A representação do centro como bom candidato

Como a crença do centrismo é construída socialmente

Tarik Dias
Tribuna da Pluralidade
7 min readAug 24, 2018

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É chegado o tempo de eleições, e com ela novamente se afloram as discussões sobre a capacidade da população em escolher os seus representantes — e quais são os meios corretos para se definir o melhor candidato.

É em meio a essas discussões que devemos nos manter como oposição a todas as teorias que se propõem a definir o processo de decisão política como um ocorrência da ordem puramente racional. Ou seja, um processo puramente de conhecimento do objeto pelo sujeito. Podemos usar, para exemplificar esse processo, o economista Schumpeter. Em seu livro “Capitalismo, socialismo e democracia”, ele sugere um processo de democracia limitada, fazendo com que as paixões fossem deixadas de lado em troca da razão do processo eleitoral.

Contudo, a realidade social é muito diferente, ao invés do paradigma iluminista que observa o processo de conhecimento da realidade social como fruto de uma adoção do método racional. Ao estudarmos mais a fundo a questão, observamos que a realidade social é mais complexa do que as ideias postas.

Como percebia os estruturalistas franceses como Claude Lévi-Strauss, a realidade social é fruto de leis gerais que são ocultas aos indivíduos. Assim, chegamos a conclusão de que as questões midiáticas como a naturalização do "bom candidato", no fundo, se tratam de uma construção social efetuada por determinados agentes sociais. Ou seja, se trata de uma guerra travada pelos agentes sociais, onde exercendo sua violência simbólica, constroem paradigmas que condicionam as representações dos indivíduos em relação a tese do “bom candidato”

Assim, devemos descolar a discussão para os seguintes termos:

Como os indivíduos adquirem representações sociais que os fazem crer em qual seria o bom candidato?

Formulando a questão de outra maneira, é necessário entender que os agentes, no mundo social, se movimentam e agem a partir de estruturas simbólicas que são estranhas ao indivíduo. Desta maneira, trata-se de descobrir os agentes e quais são as formas de classificação que rondam o mundo social e são responsáveis por fazer com que os indivíduos atribuam sentido à realidade social, e aceitem ideias estranhas aos mesmos.

Uma vez que os sistemas simbólicos derivam suas estruturas da aplicação sistemática de um simples principum divisionis e podem assim organizar representação do mundo natural e social dividindo-o em classes antagônicas; uma vez que fornecem tanto o significado quanto um consenso em relação ao significado através da estrutura a preencher funções simultâneas de inclusão e exclusão, associação e dissociação, integração e distinção. Somente na medida em que tem como função lógica e gnosiológica a ordenação do mundo e a fixação de um consenso a seu respeito, é que a cultura dominante preenche a sua função- ideológica -isto é, política- de legitimar uma ordem arbitrária; em termos mais precisos, é porque enquanto uma estrutura estruturada ela reproduz sob a forma transfigurada, e portanto, irreconhecível, a estrutura das relações sócio- econômicas prevalecentes que, enquanto uma estrutura estruturante, a cultura produz uma representação do mundo social imediatamente ajustada à estrutura das relações sócio-economicas que, doravante, passam a ser percebidas como naturais, e destarte, passam a contribuir para a conservação simbólica das relações de jogo vigente”

Pierre Bourdieu

Para responder essa pergunta, devemos nos reportar às instituições e aos agentes detentores de capital cultural. Isso se deve pois os mesmos são os responsáveis pela produção de ideias e, portanto, símbolos responsáveis pela representação social do bom candidato. Deste modo, a mídia brasileira — e sua atuação — pode ser considerada o meio mais eficaz de produção simbólica para estudar a criação das representações coletivas na sociedade.

Um exemplo curioso para estudarmos é a criação midiática que se fez entre os candidatos, separando os mesmos entre esquerda, direita e centro. À primeira vista, temos a notar que esse tipo de classificação diz apenas ao mundo da ciência política e, portanto, nada tem a ver com o mundo social no sentido mais amplo. Contudo, as classificações esquerda, direita e centro, se tornaram meios de construção de atributos simbólicos, onde o indivíduo, sendo classificado em cada um dos grupos, é associado socialmente a características positivas ou negativas.

Assim, podemos afirmar que o centro ganha a posição simbólica associado a características como: virtuoso, calmo, racional, tolerante. Enquanto candidatos associados a esquerda e a direita são eternizados na posição de: degenerados, emocionais, guiados por paixões, intolerantes. Podemos então deduzir que a mídia, nesse sentido, atua como uma gestora dos bens simbólicos, onde ao se utilizar de classificações sociais como centro, direita e esquerda, organiza a representação do mundo baseado essencialmente entre na divisão racional e emotivo.

Concretamente, podemos ver essa gestão dos bens simbólicos feitas através dos candidatos Lula, Bolsonaro e Alckmin. Enquanto Lula e Bolsonaro são classificados como de esquerda e de direta, sendo ligados através do poder midiático a intolerância e a irracionalidade, candidatos como Alckmin, ao serem classificados como centro, são associados a características como a responsabilidade e ao diálogo.

Mais recentemente, o candidato João Doria externalizou essa forma de classificação com o seguinte comentário.

