Privatização da CPTM e do Metrô não é mais uma questão de ‘se’, mas sim de ‘quando’
Novo governador já iniciou o mandato cutucando de uma só vez seis estatais, incluindo a Emplasa, responsável pelo planejamento metropolitano
O sinal já foi dado
Com a posse de João Doria (PSDB), o governo paulista fruto das últimas eleições começa a mostrar a que veio: a assinatura de um projeto de lei para extinguir, fundir ou incorporar a Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), a Companhia de Processamento de Dados do Estado (Prodesp), Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS), Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), Imprensa Oficial do Estado São Paulo (Imesp) e a Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo (Codasp), demonstra que não existe nenhum bom motivo para que ignorarmos os riscos impostos pelos ideais desestatizantes que ficaram claros durante o período eleitoral.
Atualização (04/01/2019, 11:00): em entrevista à Jovem Pan concedida hoje, João Doria prometeu a instalação de portas nas plataformas análogas às existentes em algumas estações da malha metroferroviária (como Sacomã e Vila Prudente) e a concessão de todas as estações da CPTM.
Reforçando o alerta para o risco de mais parcerias ruins: o caso das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda
Como já havíamos adiantado ainda em 2016, a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) vai conceder a operação das linhas 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e 9-Esmeralda (Osasco-Grajaú) para a iniciativa privada. O que começou como uma manifestação de interesse pela cambaleante Triunfo se transformou numa intenção concreta por parte do então governo de Geraldo Alckmin (PSDB).
O chamamento feito em 2017 para a parceria envolvendo duas das linhas mais bem infraestruturadas da CPTM revelou indícios de pouco arrojo, com contrapartidas que podem ser consideradas irrisórias diante do histórico de riscos e investimentos realizados pelo Governo do Estado de São Paulo por meio da Fepasa (já extinta Ferrovia Paulista S.A.) e CPTM.
Para melhor explicar e apontar o tipo de parceria que poderá vir a se concretizar, vamos avaliar as contrapartidas previstas para a iniciativa privada:
1.2. Os estudos deverão considerar que em relação à relação à Linha 8, a futura concessionária será responsável pelas atividades de: (i) adequação, operação, conservação, manutenção e modernização do trecho em operação da Linha 8, envolvendo as estações Amador Bueno, Santa Rita, Itapevi, Engenheiro Cardoso, Sagrado Coração, Jandira, Jardim Silveira, Jardim Belval, Barueri, Antônio João, Santa Terezinha, Carapicuíba, General Miguel Costa, Quitaúna, Comandante Sampaio, Osasco, Presidente Altino, Imperatriz Leopoldina, Domingo de Moraes, Lapa, Água Branca, Pompéia, Palmeiras-Barra Funda, Bom Retiro e Júlio Prestes; (ii) ampliação, adequação e manutenção do Pátio Presidente Altino de uso compartilhado com a concessionária da PPP administrativa da Linha 8; e (iii) operação e manutenção do Pátio Presidente Altino II;
1.3. Os estudos deverão considerar, ainda, que concessão relativa à Linha 9 será desenvolvida em 2 fases progressivas, na qual a futura concessionária será responsável pelas seguintes atividades:
I. Fase I: (i) adequação, operação, conservação, manutenção e modernização do trecho em operação da Linha 9, envolvendo as estações Osasco, Presidente Altino, Ceasa, Villa Lobos-Jaguaré, Cidade Universitária, Pinheiros, Hebraica-Rebouças, Cidade Jardim, Vila Olímpia, Berrini, Morumbi, Granja Julieta, Santo Amaro, Socorro, Jurubatuba, Autódromo, Primavera-Interlagos e Grajaú; e (ii) implantação e manutenção do Pátio Ceasa.
II. Fase II: adequação, operação, conservação, manutenção e modernização do trecho em execução da Linha 9, envolvendo as estações Osasco, Presidente Altino, Ceasa, Villa Lobos-Jaguaré, Cidade Universitária, Pinheiros, Hebraica-Rebouças, Cidade Jardim, Vila Olímpia, Berrini, Morumbi, Granja Julieta, João Dias, Santo Amaro, Socorro, Jurubatuba, Autódromo, Primavera-Interlagos, Grajaú, Mendes-Vila Natal e Varginha.
Traduzindo: a concessionária vai herdar uma série de estações em bom estado, sendo que a maioria foi construída ou modernizada nos últimos 20 anos, o que significa que são estações novas ou renovadas. Os maiores desafios consistem em implantar e manter pátios. As estações problemáticas são Pinheiros (só algumas áreas essenciais para acesso à Linha 4-Amarela foram modernizadas), Osasco (parcialmente modernizada), Presidente Altino (recebeu melhorias muito pontuais e precisa ser modernizada), Antônio João (idealmente deveria ser reconstruída, porém a concessionária não tem a obrigação de fazê-lo), General Miguel Costa (precisa ser modernizada e integrada com o novo terminal da EMTU, porém nada indica que a concessionária privilegiaria a intermodalidade), Santa Terezinha (modernizar, porém existem problemas habitacionais e sociais no entorno) e Sagrado Coração (modernizar). Pompéia e Bom Retiro precisam ser implantadas, porém o governo não indica que será a concessionária a responsável pela implantação, apenas que está deverá adequar, operar, conservar, manter e modernizar, sendo que modernização e adequação é algo que pode ser feito até o sexto ano da concessão, dando uma margem de segurança para o privado. Se a frota de trens não sofrer alteração, a concessionária herdaria composições novas, que entraram em serviço entre 2010 (série 7000) e 2012 (série 8000), porém a concessionária teria longos quinze anos para então precisar recapacitar os trens.
