A direita e o fascismo: conciliação de opostos.
Como ideologias opostas convivem na mesma unidade.
Em meio aos recentes conflitos nos Estados Unidos envolvendo a manifestação de grupos fascistas, a sociedade novamente voltou a discutir as origens ideológicas deles e seus reais objetivos. Desse modo, o presente artigo tem como pretensão desenvolver a concepção totalitária de Estado e suas raízes intelectuais, sendo considerado por muitos como uma ideologia associada à extrema-direita, e por outros como “irmã do socialismo”.
Para efetuar uma analise efetiva, procurei como principal referência bibliográfica os teóricos da chamada Escola de Frankfurt, que a meu ver, através da analise cultural, possuem as ferramentas mais precisas para se atingir a raiz da questão. Por último deve-se ter em mente que as formas de totalitarismo tratadas nesse texto se resumem as experiências como o nazismo e o fascismo Italiano. Portanto, não levaremos em consideração os regimes que, posteriormente, ganharam o nome de totalitários para algumas correntes historiográficas. Além disso, o foco do texto levará em consideração o campo da esquerda representado pelo marxismo e suas correntes clássicas e a direita tradicional. Dessa forma, as teorias contemporâneas não devem ser levadas em consideração, devido a tamanha complexidade do objeto.
O fascismo e o liberalismo
Ao iniciarmos nosso estudo sobre as características do Estado totalitário, devemos nos perguntar quem o mesmo aparentemente nega e suas causas, apenas desse modo podemos começar a entender a realidade. A partir disso, devemos prosseguir analisando como as coisas se aparentam ser, e a partir desse modo, negá-las com a intenção de desvendar o verdadeiro significado delas. Só a partir desse movimento de síntese que a razão é capaz de aprender o totalidade das coisas.
Tendo em vista essa estratégia metodológica, observamos que a tradição do pensamento clássico tinha como característica a valorização do homem racional e a superação da chamada mitologia social. Esse estilo de pensar pode ser encontrado em suas origens através de iluministas como Immanuel Kant, que ao procurar conceituar a essência do homem moderno desenvolve a noção de esclarecimento (homem racional). Deste modo, a reação mais comum dentro da esfera pública seria conceituar uma oposição entre as duas frentes de pensamento, tendo o fascismo e o liberalismo como duas correntes radicalmente opostas.
Porém, como nos demonstra Theodor Adorno e Horkheimer em sua obra a “Dialética do Esclarecimento”, essa passagem do homem à maioridade (racional) ilustrada por Kant , teria levado à própria mitologia da realidade. Dessa forma, o esclarecimento (Aufklärung) nega a si mesmo, desenvolvendo uma concepção totalitária.
“Acreditamos que contribuir com estes fragmentos para essa compreensão, mostrando que a causa da recaída do esclarecimento na mitologia não deve ser buscada tanto nas mitologias nacionalistas, pagãs e em outras mitologias modernas especificamente idealizadas em vista dessas recaída, mas no próprio esclarecimento paralisado pelo temor da verdade”
Tendo em vista a contextualização dada pela citação acima, o objetivo do texto será destrinchar os elementos que suportam a defesa do fenômeno fascista como um produto das concepções liberais de Estado e, portanto, associados atualmente ao campo da direita.
Sendo assim, outro autor importante para entendermos a relação entre a concepção liberal e o Estado totalitário é Herbert Marcuse, que através do seu texto “O combate ao liberalismo na concepção totalitária do Estado” desenvolveu essa passagem.
Para o filósofo, o totalitarismo seria acompanhado por uma visão de mundo denominada “realismo histórico popular”, dessa forma, as raízes do pensamento fascista tiveram seu inicio longe da disputa política, mas sim através de discussões filosóficas e cientifico-metodológicas.
Consequentemente, as mesmas concepções que tinham como paradigma a luta contra o espirito racionalista hipertrofiados no estilo de vida burguês se desenvolveram como uma forma de filosofia da vida e naturalismo irracionalista.
Deve-se entender esses dois conceitos — como a compreensão da vida — na forma de uma composição de forças irracionais que atuam a todo o momento, assim, essa concepção desenvolve uma ideia anti-materialista da história e a liberação da vida de uma racionalidade .
“A interpretação que remete do acontecimento histórico-social a um acontecimento natural-orgânico retrocede para aquém das forcas motrizes efetivas (econômicos e sociais) da história até a esfera da natureza imutável.”
Herbert Marcuse
Para concluir as características citadas acima, a concepção naturalista do Estado fascista tem por consequência a mistificação através de categorias “religiosamente” construídas, como por exemplo: povo (Volk), onde aparece como pré existindo a qualquer sociedade de classes, grupos ou interesses.