“ Será que teremos um Lula aqui na frente? Será que essa é a salvação do Brasil ? Ou será o Bolsonaro? Eu digo que não. Precisamos nos apoiar em pilares que possam transformar o Brasil e, para isso, as forças democráticas e de centro precisam estar unidas. Nesse sentido, contem comigo”.

Outro exemplo mais claro foram as eleições de 2014, onde através de uma campanha da veja, ficou-se claro como a estrutura razão/emoção é construída simbolicamente.

A partir dessa capa, temos a visão clara de que a repartição do mundo entre esquerda, direita e centro é uma forma de organização do mundo social, consagrando candidatos com características positivas e negativas. Cabe notar que, na época, a Marina não havia uma posição clara no espectro político, sendo por muitos considerada de esquerda. Contudo, atualmente, a mesma se apropria do da classificação centrista para se construir simbolicamente com características positivas.

Por último, podemos citar um exemplo recente no lançamento do Manifesto do Polo democrático, encabeçado por figuras como pessoas como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Nesse manifesto, fica-se claro o desprezo por posições “radicais” e que desviem do racionalidade centrista.

Tudo que o Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais intolerância, radicalismo e instabilidade. Para nos libertarmos dos fantasmas do passado, superarmos definitivamente a presente crise e descortinarmos novos horizontes é central a construção de um novo ambiente político que privilegie o diálogo, a serenidade, a experiência, a competência, o respeito à diversidade e o compromisso com o país”.

Ao comprovarmos centro, esquerda e direita são formas de classificações inconscientes que organizam as relações sociais, temos que nos debruçar sobre o significado interno das virtudes e desvirtudes associadas aos grupos.

No exemplo ilustrado acima a respeito do candidato Dória, temos um exemplo claro da associação do centrismo a determinadas posições políticas. Conhecendo a posição política do candidato Doria, conseguimos supor que tanto o ex-prefeito quanto a mídia constroem simbolicamente o centrismo associado com medidas de cunho neoliberal. Assim, se afirmamos que o programa neoliberal é associado a posição centrista e o mesmo é consagrado simbolicamente como “racional”, descobrimos então que os indivíduos, através dessas estruturas estruturadas simbolicamente por essas agentes sociais, exercem seu papel de estruturas estruturantes ao condicionar o eleitor e os seus indivíduos na representação coletiva do bom candidato.

Desta maneira, o programa neoliberal que se impõe ao Brasil não é uma construção puramente econômica e efetuada pelos agentes econômicos, mas sim uma construção efetuada por demais agentes sociais que normalizam o centrismo e o neoliberalismo como características positivas a serem valorizadas socialmente.

Cabe ressaltar ainda de que mais importantes do que as formas de classificação centro-esquerda-direita influenciarem a tendência de opção dos eleitores, esse tipo de oposição tem efeitos muito mais profundos do que o mesmo. Consequentemente, podemos associar o efeito estruturante desses esquemas de oposição na constituição de um habitus eleitoral, sendo assim, um “sistema de disposições para ação” constitutivas das práticas sociais, não se limitando a esfera consciente dos agentes. Ou seja, conseguimos observar como essas estruturas são responsáveis pela reprodução social da continuidade dos valores “centristas”, como legítimos e validados socialmente.

Um exemplo que exemplifica essa conclusão é a recente pesquisa feita pela fundação Perseu Abramo, onde demonstra que uma parte das classes mais baixas reproduz ideologias e práticas valorizando a meritocracia e desprezando políticas consideradas assistencialistas.

“A ascensão vem com trabalho e esforço. Os entrevistados sabem que as oportunidades são desiguais, mas não veem barreiras intransponíveis. Essa percepção é ainda maior entre os jovens.”

Por fim, concluímos que a desmistificação econômica das ideologias econômicas ligadas ao liberalismo não é o suficiente para a superação real dessas formas de organização social. Assim, se faz necessário entender a luta de classes a partir de sua perspectiva simbólica, onde os grupos dominantes se organizam para impor e reproduzir estruturas percepção correspondentes desses grupos para as demais sociedades.

Embora o centrismo tenha como origem ideias ligadas a socialdemocracia ou a “justa medida” entre o liberalismo e o socialismo, na disputa entre os dois grupos em relação a essa forma de classificação, os grupos liberais conseguiram se firmar na hierarquia simbólica superiores em relação aos grupos socialistas. Dessa forma, podemos observar o processo de disputa política dentro do campo do centrismo, onde a seguridade social, o direito, são dominados pela ortodoxia econômica que substitui o Welfare pela precarização, sendo vendido como responsabilidade fiscal.

Além disso, podemos abordar com esse texto como a elite brasileira é capaz de mobilizar seus recursos econômicos e culturais para a continuação das mesmas ideias em novas formas, ou seja, a mudança dos aspectos simbólicos é necessária para que tudo permaneça do jeito que está. Assim, se analisarmos a sociogênese do termo centrismo, observaremos que os grupos que no passado que expressavam as ideias facilmente identificadas àvdireita brasileira, efetuam um reposicionamento no campo social — passagem da classificação direita para o centro — o que lhes possibilita uma reconversão das estruturas classificatórias.

Assim, é de se notar que o poder simbólico demonstrado pelas elites brasileiras dentro do campo econômico. Desta forma, a desmistificação e o trabalho de superação desse habitus social é tarefa prioritária nessa guerra cultural travada pelos agentes. Afinal, pior do que um conservador, é um conservador que pensa ser progressista

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