provisório sobre as linhas de ônibus; pessoas fazem compras na mesma calçada utilizada para acessar o ponto de ônibus e os pontos que são usado como terminais das linhas da Del Rey de Carapicuíba; informação para linhas intermunicipais, sem conter número ou detalhes; ônibus da Del Rey e a situação da calçada próxima dos “pontos terminais” e; visão do ponto de ônibus usado para embarcar nas linhas da EMTU, com os “pontos terminais” da Del Rey ao fundo

Por meio de levantamento de informações públicas fornecidas pela EMTU e empresas responsáveis pelas linhas de ônibus em Osasco e Carapicuíba, identificamos que hoje há um total de 30 linhas junto à Estação General Miguel Costa, sendo que nenhuma das 21 linhas intermunicipais faz terminal na estação, enquanto 7 das 9 linhas municipais fazem terminal na estação. Para todos os casos a situação é inadequada devido à falta de infraestrutura de integração e abrigo dos ônibus e passageiros.

É também flagrante que as linhas de ônibus não respeitam o horário de operação do Trem Metropolitano. O serviço de metropolitanos da CPTM opera diariamente das 4h à 0h00, sendo que aos sábados o funcionamento cessa apenas à 1h00. Mesmo que o passageiro seja beneficiado pelo horário ampliado aos sábados, por exemplo, não encontrará 29 das 30 linhas de ônibus nas imediações, já que apenas a 225 tem horários com maior grau de compatibilidade com a CPTM.

Relação das 31 linhas de ônibus identificadas

Podemos também observar que 6 das 31 linhas fazem menção direta a Alphaville: 390, 448, 449, 450, 496 e 579, sendo oportuno lembrar o que Mariane Falcone Guerra apontava em sua tese “Vende-se qualidade de vida”: Alphaville Barueri — implantação e consolidação de uma cidade privada:

A implantação de Alphaville foi favorecida pela abertura da Rodovia Castello Branco, que possibilitou a ligação do empreendimento ao vetor sudoeste da capital. Ainda hoje, não há uma ligação com o trem metropolitano da CPTM ou um sistema de transporte público eficaz capaz de conectar Alphaville à capital, e mesmo aos municípios do entorno.

Pode-se dizer que o elemento estruturador de Alphaville/Tamboré é o viário. Um conjunto de vias mal hierarquizadas conecta os diversos setores do empreendimento: industrial, empresarial, comercial e residencial.

Como um importante pólo comercial, empresarial e industrial, Alphaville demanda muita mão de obra, sendo que a maioria dos trabalhadores não mora nos residenciais fechados, conclusão talvez óbvia, mas que fica reforçada pelo periódico britânico The Guardian, segundo o qual Alphaville é um dos dez maiores muros do planeta. Conforme informações da VEJA São Paulo em matéria de de 25/03/2011 intitulada “Polo administrativo é a nova faceta de Alphaville”:

Com um contingente de 154.606 trabalhadores, Alphaville tem um número três vezes menor de moradores, 43.521. Os índices econômicos da população fixa são superlativos: 76,3% dos domicílios possuem renda mensal acima de 11.000 reais; em São Paulo são 16,7%. A média é de 16.724 reais — contra 3.427 reais da capital, segundo dados da Cognatis Geomarketing.

Lamentavelmente, com sua atual configuração, que pouco sofreu alterações ao longo de décadas, a Estação General Miguel Costa não configura qualquer tipo de ligação eficaz entre o sistema metroferroviário e Alphaville, se limitando a um nó de conexão entre os metropolitanos da CPTM e os ônibus intermunicipais da EMTU, sem infraestrutura adequada. Um cenário ideal poderia ter sido, quando da implantação do trecho oeste do Rodoanel, garantir a implantação de sistema de transporte coletivo baseado nas seguintes características:

  • Previsibilidade e regularidade, com intervalos baixos e compatíveis com a demanda
  • Segregação em nível, de forma a não sofrer distúrbios ocasionados pela presença de veículos com menor grau de eficiência, como automóveis
  • Conforto térmico, com veículos climatizados
  • Controle automatizado e centralizado de tráfego, reduzindo aos menores níveis qualquer risco de acidente por falha humana
Aeromóvel operado pela estatal Trensurb em Porto Alegre/RS. Exemplo de tecnologia usada para conectar estrategicamente uma estação com aeroportos e centros empresariais. Foto extraída de notícia da Revista Ferroviária

Uma vez que o trecho de 32 km do Rodoanel é concessionado à empresa CCR RodoAnel e que este fora inaugurado em 11/10/2002, é vergonhosa a falta de contrapartidas para oferecer uma forma de mobilidade coletiva segura, limpa e integrada a equipamentos já existentes, principalmente quando mais de 100 mil pessoas se deslocam para lá diariamente. A baixa atratividade da Estação General Miguel Costa para acesso Alphaville se torna bastante notória quando observamos que, apesar da localização estratégica, a demanda de passageiros é de pouco menos de 20 mil em média por dia útil (dados de julho de 2015).

