A Grande Jogada de PPK

Na semana passada, logo antes do Natal, foi votado no Congresso peruano o processo relâmpago de impeachment do Presidente Pedro Pablo Kuczynski. O que parecia o resultado certo e iminente até o processo político foi revertido milagrosamente no apagar das luzes.

Fernando López
Tribuna da Pluralidade
6 min readDec 28, 2017

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O Presidente Pedro Pablo se defende no Congresso Foto: Flickr/Governo do Peru

Pedro Pablo fora eleito pelo partido PPK (Peruanos Por el Kambio, cuja sigla forma o seu nome)em 2016 para um termo de cinco anos de mandato. O candidato de centro-direita derrotou no segundo turno a filha mais velha do ex-presidente e ditador Alberto Fujimori por uma pequena margem de 0,24%, ou menos de 50 mil votos, mesmo representando uma união antifujimorismo. Apesar da vitória no cargo executivo, o partido de extrema-direita liderado pela candidata derrotada conseguiu mais da metade dos assentos no Congresso, enquanto que o eleito presidente colocou somente 18 congressistas de um total de 130. Isso se deve às características de sua eleição, que apesar de ter ganhado, muito se deve a sua oposição ao fujimorismo.

Ainda no início de seu mandato explodiu a corrente de denúncias e investigações acerca das propinas da Odebrecht em troca de favorecimento. Sua empresa pessoal foi vinculada a doações da empreitera. Apesar de nunca ser provado qualquer crime, o Congresso iniciou um processo de impeachment no dia 15/12 por incapacidade moral de governar, acusando o Presidente de mentir. Esta movimentação rápida foi possibilitada pelas características semi-presidencialistas do Peru, sendo votado dia 21, somente uma semana após o início do processo.

O Fujimorismo

Recapitulando esta força política presente nas últimas décadas no Peru voltamos ao fim da década de 80. O país atravessava adversidades econômicas com decréscimos de até 11% no PIB em 1988 e inflação de até 2800%, estava, ainda, fora do FMI e sem acesso ao crédito internacional pelas políticas heterodoxas anteriores. Assim, Fujimori se apresentou como candidato que iniciaria a transição econômica do Peru ao neoliberalismo, e assim ganhou do renomado escritor peruano de passado marxista Mário Vargas Llosa.

Ex-presidente e ditador Alberto Fujimori (1990–2000)

As polêmicas já se iniciam com a legalidade de sua candidatura. Apesar de ter registrado que nasceu no Peru, muitos acreditam, pelo contexto familiar e outros documentos, que na realidade teria nascido no Japão, invalidando a presidência.

Ao seguir políticas ortodoxas, sob o Consenso de Washington, seu governo viu o ajuste das contas, a volta do crescimento do PIB e a redução da inflação a níveis normais. Porém, quando foi tirado do poder em 2000, deixou o país com altos níveis de desemprego, pobreza e, principalmente, a transferência de grande parte dos trabalhadores à informalidade.

Porém, o real problema de seu governo, que o faz ser considerado uma ditadura, foi a forma autoritária que adquiriu após o “autogolpe” que promoveu em 1992. Alberto fechou o Congresso após este recusar dar-lhe poder irrestrito de legislação em temas de economia e segurança interna, fechando também o poder judiciário. Em 1993, redigiu uma nova Constituição para o Perú permitindo sua reeleição. As eleições seguintes (1995 e 2000) foram marcadas por fraudes que o reelegeram e seu governo foi possibilitado pela sua aliança com as forças armadas.

Além disto, houve diversas atrocidades neste período. A mais famosa delas é o esquadrão da morte criado para combater os grupos terroristas de extrema-esquerda, que cometeu diversos atentados aos direitos humanos. Ademais, ocorreu uma esterilização em massa e sem consentimento de mais de 300 mil mulheres, em sua maioria de estratos pobres ou indígenas, a mando do governo estadounidense durante a década de 90.

