Uma visão geral sobre serviços expressos
O sistema de trilhos da Grande São Paulo é composto por 11 linhas diferentes, sendo que praticamente todas as linhas têm uma coisa em comum: a maior parte da linha é composta por duas vias, assim, enquanto um trem vai, outro volta. Temos um (enorme) problema
E daí?
Bom, você já deve estar perguntando: “tá, mas e daí que só tem duas vias?”, daí que construímos linhas com 40, 50 km, que não oferecem múltiplos serviços e todo mundo parece achar normal ir pingando o caminho inteiro, ou pior, todo mundo parece achar normal quase se matar para arranjar um assento no horário de pico.
Vamos fazer contas. Um trem típico da CPTM tem 8 carros. Cada carro tem 32 pares de portas. Considerando 5 minutos de intervalo, vão passar 12 trens ao longo de uma hora. Vamos considerar que 10 pessoas vão disputar aos empurrões e correria os poucos assentos disponíveis (as outras irão em pé). As portas se abrirão apenas de um lado, logo, serão 32 portas, ou seja, uma de cada par. Então temos 10 pessoas × 32 portas = 320 pessoas × 12 trens = 3.840 pessoas. Três mil oitocentos e quarenta pessoas se arriscaram em apenas uma hora. Situação ilustrada, podemos continuar.
Na realidade, temos dois anos particularmente importantes para pensar o surgimento de serviços expressos, nos poucos pontos da malha que permitem algo assim, um deles surgiu em 2000, outro surgiu em 2016. Sim, você não leu errado, foram mais de 15 anos até surgir alguma novidade permitindo fazer uma viagem mais direta dentro da rede. Pois bem, o primeiro serviço a que me refiro é o do Expresso Leste, um trecho da Linha 11-Coral (Luz-Guaianazes-Estudantes) que funciona de forma parcialmente expressa à Linha 3-Vermelha (Barra Funda-Itaquera); já o segundo serviço é um expresso unidirecional e que só opera nos picos de acordo com o sentido mais movimentado, fazendo o trajeto Tamanduateí-Santo André em 10 minutos, recém-implantado pela CPTM na Linha 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra).
Ajustando as variáveis
Oferecer transporte coletivo em ambientes com maior grau de complexidade sempre envolve múltiplas variáveis. No caso da Região Metropolitana de São Paulo, a variável oferta de lugares tem tido peso muito maior do que a variável tempo de deslocamento ou a variável distância percorrida. Isso cria algumas situações complicadas, principalmente devido à cultura criada pelo Metrô de São Paulo, que é, desculpem-me pela franqueza, provinciano, mesmo abrigando obras de arte e apresentando diversos exemplos de boa arquitetura. Não podemos achar que o Metrô de São Paulo é o único modelo existente no mundo para construir e operar sistemas de metrô, não é.
Acontece que não deveria ser normal fazer um expresso deficiente e após quase vinte anos, ele ainda continuar deficiente. No caso da Linha 11-Coral, o Expresso Leste é uma opção expressa à Linha 3, que é totalmente paradora, porém, o Expresso Leste ainda na termina na Luz, enquanto a Linha 3 termina na Barra Funda. A situação fica ainda mais crítica quando levamos em conta que em Guaianazes, duas estações após Itaquera, existe uma conexão com a outra metade da Linha 11-Coral, que até alguns anos atrás, apresentava um total contraste com o Expresso Leste, reduzido após a inauguração das novas estações de Ferraz de Vasconcelos e Suzano, além das modernizações de Poá e Calmon Viana, além da operação de trens com ar condicionado. Infelizmente, a outra metade da Linha 11 é ligeiramente maior do que o próprio Expresso Leste e apresenta mais estações.
Quer dizer então que quando alguém sai de Estudantes, na altura do km 50,84 da Linha 11, a pessoa vai pingando até Guaianazes e depois vive uma das piores experiências da malha para conseguir embarcar no Expresso Leste, que até hoje termina na Luz, uma estação sem infraestrutura para tal papel, quando a linha deveria deveria terminar na Barra Funda ou, mais idealmente, numa nova e unificada estação Lapa.
