Um olhar para a CPTM e seu atendimento ao Centro, Moóca e Ipiranga
Revisitando as duas primeiras atividades do Fórum de Mobilidade Urbana da Folha de São Paulo em 10 de outubro de 2013, notei uma certa ausência quanto à CPTM quando o assunto foi “O uso do espaço público e os centros das cidades como áreas residenciais” — tema este que contou com a presença de Raquel Rolnik, Regina Meyer e Marcio Kogan
Introdução
Para começar, vou me restringir a São Paulo, praticamente único alvo da discussão (Brasília e Rio de Janeiro são exemplos de duas cidades que foram citadas pelos presentes, mas São Paulo dominou a discussão, o que já era esperado). Como muitos sabem, o chamado Centro Velho ainda enfrenta nos dias atuais problemas de degradação, falta de políticas para habitação (incluindo a regularização de ocupações, a requalificação de imóveis sem utilização para abrigar moradia social, a instalação de equipamentos públicos que permitam um uso misto mais confortável para quem trabalha e mora na região etc) e apesar disso, é contemplado com uma infraestrutura de transporte coletivo no mínimo interessante, ademais, pretendo expandir um pouco a zona de abrangência, acreditando em oportunidades desperdiçadas em outros pontos da cidade, notadamente na Zona Leste, em bairros com antiga vocação industrial, como Moóca e Ipiranga.
Em uma cidade com espaços tão disputados, chega a ser preocupante observar estações como Ipiranga, Mooca e Júlio Prestes com índices tão baixos de utilização. Mesmo na Estação Luz, eu possuo uma impressão fortíssima de que boa parte do fluxo acaba passando pelo subterrâneo, sem contribuir para a vida no entorno, uma vez que hoje a estação concentra em seu corredor de integração dois acessos ao sistema de trens da Companhia do Metropolitano: um para a Linha 1-Azul e outro para a Linha 4-Amarela (operada atualmente pela ViaQuatro).
Estações Ipiranga e Mooca
No caso do eixo Mooca-Ipiranga, o escritório UNA Arquitetos chegou a desenvolver um projeto de requalificação urbana, que pode ser conferido aqui, vale citar, inclusive, que o mesmo projeto foi exposto no Instituto Tomie Ohtake. Arrisco dizer que o eixo em questão, com fortes características industriais ainda existentes, representa um grande desleixo que se arrasta por várias gestões da municipalidade. Não só a alimentação das duas estações por ônibus é ruim, uma vez que ocorre apenas indiretamente, pois não existem linhas diretas da SPTrans, como também há uma inserção complicada, com vazios urbanos (causados por galpões, por exemplo) e favelização (no caso de Ipiranga).
A imagem em forma de mosaico acima concentra quatro fotografias da entrada que teoricamente poderia vir a ser percebida como a mais “nobre” do entorno da Estação Ipiranga, uma vez que está muito próxima do Moóca Plaza Shopping e distando cerca de 1 km da Avenida Paes de Barros e do Largo de Vila Prudente (Praça Padre Damião). É possível levantar questionamentos quanto à segurança das famílias que continuam a habitar a favela. A favela permaneceu mesmo após um incêndio ocorrido no ano de 2012. Para ilustrar o peso da ocupação em questão, vou usar a ferramenta Sinopse por Setores do IBGE, verificando a densidade demográfica preliminar (em habitantes/km²) de acordo com dados do Censo 2010.
Na imagem acima, além da legenda da própria ferramenta, que já clarifica a alta densidade (preliminar, vale dizer) de habitantes por km², adicionei alguns números, cuja legenda segue abaixo:
1: Estação Ipiranga da CPTM
2: Estação Vila Prudente do Metrô
3: Favela da Rua Ilha Serigipe (não há nome dado pelo IBGE)
4: Favela de Vila Prudente (assim chamada pelo IBGE e pelo HABISP)
Aquilo que está a leste da estação da CPTM (1) está no distrito do Ipiranga e aquilo que está a oeste da estação está no distrito de Vila Prudente, na direção da estação do Metrô (2). Com uma visão em menor zoom, podemos perceber a baixa densidade ao longo da faixa ferroviária. Além das duas favelas já citadas (3 e 4), ironicamente, outros pontos de elevada densidade também são favelas, as quais não são alvo do escopo do texto.
Na visão com menor zoom temos também os distritos do Cambuci e da Moóca adicionados. A linha vermelha corresponde, ainda que grosseiramente, ao traçado da Linha 10-Turquesa da CPTM.
Nas proximidades da Estação Ipiranga da CPTM há um pátio de carga, existindo inclusive uma passagem de nível para pedestres, que cruza a linha férrea utilizada pela MRS Logística.
O projeto do escritório UNA Arquitetos citado anteriormente é interessante por constituir um papel muito forte em termos de potencial não só para melhor utilização da infraestrutura pesada da ferrovia, mas o potencial para habitação social é também gigantesco, sendo possível pensar na relocação de pelo menos parte das famílias das áreas que eu brevemente tentei abranger, com isso desenvolvendo outras obras de habitação social nos locais hoje favelizados ou de instalação de equipamentos públicos para atendimento potencial não só das famílias em questão, mas também de outras que já habitam ou passam pela região. É claro que é preciso levar em conta o perfil industrial da região, algo que o escritório parece ter feito, mas ainda assim, vale dizer que existe movimentação de carga, com pátios que estão em uso pela MRS Logística.
