A insuficiência da nova esquerda

Como o pensamento pós- moderno se tornou incapaz de resolver os problemas da contemporaneidade

Tarik Dias
Tribuna da Pluralidade
6 min readApr 16, 2017

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"A Condição Pós-Moderna", importante livro de Jean-François Lyotard.

Após a Revolução Francesa, o mundo passou a viver o auge do chamado "projeto modernista de mundo". Tal filosofia tinha como pretensão o controle e a emancipação racional do próprio sujeito alinhado da realidade que os cercava. Como, por exemplo, o projeto racional de Descartes, que com a frase "Cogito ergo sum"("penso, logo existo"), definiu não só o sujeito moderno como a possibilidade de conhecimento da realidade. Sérgio Paulo Rouanet, então, caracteriza o projeto moderno como uma capacidade trans-histórica de análise, com grandes influências da antiga pólis grega.

Uma das principais correntes que ganhará força na modernidade é o estruturalismo francês contemporâneo, formulado no início do século XX pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure (e posteriormente melhor desenvolvido pelo antropólogo Claude Lévi Strauss). Essa corrente de pensamento se define por tomar como central, em seu desenvolvimento, a estrutura como principal ponto de partida metodológico. Para essa corrente de pensamento, o conjunto de relações é definido por regras, sendo apenas possível estudar as partes através do todo.

“ O estruturalismo se caracteriza em grande parte como um método de análise de relações de significação através das investigações das regras e princípios que constituem uma estrutura ou sistema”.

(Danilo Marcondes)

Entretanto, nos dias atuais, a concepção de mundo idealizada pelos autores clássicos está sendo ameaçada. Isso se deve não só a autores da direita, mas também — principalmente — a uma nova esquerda ascendente, que trouxe mudanças sobre as concepções, tanto artísticas quanto políticas.

"Estamos no final do que se denomina a Idade Moderna”. Essa época “está sendo substituída por um período pós-moderno”, no qual todas as expectativas históricas que caracterizaram a “cultura ocidental” deixaram de ser relevantes."

(C.Wright Mills)

“O que aparece num nível como o último modismo, promoção publicitária e espetáculo vazio é parte de uma lenta transformação cultural emergente nas sociedades ocidentais, uma mudança de sensibilidade para a qual o termo “pós-moderno” é na verdade, ao menos por agora, totalmente adequado. A natureza e a profundidade dessa transformação são discutíveis, mas transformação o ela é. Não quero ser entendido erroneamente como se afirmasse haver uma mudança global de paradigma nas ordens cultural, social e econômica; qualquer alegaçã dessa natureza seria um exagero. Mas, num importante setor da nossa cultura, há uma notável mutação na sensibilidade, nas práticas e nas formações discursivas que distingue um conjunto pós-moderno de pressupostos, experiências e proposições do de um período precedente"

(Huyssens)

Esse pensamento se apresenta com a intenção de reformular as concepções clássicas do sujeito, portanto, a frase “penso logo sou” por uma indefinição do indivíduo.

"Quanto à superstição dos lógicos, nunca me cansarei de sublinhar um pequeno fato que esses supersticiosos não admitem de bom grado — a saber, que um pensamento vem quando “ele” quer e não quando “eu” quero; de modo que é um falseamentoda realidade efetiva dizer: o sujeito “eu” é a condição do predicado “penso”. Isso pensa: mas que este “isso” seja precisamente o velho e decantado “eu” é, dito de maneira suave, apenas uma suposição, uma armação, e certamente não uma 'certeza imediata'."

(Friedrich Nietzsche, em "Além do Bem e do Mal")

Cada autor dirá que essa mudança começou a acontecer em determinada época. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, por exemplo, considera que o projeto modernista começa a ter seu fim após a Segunda Guerra, devido ao acontecimento do Holocausto.

Para o autor, o nazismo era um filho legítimo do projeto modernista, tendo a razão como principal ferramenta.