Por fim, após sua segunda reeleição em 2000, revelou-se um grande esquema de corrupção e compra de votos que o envolvia com um de seus aliados e perdurava sua década de poder, abrindo a possibilidade de seu impeachment, porém fugiu para o Japão após a abertura do processo.

Após isto se deu a redemocratização do país. Todavia, a popularidade de Alberto era alta e sua família, mais especificamente seus filhos, herdaram seu legado para o novo momento da política peruana. Após seguidas reformulações, o movimento se personalizou na figura da filha mais velha de Alberto, Keiko Fujimori, fundando o partido Fuerza Popular em 2009. Hoje é o maior partido no Congresso, com 71 assentos, e Keiko perdeu as eleições de 2016 por somente 0,13% dos votos.

A Jogada

No dia da votação de seu impeachment, Pedro Pablo iniciou uma tentativa de se manter no poder. Iniciaram-se diversas negociações e discussões no Congresso peruano em meio a sua defesa. Com 130 congressistas no total, o impedimento necessitava de 87 votos a favor. A situação parecie irreversível porque desse total, somente 18 representavam seu partido e ambos partidos de esquerda e a Fuerza Popular de Keika declararam que procediriam com o impeachment. Totalizava, assim, mais de 90 votos pela continuação do processo. A situação teria, pois, que minar votos de ambos os lados, o que parecia improvável.

Congresso da República do Perú

O Presidente fez com que seu Vice, Martín Vizcarra, e a Primeira-Ministra, Mercedes Aráoz, ambos de seu partido, anunciassem que em caso de aprovação do impeachment iriam renunciar. A linha sucessória indicavam o Vice-Presidente e o Primeiro-Ministro como o primeiro e o segundo respectivamente, quem os seguia era o Presidente do Congresso, que atualmente é ocupado pelo partidário fujimorista Luis Galarreta. Dessa maneira, Pedro Pablo, denunciando também um golpe em percurso, desencorajou alguns congressistas de esquerda a votarem, pois veriam o retorno de uma direita autoritária ao poder.

“Está em suas mãos salvar a democracia ou afundá-la por muito tempo” — Pedro Pablo Kuczynski para o Congresso

Ao mesmo tempo, conseguiu observar uma fratura na própria família Fujimori, entre o filho mais novo e sua irmã, Keika, líder do partido. Enquanto o primeiro prestava mais lealdade ao pai, e parecia ter uma conexão emotiva com ele que estava em estado degenerativo de saúde, a filha mais velha parecia ter superado a imagem de seu pai e trilhava seu próprio caminho independente dele. Ao analisar essa situação, Pedro negociou com o filho, Kenji Fujimori, o indulto humanitário de seu pai, libertando-o da prisão, onde estava desde 2009 por crimes humanitários e de corrupção. O apelo emocional funcionou, Kenji absteve na votação do impeachment junto a uma parcela do partido que o seguia, mas alguns aliados do Presidente se mostraram insatisfeitos com o indulto e abandonaram a base aliada.

Além de se livrar do impedimento por 8 votos, Pedro obteve algumas vitórias no campo político. Conseguiu dividir mais ainda a própria família Fujimori, criando problemas internos no partido de oposição e extrema-direita Fuerza Popular, e deu fôlego à coalizão antifujimorista. Porém, apesar de sua sobrevida na presidência, ainda enfrenta as acusações de corrupção, um congresso divido e de maioria da oposição, debanda de parte da situação após o perdão e o resto de seu mandato ainda está sob risco.

Abstenho de qualquer opinião valorativa acerca do atual mandatário peruano e envolvidos, mas evidencio a maneira como conseguiu reverter uma situação quase que sem saída. Ouso ainda a comparar ainda com o ocorrido no Brasil durante os anos de 2015 e 2016. Nossa presidente, na iminência do processo de impeachment, viu seu Vice se rebelar e apoiar o processo, encurralando-a. Isto trouxe ao Brasil um grande período de instabilidade, pois um governo com pouca ou nenhuma base de legitimidade ascende com proposta diferente daquele eleito que foi retirado. Surge também uma caça às bruxas que extrapola muitos direitos básicos e positivados em nosso ordenamento.

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