A Política pelo Twitter
Ucrânia e Rússia brigaram através da rede social. Ano passado, o site foi fundamental na campanha presidencial de Trump. É a política do nosso tempo.
No dia 30 de maio, o mundo testemunhou um acontecimento, no mínimo, curioso: uma briga no Twitter entre as contas oficiais da Ucrânia e da Rússia pela rede social. No entanto, o evento é mais importante do que parece à primeira vista: a discussão pública entre os dois países reflete uma nova política, na Era da Internet, na qual o Twitter e as demais redes sociais desempenham um importante papel.
Contudo, antes de entrar mais a fundo no assunto, acho válido explicar o ocorrido de 30 de maio.
O presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, havia estado em Paris para se reunir com o novo presidente francês, Emmanuel Macron, no dia 29 de maio. A reunião, em si, já estava recheada de polêmicas: os russos são acusados de terem auxiliado a oponente de Macron durante a disputa presidencial na França, Marine Le Pen. No mais escandaloso dos acontecimentos, hackers provavelmente ligados à Rússia vazaram informações e correspondências confidenciais do atual presidente da França. Por conta disso, Macron atacou dois jornais financiados por Putin, o Russian Times e o Sputkniks, acusando-os de agirem como “máquinas de propagandas enganosas”.
O problema para os ucranianos, todavia, foi que Putin emitiu uma declaração polêmica naquele encontro acerca da amizade franco-russa. O presidente decidiu fazer uma alusão histórica e, para isso, voltou para o século 11, contando a história de uma antiga rainha francesa: Ana Jaroslavna, princesa de Kiev. Ela foi rainha dos Francos entre 1051 e 1060, além de regente de Filipe I depois disso, uma vez que foi casada com Henrique I da França. Isso enquanto era filha do Grão-Príncipe de Kiev Jaroslau I, o Sábio.
Na época, Kiev era a capital de um principado, conhecido como Rus’ de Kiev (ou, simplesmente, Principado de Kiev). Este, em seu auge, abrangia a região banhada pelo Mar Báltico ao norte, extendendo-se ao sul até o Mar Negro e sendo delimitado pela nascente do Rio Vístula e pela Península de Taman, ao oeste e leste, respecivamente. Assim, o Estado reunia grandes porções de território hoje pertencentes aos mais diferentes países, como Letônia, Lituânia, Estônia e até Polônia, além da vasta maioria das tribos eslavas orientais, o que inclui o que conhecemos hoje como bielorrussos, ucranianos e russos.
Dessa forma, esses três países —Bielorrússia, Ucrânia e Rússia — reivindicam Rus’ de Kiev como ancestral cultural. E ao chamar Ana Jaroslavna de russa, Putin deu a entender que reivindicava essa história compartilhada entre nações para a Rússia de maneira exclusiva. O que, evidentemente, deixou a Ucrânia – que já sofre com o imperialismo de Putin, tendo perdido a Crimeia em 2013 e vivendo uma Guerra Civil na parte mais ao leste de seu país pela mesma razão – furiosa. O assunto é especialmente polêmico em solo ucraniano, uma vez que o país viveu sob o controle totalitarista soviético até 1991.
Assim, o Twitter oficial da Ucrânia decidiu responder à sociedade, enfurecida com a declaração de Putin, em sua primeira publicação na terça-feira, 30 de maio, de manhã. Com uma imagem, os ucranianos responderam a Putin e apontaram que Moscou sequer existia enquanto Ana vivia, e que, portanto, não fazia sentido chamar a princesa de russa.
“Quando a @Russia diz que Ana de Kiev estabeleceu as relações Rússia-França, lembremo-nos da sequência de eventos”, escreveu a Ucrânia. Incluído aqui embaixo, o tweet se trata da imagem, em cima, de Ana Jaroslavna, com o ano de sua coroação e uma legenda que relata seu reinado ao lado. Logo abaixo, é possível ver uma foto que retrata uma floresta, sem civilização, com a legenda: “Enquanto isso, em Moscou”. Assim — apontando para esse contraste — , os ucranianos pretendiam desmentir a versão russa.