Mas o principal evento que marcará o surgimento desses novos sistemas de pensamento será a Greve Geral Francesa, em maio de 1968, onde começam a se pensar as questões referentes às condutas individuais, como a sexualidade e as liberdades subjetivas.

Diferentemente dos autores das “grandes narrativas”, o olhar pós-moderno de mundo, transforma toda a realidade objetiva em uma mera linguagem. Sendo assim, não se trataria de descobrir de fato os paradigmas que cercam o mundo social, apenas compreender os diferentes discursos a cerca do indivíduo.

“Não há fatos, só interpretações”

Friedrich Nietzsche

Michel Foucault, por exemplo — em sua obra "Vigiar e Punir" — ao introduzir a noção de genealogia, concebe a origem dos valores morais em toda a tradição ocidental como uma pratica discursiva que dependem da constituição de um saber especifico e as formas de exercício de poder em determinados contextos culturais específicos. Sendo assim. Foucault critica a tradição moderna, questionando seus princípios epistemológicos.

“Admite−se que o estruturalismo tenha sido o esforço mais sistemático para eliminar, não apenas da etnologia mas de uma série de outras ciências e até da história, o conceito de acontecimento. Eu não vejo quem possa ser mais anti−estruturalista do que eu”

Embora a nova esquerda tenha gerado inúmeros adeptos, através de autores como Michael Foucault, Judith Butler e Jean-François Lyotard, o novo paradigma usado não consegue dar conta da compreensão da realidade social nos tempos atuais. Assim sendo, o fato de adotarem como prioridade às subjetividade do indivíduo, acaba por impossibilitar as transformações da vida social em larga escala.

Por exemplo, ao problematizar as questões de gênero no mundo contemporâneo, Judith Butler na tentativa de não definir totalidades, a autora esquece as bases onde as mulheres e os homens estão inseridos. Ou seja, um regime de acumulação e de exploração econômica. A nova esquerda preocupou-se em fugir da rigidez da velha esquerda. Sua identidade originou-se como uma força cultural e política . Porém, sua capacidade de se fragmentar, gerou um abandono em relação às dificuldades enfrentadas pela classe trabalhadora. Por exemplo, André Gorz deu adeus à classe operária e Aronowitz anunciou "a crise do materialismo histórico”.

Não se trata de negar os temas da atualidade, e sim não abandonar a realidade e sua constituição de fato. A redução da socialização em pequenas narrativas em última estância, acaba por não resolver as contradições imanentes no regime de produção atual, pois não leva em conta o processo ontológico que forma os indivíduos em uma sociedade de mercado. A esquerda contemporânea, apesar de possuir um caráter progressista em relação a novos assuntos. Mostra sua face conservadora ao negar vir-a ser e instalar o regime do ser, sendo incapaz de realizar qualquer mudança estrutural.

A partir da década de 50, era possível que se cogitasse o fim da história devido ao apogeu do chamado Welfare State. Porém, com a ascensão de um capitalismo globalizado onde o trabalho é constantemente flexibilizado e ocorre o nascimento da classe dos proprietários ausentes, me parece que está na hora da esquerda retomar o pensamento moderno, pois só assim os novos desafios podem ser enfrentados.

“A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”.

David Harvey

Harvey, no final de seu livro "A Condição Pós Moderna", aconselha maneiras de a esquerda prosseguir para dar conta das atuais mudanças sociais.

Desse modo, seria incorporar as perspectivas sobre “alteridade”(religião, gênero, raça)analisando os aspectos discursivos e os lugares de enfrentamento dentro de um modelo de um modelo de investigação materialista da história, sendo assim, a esquerda conseguiria uma unidade nas lutas pela emancipação.

Em síntese, se trata de aproveitar o caráter atual das novos movimento de esquerda, mas não abandonar a tradição de discussão acerca do trabalho no regime atual,

Seria simbólico, em um ano que faz 100 anos da Revolução Russa (assim como os 100 anos das Teses de Abril), se a esquerda repensasse a sua maneira de agir.

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