A Política pelo Twitter

Ucrânia e Rússia brigaram através da rede social. Ano passado, o site foi fundamental na campanha presidencial de Trump. É a política do nosso tempo.

Thiago Süssekind
Tribuna da Pluralidade
9 min readJun 14, 2017

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No dia 30 de maio, o mundo testemunhou um acontecimento, no mínimo, curioso: uma briga no Twitter entre as contas oficiais da Ucrânia e da Rússia pela rede social. No entanto, o evento é mais importante do que parece à primeira vista: a discussão pública entre os dois países reflete uma nova política, na Era da Internet, na qual o Twitter e as demais redes sociais desempenham um importante papel.

Contudo, antes de entrar mais a fundo no assunto, acho válido explicar o ocorrido de 30 de maio.

O presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, havia estado em Paris para se reunir com o novo presidente francês, Emmanuel Macron, no dia 29 de maio. A reunião, em si, já estava recheada de polêmicas: os russos são acusados de terem auxiliado a oponente de Macron durante a disputa presidencial na França, Marine Le Pen. No mais escandaloso dos acontecimentos, hackers provavelmente ligados à Rússia vazaram informações e correspondências confidenciais do atual presidente da França. Por conta disso, Macron atacou dois jornais financiados por Putin, o Russian Times e o Sputkniks, acusando-os de agirem como “máquinas de propagandas enganosas”.

O problema para os ucranianos, todavia, foi que Putin emitiu uma declaração polêmica naquele encontro acerca da amizade franco-russa. O presidente decidiu fazer uma alusão histórica e, para isso, voltou para o século 11, contando a história de uma antiga rainha francesa: Ana Jaroslavna, princesa de Kiev. Ela foi rainha dos Francos entre 1051 e 1060, além de regente de Filipe I depois disso, uma vez que foi casada com Henrique I da França. Isso enquanto era filha do Grão-Príncipe de Kiev Jaroslau I, o Sábio.

Na época, Kiev era a capital de um principado, conhecido como Rus’ de Kiev (ou, simplesmente, Principado de Kiev). Este, em seu auge, abrangia a região banhada pelo Mar Báltico ao norte, extendendo-se ao sul até o Mar Negro e sendo delimitado pela nascente do Rio Vístula e pela Península de Taman, ao oeste e leste, respecivamente. Assim, o Estado reunia grandes porções de território hoje pertencentes aos mais diferentes países, como Letônia, Lituânia, Estônia e até Polônia, além da vasta maioria das tribos eslavas orientais, o que inclui o que conhecemos hoje como bielorrussos, ucranianos e russos.

Dessa forma, esses três países —Bielorrússia, Ucrânia e Rússia — reivindicam Rus’ de Kiev como ancestral cultural. E ao chamar Ana Jaroslavna de russa, Putin deu a entender que reivindicava essa história compartilhada entre nações para a Rússia de maneira exclusiva. O que, evidentemente, deixou a Ucrânia – que já sofre com o imperialismo de Putin, tendo perdido a Crimeia em 2013 e vivendo uma Guerra Civil na parte mais ao leste de seu país pela mesma razão – furiosa. O assunto é especialmente polêmico em solo ucraniano, uma vez que o país viveu sob o controle totalitarista soviético até 1991.

Assim, o Twitter oficial da Ucrânia decidiu responder à sociedade, enfurecida com a declaração de Putin, em sua primeira publicação na terça-feira, 30 de maio, de manhã. Com uma imagem, os ucranianos responderam a Putin e apontaram que Moscou sequer existia enquanto Ana vivia, e que, portanto, não fazia sentido chamar a princesa de russa.

“Quando a @Russia diz que Ana de Kiev estabeleceu as relações Rússia-França, lembremo-nos da sequência de eventos”, escreveu a Ucrânia. Incluído aqui embaixo, o tweet se trata da imagem, em cima, de Ana Jaroslavna, com o ano de sua coroação e uma legenda que relata seu reinado ao lado. Logo abaixo, é possível ver uma foto que retrata uma floresta, sem civilização, com a legenda: “Enquanto isso, em Moscou”. Assim — apontando para esse contraste — , os ucranianos pretendiam desmentir a versão russa.

A conta oficial da Rússia, quase que imediatamente em seguida, replicou, apontando que a Catedral de Santa Sofia foi construída na mesma época em Veliky Novogrod:

“Nós temos orgulho da nossa história comum. Rússia, Ucrânia e Bielorússia compartilham da mesma herança histórica que deveria unir nossas nações, não separá-las”.