A conta oficial da Rússia, quase que imediatamente em seguida, replicou, apontando que a Catedral de Santa Sofia foi construída na mesma época em Veliky Novogrod:
No século 11, a cidade — que mais tarde, se tornaria capital da República de Novgorod, anexada por Ivan III à Moscóvia em 1478 — era parte do território conhecido como Rus’ de Kiev, com a qual, como mencionado anteriormente, a Rússia, a Ucrânia e a Bielorrússia — cujas bandeiras foram incluídas no tweet — reivindicam links culturais e históricos. A ideia, além de apaziguar os ânimos através de um texto conciliador, era mostrar que, apesar de Moscou ainda não ser habitada, as raízes da Federação Russa já existiam. E Novgorod, de fato, é um dos Estados mais importantes para a formação do país — perdendo apenas para Moscóvia em grau de relevância nesse sentido.
A nova resposta da Ucrânia à Rússia nem precisa de muita explicação — a exasperação comunicada por um meme bem sucedido dos Simpsons é algo que os usuários de redes sociais, em pleno ano de 2017, conhecem bem.
“Você realmente não muda, não é?”, publicou a Ucrânia, junto com um GIF de “Os Simpsons”, no qual a Rússia volta novamente a ser União Soviética.
Essa engraçada disputa virtual entre ambas as nações parece, aparentemente, inofensiva. E talvez seja. Mas Ucânia e Rússia são dois países que estão em atrito constante desde 2014, quando a Crimeia foi integrada pelo Exército Russo. O fato de os dois países estarem em conflito no mundo virtual também, portanto, apenas reflete a situação vivida pelos vizinhos na "vida real". Contudo, quando esse confronto passa para a Internet, insere-se em um contexto totalmente novo. Afinal, como funcionam as Relações Exteriores pelo Twitter? É um cenário que ainda é novidade, mas ao que tudo indica, que será cada vez mais comum. Por isso, faz-se mister estudá-lo.
Nesse mundo em que o Twitter e as demais redes sociais desempenham um papel fundamental, a maior parte dos políticos já começaram a fazer uso do microblog. Entretanto, nenhum chegou ao ponto de Donald Trump, o novo presidente dos Estados Unidos, que transformou o Twitter em um eixo central de sua campanha rumo à presidência.
Trump chama a rede social baseada em textos de, no máximo, 140 caracteres, de "um jornal" dirigido por ele próprio. No entanto, muito mais do que apenas transmitir informação, o Twitter do presidente deixa que o público saiba o que ele está pensando de forma quase que instantânea, além de garantir a Trump uma ferramenta para dialogar com seus apoiadores, criticar seus oponentes, comunicar decisões, disseminar mentiras e até revelar os seus hábitos televisivos.
No primeiro mês em que Donald Trump passou todos os dias como presidente, fevereiro – já que ele assumiu apenas em 20 de janeiro –, foram 145 tweets. Esse índice chegou a ser até maior durante a sua campanha, quando revolucionou a forma de as realizar. Em vez de participar de comícios só de vez em quando, Trump também detinha um comício contínuo, ininterrupto, que acontecia através do Twitter o tempo inteiro. Ele enchia o estádio das redes diariamente. E, como presidente, poucas coisas mudaram nesse sentido.
Em março, foram 129 publicações, inclusive uma das mais emblemáticas e polêmicas de todas:
O presidente acusou, publicamente — para os seus mais de 30 milhões de seguidores no microblog — , o antecessor do cargo de gravar as suas conversas telefônicas. A fala continua, até hoje, sem ser sustentada por quaisquer tipos de evidências. Mesmo assim, a acusação repercutiu imensamente no noticiário e é tida como verdade para uma grande parcela da população estadunidense.