Observação: em 27/07/2012 o Estadão anunciava notícia intitulada “Alphaville, em SP, poderá ter acesso por meio de trem”, porém, como já havia sido adiantado pela Folha de Alphaville em 07/10/2011, o projeto de uma nova linha da CPTM, poderia sair do papel só em 2015. Até a data de publicação do artigo nenhum anúncio foi feito. Vergonhoso.

Quanto aos ônibus e a infraestrutura prevista, infelizmente a construção do terminal não tem detalhada a qualidade da integração física com a estação. O projeto do terminal do Km 21 foi executado pela Fupam e aparenta ter qualidade arquitetônica. Mas a tradicional falta de informações por parte do Governo do Estado de São Paulo torna difícil uma melhor averiguação.

Imagens do novo terminal do Km 21, divulgadas pela prefeitura de Osasco na notícia “Prefeito de Osasco discute com a EMTU início das obras do Terminal do Km 21

Na página do empreendimento, já lincada acima, a informação se resume a um pequeno parágrafo:

Neste trecho as obras estão em fase inicial e haverá a construção do Terminal km 21 (em Osasco), que terá integração física com a CPTM, duas estações de embarque e desembarque, um viaduto em Carapicuíba e alças de acesso.

No documento com perguntas e respostas, também disponível na página do empreendimento, não foram feitos questionamentos relacionados à estação em 2012. Fizemos uma breve pergunta à Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos no Twitter:

Ainda na busca de maiores informações, nos voltamos para a CPTM e mergulhamos um pouco na burocracia. Em consulta ao edital do processo 8508110011, mais precisamente ao conteúdo da página 64, deparamo-nos com a seguinte descrição das intervenções a serem realizadas na Estação General Miguel Costa:

b) Estação General Miguel Costa: desenvolver novo projeto básico, transformando a estação em plataforma única permitindo acessada por 2 vias da Linha 8 e prevendo espaço para mais 2 vias destinadas ao futura Expresso Oeste — Sul; deverá ser reestudado o acesso sul, em função do novo posicionamento do terminal de ônibus.

Vale lembrar que o processo foi iniciado em 2011 e a falta de transparência significa que não houve divulgação por parte da CPTM de uma só planta do edifício, muito menos ações abrangentes de coleta de opiniões do público interessado.

Parecer: insatisfatório; é preciso cautela, pois não raras são as situações em que o poder público, por meio de suas empresas ou secretarias, informa que existe integração física, quando, na realidade, o usuário não tem recebe uma integração física digna, ficando exposto a intempéries, além de precisar cruzar ruas, avenidas e até calçadas movimentadas, assim a futura integração física pode seguir pelo mesmo caminho.

Trens

Apesar de ser funcionalmente satisfatória para passageiros que não possuem deficiência física ou idade avançada, a estação depende da conclusão da licitação que mencionamos anteriormente. Apenas com a licitação concluída a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos poderá fazer a contratação das obras civis.

Com o terminal novo, a demanda da estação pode subir em vista da melhor conectividade, pela existência de infraestrutura qualificada de integração entre diferentes modos de transporte (ônibus, bicicletas e trens metropolitanos, no caso). Por se tratar de uma estação inaugurada em 1979, itens de acessibilidade não foram contemplados; a estação não possui escadas rolantes, elevadores ou rampas, não possui também piso podo-tátil.

Uma visão geral da estação num fim de tarde. Algumas das placas usadas para orientar os passageiros são as mesmas da Fepasa, a CPTM apenas retirou a logomarca

O estado de conservação da estação é bastante razoável. Não existe a passagem de uma imagem de deterioração, contudo, sua concepção foi feita há mais de 30 anos e diversas transformações aconteceram de lá para cá.

Conclusão

A Estação General Miguel Costa da CPTM revela uma grande oportunidade desperdiçada na Região Metropolitana de São Paulo, em localização mais do que estratégica, com urbanização já consolidada ao sul e um grande pólo demandador de mão de obra a norte.

O novo terminal de ônibus deverá reduzir significativamente a falta de infraestrutura para abrigar os ônibus e seus passageiros, bem como deverá permitir a guarda mais segura e confortável de bicicletas, mas não faz parte de um projeto sinérgico e muito menos dá indícios de que haverá um, mesmo a longo prazo.

A permanência da situação por tantas décadas exibe a falta de cobertura da grande mídia a respeito dos problemas da Grande São Paulo. Não existe ainda a noção de que as pessoas vivem não em uma ou mais cidades, mas em cidades que juntas, formam uma metrópole.

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por Caio César | colaboraram Renato Martins, Daniele Almeida e Diego Vieira

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