Analisando o caso da demanda de Ipiranga em especial, observa-se que mesmo com a inauguração do Mooca Plaza Shopping em 29/11/2011, o aumento de demanda não foi expressivo. Os dados utilizados para a confecção do gráfico foram extraídos de arquivos PDFs que a Mídia CPTM disponibiliza na Internet.
Para usar a ferramenta do IBGE com a Moóca, a situação é um pouco mais complicada, pois a área de abrangência é maior. Observe também que ela não cobre os dois lados da ferrovia, ou seja, a Avenida Presidente Wilson, por exemplo, que possui um acesso à Estação Mooca, não faz parte da área de abrangência do distrito e assim, está fora do mapeamento abaixo:
Quando acrescentamos o distrito do Cambuci, no entanto, a situação muda um pouco de figura, como pode ser observado:
No entorno mais imediato, ou seja, nas duas faixas de mapeamento do primeiro quartil dos sete disponíveis, temos 874 pessoas residentes, em apenas 137 domicílios. Boa parte do entorno é constituído por galpões e há um pátio de carga da MRS Logística nas proximidades da Estação Mooca da CPTM.
Estações Luz e Júlio Prestes
A Estação Luz fornece um cenário particularmente único. De um lado, há o comércio da Rua José Paulino, no Bom Retiro, além do Jardim da Luz, da Pinacoteca e do Museu da Língua Portuguesa (o qual funciona dentro de parte da própria estação); do outro lado, na Avenida Cásper Líbero, existe um comércio mais diversificado e alguns edifícios residenciais, além de fácil acesso ao Poupatempo Luz e ao comércio de eletrônicos e artigos de informática da Santa Ifigênia, futuramente, haverá também uma escola técnica (ETEC Santa Ifigênia), cujas obras já foram concluídas. Perto da escola em questão e do Poupatempo Luz, há inclusive um prédio de Niemayer, muito pouco lembrado, trata-se do Edifício Montreal.
Nas proximidades da Estação da Luz, existem diversas linhas de ônibus da SPTrans que lá terminam também, embora não exista um terminal urbano de qualquer tipo nas proximidades.
A situação da Estação Júlio Prestes, no entanto, é menos animadora, apesar de abrigar a Sala São Paulo, o local não é exatamente um que possa ser considerado popular, contando também, obviamente, com um estacionamento que mira no público de maior poder aquisitivo que frequenta as performances musicais que lá são executadas. Nas proximidades, existem alguns hotéis, que muito provavelmente perderam boa parte do glamour e utilidade de outrora, além de uma parte menos nobre do mesmo comércio de eletrônicos e artigos de informática da Santa Ifigênia. É uma estação que fica consideravelmente próxima do SESC Bom Retiro, mas cuja grandiosidade contrasta com edifícios ocupados, usuários de entorpecentes (e eles não são poucos) e moradores de rua se alojando na marquise.
Estação Brás
A Estação Brás tem em parte do entorno uma grande quantidade de lojas, sendo que é fácil afirmar que boa parte delas se voltam às classes C, D e E. Pessoalmente, acredito que muitos pensem na Estação Brás apenas como uma mera estação de passagem, no qual o único contato com a “vida ao redor” é feito pelo olhar apressado e cujos passos na estrutura marcam apenas uma rota cotidiana para transferência entre diferentes linhas da rede metroferroviária.
Nas proximidades da estação, algumas empresas persistem em galpões, enquanto outros galpões remanescentes são usados hoje com finalidades religiosas (existem ocasiões em que o volume de fieis atrai inclusive curiosos no mezanino da estação) e, finalmente, temos uma empresa de call e contact center e alguns prédios residenciais.
A densidade populacional também não impressiona, ao olharmos no entorno mais imediato da faixa de domínio da CPTM, esta atinge níveis mais elevados apenas em poucos edifícios, alguns deles construídos pela CDHU.
Infelizmente diversas ruas do bairro passam uma certa impressão de abandono e degradação. Prédios históricos acabam ficando em mal estado, quando poderiam ser restaurados e talvez utilizados com as mais inúmeras finalidades, incluindo moradia, uma vez que a densidade populacional é baixa.
Finalizando
Para finalizar, gostaria de citar o trecho de um excelente artigo (Pedro Manuel Rivaben de Sales, Operações Urbanas em São Paulo: crítica, plano e projetos, Vitruvius, jun/2005) sobre o tema:
“Parece claro que o deslocamento e fechamento das atividades e plantas fabris tradicionais não apenas exacerba o processo de degeneração das condições físicas e ambientais de vastos setores urbanos, mas, agora, por isto mesmo, os põe – processos e espaços – sob nova luz. Se, na cidade de São Paulo, este quadro reporta especialmente aos bairros originalmente alinhados ao longo dos traçados das ferrovias, junto à antiga Santos-Jundiaí – em particular, ao longo do tramo que corta o quadrante sudeste da cidade –, a progressiva sub-utilização, degradação e redundância que afetam as antigas áreas, instalações e edifícios industriais contrasta direta e paradoxalmente com as condições e possibilidades implícitas ao próprio território; seja em função de sua posição e escala geográfica – verdadeiramente metropolitanas –, seja em função do grau de urbanização – central – que apresenta”.
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por Caio César