O problema contido nessa característica — a disseminação facilitada de notícias falsas — , tão particular da pós-verdade, torna-se um problema muito maior quando se trata do Presidente dos Estados Unidos, indubitavelmente o país mais poderoso do mundo, tanto economicamente quanto militarmente. Em novembro, por exemplo, Trump divulgou supostos índices de homicídios nos EUA, que teoricamente estariam aumentando, equivocados. Dizia ele que a imprensa não divulgava os números. Na ocasião, após uma grande repercussão negativa, foi-se admitido que as postagens e informações postadas no Twitter do presidente não passavam por fact-checking, ou seja, não tinham a sua veracidade verificada antes de publicadas.
Mas quando o secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, afirma que os tweets de Donald Trump devem ser vistos como “comunicados oficiais da Casa Branca”, a situação fica muito mais problemática. Bem como o fato de o presidente ter passado a bloquear pessoas no Twitter. E ele tem bloqueado muita gente: de Holly O’Reilly — cidadã americana desconhecida, que publicou um GIF de Trump com o Papa Francisco — a Stephen King, famoso autor de livros de terror.
O problema, mais uma vez, é que se trata do Presidente dos Estados Unidos. Ao bloquear pessoas que governa, Trump está a restringir o acesso destes aos seus tweets, bem como a impedir que cidadãos estadunidenses com ele interajam. O que, ao lembrarmos as falas de Sean Spicer de que o Twitter do presidente deve ser encarado como uma série de comunicados oficiais da Casa Branca, deixa a situação ainda mais preocupante do ponto de vista democrático.
Já que as pessoas tem a sua capacidade de comunicação com o governo restringida pelo fato de Trump as ter bloqueado, os Estados Unidos se viram dentro de uma discussão jurídica acerca da medida do presidente. Alguns juristas afirmam que a ação de Trump, pelo Twitter, poderia infringir a Primeira Emenda da Constituição:
“O Congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas”.
Para a CNN, a Knight First Ammendment Institute da Universidade Columbia, de Nova Iorque, deixou claro que processaria o presidente caso ele não revertesse os bloqueios virtuais. De acordo com eles, “a sua conta do Twitter é um fórum público designado, essencialmente pelas mesmas razões que determinam que as reuniões abertas do Conselho da Cidade e as reuniões do Conselho da Escola são”. Ou seja, basicamente, o argumento é que o Twitter do presidente também é um espaço público como qualquer outro, mesmo que na Internet.
Na presidência, Trump também usou o seu microblog para anunciar grandes medidas do seu governo, assim como decisões importantes, como renegociar os termos do NAFTA (bloco econômico que une EUA, Canadá e México) em vez de apenas abandonar o grupo.
O que todos esses acontecimentos ensinam é que as redes sociais – e a Internet como um todo – estão se tornando cada vez mais importantes para a política. E o acontecimento que envolveu Rússia e Ucrânia pelo Twitter aponta até mais longe: a diplomacia e todas as Relações Exteriores dos países, no futuro, podem ter rumos importantes sendo definidos no mundo virtual. Afinal, se o Twitter pode funcionar como um fórum público interno de uma nação — como argumentado pela organização da Unversidade de Columbia para os tweets de Trump — , o que impede que a rede, já transformada em palco de discussões internacionais entre países, assemelhe-se, no futuro, a fóruns internacionais públicos de discussão, como parte dos encontros das Nações Unidas?
O problema é que o Twitter, apesar de ser direto e permitir uma comunicação instantânea entre pessoas ou instituições, é limitado pela famosa restrição dos 140 caracteres. Como a política vai se adaptar a essa nova realidade, tanto no campo internacional quanto em relação aos assuntos interiores, ainda parece ser imprevisível. Contudo, uma coisa acho que todos podemos concordar: que o exemplo de Trump não seja seguido à risca. E que mais brigas sejam com GIFs de Simpsons, e não armas.