No século 11, a cidade — que mais tarde, se tornaria capital da República de Novgorod, anexada por Ivan III à Moscóvia em 1478 — era parte do território conhecido como Rus’ de Kiev, com a qual, como mencionado anteriormente, a Rússia, a Ucrânia e a Bielorrússia — cujas bandeiras foram incluídas no tweet — reivindicam links culturais e históricos. A ideia, além de apaziguar os ânimos através de um texto conciliador, era mostrar que, apesar de Moscou ainda não ser habitada, as raízes da Federação Russa já existiam. E Novgorod, de fato, é um dos Estados mais importantes para a formação do país — perdendo apenas para Moscóvia em grau de relevância nesse sentido.

A nova resposta da Ucrânia à Rússia nem precisa de muita explicação — a exasperação comunicada por um meme bem sucedido dos Simpsons é algo que os usuários de redes sociais, em pleno ano de 2017, conhecem bem.
“Você realmente não muda, não é?”, publicou a Ucrânia, junto com um GIF de “Os Simpsons”, no qual a Rússia volta novamente a ser União Soviética.

O GIF usava apenas o trecho em que a placa do personagem russo gira, mostrando "Soviet Union" em vez de "Russia".

Essa engraçada disputa virtual entre ambas as nações parece, aparentemente, inofensiva. E talvez seja. Mas Ucânia e Rússia são dois países que estão em atrito constante desde 2014, quando a Crimeia foi integrada pelo Exército Russo. O fato de os dois países estarem em conflito no mundo virtual também, portanto, apenas reflete a situação vivida pelos vizinhos na "vida real". Contudo, quando esse confronto passa para a Internet, insere-se em um contexto totalmente novo. Afinal, como funcionam as Relações Exteriores pelo Twitter? É um cenário que ainda é novidade, mas ao que tudo indica, que será cada vez mais comum. Por isso, faz-se mister estudá-lo.

Nesse mundo em que o Twitter e as demais redes sociais desempenham um papel fundamental, a maior parte dos políticos já começaram a fazer uso do microblog. Entretanto, nenhum chegou ao ponto de Donald Trump, o novo presidente dos Estados Unidos, que transformou o Twitter em um eixo central de sua campanha rumo à presidência.

“Eu nunca vi uma pessoa magra bebendo Coca Diet”, publicou Trump em 2012. Parece um tweet bobo, mas não é: fazendo referência à cultura pop e insultando pessoas desconhecidas, Trump justificou seus hábitos (ele bebe Coca-Cola com muita frequência).

Trump chama a rede social baseada em textos de, no máximo, 140 caracteres, de "um jornal" dirigido por ele próprio. No entanto, muito mais do que apenas transmitir informação, o Twitter do presidente deixa que o público saiba o que ele está pensando de forma quase que instantânea, além de garantir a Trump uma ferramenta para dialogar com seus apoiadores, criticar seus oponentes, comunicar decisões, disseminar mentiras e até revelar os seus hábitos televisivos.

“Tanta gente boba «politicamente correta» no nosso país. Temos que voltar ao trabalho e parar de desperdiçar tempo e energia em coisas sem sentido!”. Esse tweet serviu para defender a sua perfomance no primeiro debate televisivo que participou. Além disso, passa uma mensagem importante de sua campanha: que ele é igual ao povo, não aos políticos.
“Eu espero que quando Rand Paul saia da corrida [presidencial] — ele tem 1% — seus apoiadores venham para mim. Eu farei um trabalho muito melhor para eles.” Com esse post, Trump insulta seu adversário, mas não as pessoas que o apoiam, a quem clama por um chance.
“Todos sabem que estou certo quando digo que Robert Pattinson deveria deixar Kristen Stewart. Em alguns anos, ele vai me agradecer. Seja esperto, Robert.” Ao falar de cultura pop, mesmo que com fofocas sobre celebridades, o atual presidente se mostra um homem do nosso tempo.

No primeiro mês em que Donald Trump passou todos os dias como presidente, fevereiro – já que ele assumiu apenas em 20 de janeiro –, foram 145 tweets. Esse índice chegou a ser até maior durante a sua campanha, quando revolucionou a forma de as realizar. Em vez de participar de comícios só de vez em quando, Trump também detinha um comício contínuo, ininterrupto, que acontecia através do Twitter o tempo inteiro. Ele enchia o estádio das redes diariamente. E, como presidente, poucas coisas mudaram nesse sentido.

Em março, foram 129 publicações, inclusive uma das mais emblemáticas e polêmicas de todas:

“O quão baixo foi o Presidente Obama para grampear os meus telefones durante o tão sagrado processo eleitoral. Isso é Nixon/Watergate. Cara ruim (ou doente)!”