Até agora, a construção textual não conseguiu exemplificar como a passagem das concepções liberais de pensamento tem relação ao nascimento das concepções fascistas do mundo, o máximo que até agora podemos afirmar é que tanto as correntes de esquerda (como o marxismo) e as concepções liberais-racionalistas se diferenciam do fascismo devido a crenças radicalmente diferentes.
Apenas esse argumento deveria ser o suficiente para os setores mais promíscuos da direita acusarem inúmeras vezes a proximidade do marxismo ao fascismo.
Porém, apesar de o naturalismo irracionalista ter como discurso a negação tanto das concepções marxianas como iluministas de mundo, devemos tentar apreender o movimento de ascensão da ideologia totalitária como fruto de relações sócio-econômicas presentes ao longo da historia. Desse modo, para entendemos a relação que movimentos como o nazismo possuem com o liberalismo, é necessário captar a definição mais simples que poderia resumir o pensamento liberal.
Consequentemente, para fins de explicação, podemos utilizar a frase do próprio Ludwig Von Mises, que afirma:
“ Resumindo em uma única palavra, o programa do liberalismo(…) seria: propriedade; isto é: propriedade particular dos meios de produção (…) Todas as demais exigências do liberalismo(..) o capitalismo é a única ordem possível das relações sociais (…) e nessa medida ele possui um único inimigo: o socialismo marxista”.
Após compreender a singularidade irredutível do liberalismo, é fácil de perceber o surgimento do fascismo em seu caráter de utilidade de classe; dessa maneira, o totalitarismo surge como o último ponto de sustentação das relações produtivas vigente.
Para exemplificar as abstrações feitas anteriormente, podemos citar o caso de Giovanni Gentile, ao comentar sua entrada no partido para Mussolini:
“ Sendo um liberal em minhas mais profundas convicções, durante os meses em que tive a honra de colaborar com sua obra de governo e de ver perto o desenvolvimento dos princípios que norteiam sua politica, me convenci necessariamente que o liberalismo tal como entendo, o liberalismo na conformidade da lei e portanto num Estado forte, no Estado como realidade ética, na Itália de hoje em dia não é defendido pelos liberais, que mais ou menos explicitamente constituem seus adversários, mas ao contrário, pelo senhor mesmo. Por isso me convenci que, frente à opção entre o liberalismo da atualidade e os fascistas que compreendem a fé do seu fascismo, um liberal autêntico despreza a ambiguidade e pretende permanecer a postos”.
Embora tenhamos demonstrado que o fascismo e o liberalismo em sua maneira de atuar tenham como pretensão a preservação do mesmo valor, a similaridade entre as duas ideologias não se resumem apenas ao campo da prática, tendo sua interpretação da realidade estruturas compartilhadas.
Para entender os traços em comum das duas teorias sociais é necessário que se lembre do inicio do artigo onde foi caracterizada as filosofias totalitárias como uma compreensão naturalista e irracionalista do mundo (povo, sangue, nação). Embora as teorias liberais tenham como principal fator de diferenciação o racionalismo, é de se observar dentro dos pensadores clássicos a presença de um naturalismo socialmente imanente.
Podemos comprovar essa hipótese na simples leituras de pensadores clássicos que identificavam um naturalismo econômico ou o simples Estado de natureza da sociedade. Exemplos desses autores são John Locke, Adam Smith e Jean Jaques Rousseau, que apesar de representarem o nascimento do iluminismo, preenchem suas filosofias com um naturalismo social.
“O que se encontra em conformidade a ordem, é assim em decorrência da natureza humana das coisas e independentemente das convenções humanas”
Jean Jacques Rousseau
É importante ressaltar que não se trata aqui em identificar dois movimentos como iguais, mas sim de identificar a dialética presente entre os dois. Dessa forma, os dois movimentos se apresentam como opostos, mas como pertencentes à mesma unidade. Consequentemente, o totalitarismo aparece como último recurso de manutenção de um capitalismo monopolista, mas que apesar de fazer parte de uma mesma utilidade de classe, apresenta características inteiramente novas. Como por exemplo, o naturalismo biológico, que por consequência última reúne a divisão de classes dentro de um mesmo universal: a raça.
Após a exposição desse artigo, se comprova que embora as ideologias associadas ao campo da direita como o liberalismo e o fascismo possuírem em suas aparências um caráter de oposição, apresentam o mesmo caráter de unidade quando se percebe o caráter classista das duas correntes de pensamento. Dessa forma, é evidente que o naturalismo irracionalista possui como seu antecessor as formas racionalistas clássicas e só possuem seu fim a partir das contradições sociais imanentes.
Portanto, a falsa ideia de determinados segmentos da sociedade que disseminam o surgimento do fascismo com base em falsas dicotomias como “mais Estado e menos Estado” é essencialmente infundado, pois tal análise tem a característica de não compreender a totalidade concreta mas apenas particularidades.