Para piorar tudo, predominam apenas duas vias entre Guaianazes e Estudantes, ou seja, não há como fazer um serviço expresso ou como melhorar os poucos trens diretos existentes — aqueles que percorrem os quase 51 km da linha, sem exigir a baldeação em Guaianazes — , pois não há infraestrutura. E já se passaram quase vinte anos, reitero. Em Mogi das Cruzes também existem vários cruzamentos que interferem na circulação dos trens, o que prejudica qualquer tentativa de reduzir os intervalos. A Companhia Paulista de Trens Metropolitano, sabe da situação, é claro, mas o máximo que ela fez foi lançar uma tomada de preços (processo 8412130021) para uma via auxiliar entre Brás e Suzano. Não há novidades no assunto desde o ano de 2014.
Conforto não é luxo
Nas discussões acaloradas que se iniciam após as famigeradas confusões em embarques tumultuados, nos quais a educação raramente está presente, é muito comum ouvir a alusão entre conforto e automóvel, para quem defende que conforto é sinônimo de comprar carro, eu só tenho uma coisa a dizer: para que tá feio!
Para abordar a questão do conforto, preciso alertar que acho beeeeem difícil sustentar que vamos [nós, que vivemos na capital] resolver o problema de moradia de São Paulo sem envolver as cidades ao redor e, não somente, acho ainda mais difícil sustentar que vamos melhorar a distribuição dos postos de trabalho sem envolver as mesmas cidades. Só que tem um porém…
Adensar a orla ferroviária, hoje subutilizada, não vai aumentar a pressão sobre o sistema? Aumentar a oferta de postos de trabalho não vai aumentar a pressão sobre o sistema? Vai! Pode equilibrar a demanda, mas isso não significa que vai tornar as viagens mais confortáveis. Triste, né? Mas é por isso que precisamos lutar desde já por um maior equilíbrio nos deslocamentos locais e nos deslocamentos regionais, principalmente tendo como premissa que a CPTM é um sistema de metrô (papel que faz mesmo, com ou sem ambiguidade institucional, apesar de toda a marginalização).
E aqui vai uma outra dica: um dos grandes baratos de viver numa região metropolitana é, justamente, tentar entender as sutilezas entre diferentes perfis de deslocamento.
Sendo assim, é necessário achar um meio termo entre conforto (ou seja, não precisa ser o mesmo dos ônibus seletivos da EMTU, cujo valor facilmente supera os R$ 10), tempo de viagem (expressos bem implementados reduzem os tempos de viagem) e atendimento local (serviços expressos não funcionam para atendimento local, pois param em poucas estações, privilegiando deslocamentos mais regionais, que por serem maiores e mais cansativos, podem se tornar mais aceitáveis). Um fator que influencia fortemente no conforto é o desenho do interior do trem, mais especificamente, o desenho dos assentos. Veja duas fotos a seguir:
Basicamente, negócio é termos a disposição dois serviços operando de forma simultânea e regular, um expresso e outro parador, ambos completos, sem lacunas que permanecem por mais de uma década, sendo que os trens expressos, idealmente, contam com um material rodante adequado, um pouco mais confortável, inclusive com maior número de assentos, dois andares etc.
Distância nem sempre é o problema
Enquanto é praticamente consenso que reduzir os longos deslocamentos é benéfico, vale a pena pensar que nem todos estão preparados ou dispostos a levar o mesmo modo de vida.
Explicando… algumas das localidades atendidas pela malha da CPTM — malha esta que vai muito mais longe do que aquela da Companhia do Metropolitano, sendo algo como quatro vezes maior— podem apresentar características como:
- Maior cobertura vegetal (mais arborização e vegetação);
- Menor verticalização (construções com poucos andares);
- Comércio com marcas locais, menos plastificado (sem as mesmas redes e franquias de sempre);
- Acesso para outros vetores de desenvolvimento, que oferecem empregos, equipamentos de lazer, bares e restaurantes etc, mudando a convivência com a cidade, por isso, é possível que a cidade para trabalhar seja uma coisa, a cidade para beber ou comer seja outra coisa;
- Menor custo de vida ou fácil acesso a locais com menor custo de vida, potencialmente reduzindo despesas com supermercado, por exemplo.
Conclusão
A ideia aqui foi dar uma visão geral sobre serviços expressos. Não devemos subestimar sua importância e precisamos aprender a discutir o transporte na metrópole de acordo com as diferentes escalas de deslocamento, além de não chegar achando que todo mundo vai morar e viver da mesma forma, pois se você construir um discurso impositor, pode afastar as pessoas e ignorar a diversidade existente.
Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e acompanhe a gente pelo Twitter. Para uma leitura mais confortável no smartphone, instale o app do Medium (para Android e iOS).
Agora você também pode apoiar nosso trabalho, visite nossa página no Apoia-se!
por Caio César