O presidente acusou, publicamente — para os seus mais de 30 milhões de seguidores no microblog — , o antecessor do cargo de gravar as suas conversas telefônicas. A fala continua, até hoje, sem ser sustentada por quaisquer tipos de evidências. Mesmo assim, a acusação repercutiu imensamente no noticiário e é tida como verdade para uma grande parcela da população estadunidense.

O problema contido nessa característica — a disseminação facilitada de notícias falsas — , tão particular da pós-verdade, torna-se um problema muito maior quando se trata do Presidente dos Estados Unidos, indubitavelmente o país mais poderoso do mundo, tanto economicamente quanto militarmente. Em novembro, por exemplo, Trump divulgou supostos índices de homicídios nos EUA, que teoricamente estariam aumentando, equivocados. Dizia ele que a imprensa não divulgava os números. Na ocasião, após uma grande repercussão negativa, foi-se admitido que as postagens e informações postadas no Twitter do presidente não passavam por fact-checking, ou seja, não tinham a sua veracidade verificada antes de publicadas.

Mas quando o secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, afirma que os tweets de Donald Trump devem ser vistos como “comunicados oficiais da Casa Branca”, a situação fica muito mais problemática. Bem como o fato de o presidente ter passado a bloquear pessoas no Twitter. E ele tem bloqueado muita gente: de Holly O’Reilly — cidadã americana desconhecida, que publicou um GIF de Trump com o Papa Francisco — a Stephen King, famoso autor de livros de terror.

"Trump me bloqueou de ler seus tweets. Eu talvez tenha qu eme matar", publicou o famoso escritor, ontem, ao ser bloqueado pelo presidente.

O problema, mais uma vez, é que se trata do Presidente dos Estados Unidos. Ao bloquear pessoas que governa, Trump está a restringir o acesso destes aos seus tweets, bem como a impedir que cidadãos estadunidenses com ele interajam. O que, ao lembrarmos as falas de Sean Spicer de que o Twitter do presidente deve ser encarado como uma série de comunicados oficiais da Casa Branca, deixa a situação ainda mais preocupante do ponto de vista democrático.

Já que as pessoas tem a sua capacidade de comunicação com o governo restringida pelo fato de Trump as ter bloqueado, os Estados Unidos se viram dentro de uma discussão jurídica acerca da medida do presidente. Alguns juristas afirmam que a ação de Trump, pelo Twitter, poderia infringir a Primeira Emenda da Constituição:

“O Congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas”.

Para a CNN, a Knight First Ammendment Institute da Universidade Columbia, de Nova Iorque, deixou claro que processaria o presidente caso ele não revertesse os bloqueios virtuais. De acordo com eles, “a sua conta do Twitter é um fórum público designado, essencialmente pelas mesmas razões que determinam que as reuniões abertas do Conselho da Cidade e as reuniões do Conselho da Escola são”. Ou seja, basicamente, o argumento é que o Twitter do presidente também é um espaço público como qualquer outro, mesmo que na Internet.

Na presidência, Trump também usou o seu microblog para anunciar grandes medidas do seu governo, assim como decisões importantes, como renegociar os termos do NAFTA (bloco econômico que une EUA, Canadá e México) em vez de apenas abandonar o grupo.

Trump e o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, em encontro realizado na Casa Branca, na capital Washington, DC. (Foto: Andrew Harnik / AP)

O que todos esses acontecimentos ensinam é que as redes sociais – e a Internet como um todo – estão se tornando cada vez mais importantes para a política. E o acontecimento que envolveu Rússia e Ucrânia pelo Twitter aponta até mais longe: a diplomacia e todas as Relações Exteriores dos países, no futuro, podem ter rumos importantes sendo definidos no mundo virtual. Afinal, se o Twitter pode funcionar como um fórum público interno de uma nação — como argumentado pela organização da Unversidade de Columbia para os tweets de Trump — , o que impede que a rede, já transformada em palco de discussões internacionais entre países, assemelhe-se, no futuro, a fóruns internacionais públicos de discussão, como parte dos encontros das Nações Unidas?

O problema é que o Twitter, apesar de ser direto e permitir uma comunicação instantânea entre pessoas ou instituições, é limitado pela famosa restrição dos 140 caracteres. Como a política vai se adaptar a essa nova realidade, tanto no campo internacional quanto em relação aos assuntos interiores, ainda parece ser imprevisível. Contudo, uma coisa acho que todos podemos concordar: que o exemplo de Trump não seja seguido à risca. E que mais brigas sejam com GIFs de Simpsons, e não armas.

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Thiago Süssekind
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Líder Estadual do Acredito-RJ (2020-2022) | Advogado | Direito-UERJ | Contato: tsussekind@hotmail.com | Twitter: @ThiagoSussekind