Ficariam sob responsabilidade do governo:
i. extensão da Linha 9 até Varginha, incluindo a sinalização e recapacitação de sistemas. Deve-se realizar cenários considerando a demanda com a extensão até Varginha e considerando a demanda com a extensão atual;
ii. implementação da estação João Dias;
iii. conclusão das obras do Pátio Presidente Altino II; e
iv. conclusão das obras de melhoria e reformas nas estações Jardim Belval, Quitaúna, Jardim Silveira.
v. Os valores dos investimentos estimados para o Poder Concedente estão estimados em R$1,084 bilhão.
Em 30 anos, a concessionária precisaria investir apenas 2,7 bilhão de reais, sendo que no mesmo período se espera cerca de 1 bilhão de reais por parte do governo. Os investimentos anteriores do Estado não entram na conta, ademais, a implementação da Estação João Dias tem sido permeada por incertezas também ligadas à participação da iniciativa privada, enquanto as obras das estações Quitaúna, Jardim Belval e Jardim Silveira já foram concluídas.
Além de não ficar claro qual seria o teor da modernização ou das adequações, afinal há um valor fixo que representa apenas 90 milhões por ano, não são previstos investimentos de vulto, como a implantação do Expresso Oeste-Sul, serviço expresso que mesclaria o atendimento das linhas 8 e 9 usando vias próprias, parando apenas nas estações Carapicuíba, Barueri, Osasco e Pinheiros, já comentado quando escrevemos um artigo sobre problemas estruturais da Linha 9-Esmeralda. Para se ter uma ideia de quão pouco são 90 milhões, basta lembrar que em 2009 o governo anunciou 50 milhões de reais em investimentos apenas para a modernização da Estação Osasco, ou seja, só para investir montante similar ao anunciado para uma única estação em 2009, seria consumido quase todo o valor disponível para o ano, pois corrigindo conforme pelo IPC-A, o valor atualizado é de cerca de 86 milhões de reais.
Se não bastasse a suspeita de que a concessão é tacanha em seus propósitos, faz-se necessário refletir sobre o impacto na vida dos passageiros. Acompanhe: se a concessão vai praticamente congelar uma linha por 30 anos, então significa que um passageiro habitante de Itapevi, cuja esperança de vida é de aproximadamente 76 anos, se tiver 40 anos agora, vai ver a concessão terminar com 70 anos, de maneira que o passageiro chegará ao fim da idade produtiva sem poder nutrir a expectativa de ver mudanças substanciais na Linha 8-Diamante, pois estas dependem de obras complexas e que exigem bilhões de reais adicionais.
Como consultar outras privatizações
Caso o novo governo mantenha a Plataforma Digital de Parcerias, trata-se de uma forma de saber quais são os ativos do estado que estão sendo colocados à disposição do mercado, bem como o formato da empreitada associada.
Consultando alguns projetos no site, a impressão que fica é que o governo Alckmin não conseguiu atrair interessados. Se houve esvaziamento, devemos redobrar a atenção quando novos anúncios forem feitos, pois as contrapartidas podem ser reduzidas ou outro arranjo visando atrair a iniciativa privada pode ter surgido. É nosso dever questionar o governo, a imprensa e buscar influenciar a opinião pública caso as parcerias pareçam prejudiciais.
Promessas de parcerias milagrosas precisam continuar no radar
Para além da possibilidade de conceder toda a malha da CPTM ou as linhas da Cia. do Metrô que não fazem parte da “tríade clássica” (linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha, interconectadas por enlaces e com possibilidade de compartilhamento de pátios), como a 15-Prata (atualmente Vila Prudente-Vila União), o atual governo prometeu uma expansão irrealista da rede de metrô e tem acenado para a possibilidade de implantar algum tipo anacrônico de trem regional, além disso, João Doria também fez promessas envolvendo o atendimento a Mogi das Cruzes na Linha 11-Coral, obviamente desconsiderando questões como passagens de nível, comportamento da demanda e heterogeneidade do território.
Se é quase nula a chance de implantar o Expresso Oeste-Sul em um contexto que envolve linhas privilegiadas em infraestrutura e inserção urbana (a Linha 9-Esmeralda corre paralela à Marginal Pinheiros e é vizinha de edifícios corporativos de alto nível, também chamados de triple A no mercado imobiliário), além de passar perto de edifícios residenciais que estão entre os mais caros da cidade (e possivelmente do continente todo), seria um absurdo imaginar que o governo recém-empossado vai conseguir tirar da cartola um trem regional moderno entre São Paulo e Campinas, que utilize vias próprias, não interfira na operação da Linha 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí) da CPTM e apresente tempos de viagem competitivos em relação ao sistema Anhanguera-Bandeirantes.
Palavras finais
Para fechar o texto, quero apenas ressaltar que entre as estatais envolvidas no PL (projeto de lei) citado lá no início está a Emplasa, que planeja o futuro das metrópoles do Estado de São Paulo, que, juntas, formam a Macrometrópole Paulista. A Emplasa acabou de concluir o PDUI-RMSP (Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana de São Paulo) e não pode simplesmente desaparecer. A empresa ainda abriga um fantástico acervo de documentos e vídeos, que contam aspectos da história de São Paulo que geralmente não está em evidência.
Talvez estejamos diante de um desmonte sem precedentes e, infelizmente, destruir é sempre mais fácil do que construir. Não podemos seguir o exemplo de uma certa metrópole num estado vizinho, que desaprendeu a especificar trens e depois precisou esmerilhar plataformas e reformar túneis, pois eles raspavam, a mesma metrópole que só foi ter um mapa unificado dos transportes no final de 2018.
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por Caio César