Bispado da Guanabara

Fernando López
Tribuna da Pluralidade
5 min readJun 29, 2017

Faz quase sete meses que Crivella tomou posse da prefeitura do Rio de Janeiro. Neste curto tempo, ele conseguiu ser pior do que eu supunha.

No ano passado, nas eleições municipais, me vi obrigado a escolher entre duas opções que não me agradavam. No entanto, estava certo em quem votar. Havia duas razões para tal certeza: a primeira era quem estava do outro lado, o atual prefeito; a segunda se deve ao teor das críticas dirigidas a Marcelo Freixo.

Era totalmente previsível a forma como a administração de Crivella no cargo de prefeito seria: recheada de interesses particulares e da instituição religiosa de seu tio, Edir Macedo.

O segundo motivo era uma resposta às críticas que rodeavam o candidato do PSOL, como: “Vai destruir a economia do Rio”; “Ele apoia a Venezuela” e “Vai transformar o Rio em socialismo”. Apesar dos seus ideais político-econômicos serem diferentes, essas críticas não eram pertinentes. Em primeiro lugar, era inviável para Freixo seguir a linha do PSOL, uma vez que a composição da Câmara Municipal do Rio depois da eleições e os limites da competência de um prefeito — definidas por lei — inviabilizavam que a realidade idealizada pelos críticos se tornasse realidade. Dentre as competências do prefeito, estão o transporte público,a educação primária, a saúde da cidade, a Guarda Municipal, a infraestrutura, os projetos de interesse local e os impostos municipais.

Infelizmente, contudo, o senador do PRB saiu vitorioso. Digo infelizmente porque sua vitória se deve a alta rejeição ao deputado do PSOL por um temor infundado e a força arcaica da religião, ainda presente em nossa política.

Seu antecessor, Eduardo Paes (2008–2016), fez uma boa administração em seu mandato. De acordo com uma pesquisa coordenada pelo economista José Roberto R. Afonso da FGV sobre o governo de Paes, ao fim de 2016, o município do Rio de Janeiro se encontrava saudável financeiramente, com as contas em dia e com um certo conforto. Comparado a outras unidades federativas, o Rio se encontrava numa situação boa, cumprindo os principais limites e regras previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. O lentamento ainda avaliou como “bom” o aproveitamento dos investimentos privados e dos eventos esportivos, que realmente transformaram a cidade. Agências de rating também avaliaram como positiva a economia da cidade e o aproveitamento dos eventos aqui sediados.

Porém, não estou aqui para fazer propaganda do antigo prefeito, mas sim para elucidar como se encontrava a cidade ao ser herdada pelo Crivella. Essa herança era bem avaliada, com saúde financeira e as contas no azul. É imprescindível separar o que acontece em nível estadual e federal da situação do município. O Estado do Rio de Janeiro vive sua pior crise na história com uma administração horrorosa de Pezão; mas a cidade do Rio, como o pesquisador supracitado mesmo afirma, é um oásis em meio ao caos financeiro pelo qual passa o Brasil.

Apesar de boa situação econômica do município, ao tomar posse, o bispo licenciado afirmou que praticaria um governo de extrema austeridade e já anunciara cortes nas secretarias. Logo no começo, a escolha do secretariado foi altamente polêmica, porque além de não mostrarem coerência, eram altamente guiadas por interesses privados. Foram nomeados, por exemplo, um ex-guerrilheiro que antes era filiado ao PT e ao PSOL, enquanto também nomeou o fundador do BOPE, que era acusado de repressão policial para a Secretaria de Ordem Pública; o próprio filho de Crivella, para o cargo de secretário da Casa Civil do Rio, ato este que precisou ser impedido pelo STF por nepotismo; um médico que era conhecido por faltar sistematicamente e que era irmão do secretário afastado; a filha de Anthony Garotinho, sobre quem afirmava não ter relações e alianças, mesmo com a família envolvida em diversas polêmicas; um bispo da Igreja Universal, de seu tio, para o Instituto de Defesa do Consumidor; e até um morto, para a assessoria. Além da polêmica com os secretários, no dia de posse, Crivella fez vinte decretos que devia cumprir em um mês, e destes vinte, apenas 5 foram cumpridos.

Contudo, esse discurso auferido de austeridade se mostrou contraditório. Na campanha do ano passado, Crivella prometeu aumento dos gastos na saúde, pois a mesma estava sucateada. Todavia, ao mesmo tempo, um dos cortes feitos foi na saúde e na educação. Enquanto isso, os gastos com o gabinete do prefeito aumentaram em mais de seis vezes, subindo de 40 para cerca de 260 milhões. Além deste absurdo aumento, diversos secretários e cargos comissionados de Crivella recebem super salários e foram criadas, por ele, diversas superintendências que resultaram em um aumento do quadro de cargos públicos.

O que explicaria cortes em setores básicos por causa de uma suposta crise financeira municipal, mas o aumento em seis vezes dos gastos do gabinete do prefeito? É mais uma demonstração da velha política de propostas e frases vazias que Crivella representa, além de óbvios interesses particulares.

Interesses estes que podem ser novamente demonstrados pelo recente desvio de 22 milhões de reais da Secretaria de Conservação para a propaganda do governo. Fato este que aconteceu apenas uma semana antes das inundações que afetaram gravemente a cidade, incomum nesta época do ano, e que pode ser atribuída a este desvio, pois 60% do orçamento da Secretaria de Conservação foi redirecionado para propaganda. Esta secretaria é a responsável pela manutenção das ruas e praças públicas, além de operações especiais.

Agora, o prefeito do PRB quer reduzir os investimentos nas escolas de samba, mesmo após prometer focar em ampliar a indústria de turismo no Rio de Janeiro. Ele inclusive extinguiu a Secretaria de Turismo e foi o primeiro prefeito da história a não comparecer ao sambódromo no desfile das escolas de samba, algo simbolicamente terrível. Mesmo após negociações, a redução para as escolas foi confirmada. Ademais, Crivella confirmou também aumento no IPTU, que em geral, já é um dos maiores do Brasil.

Nas eleições municipais de 2016, Crivella ainda afirmou, após ser chamado de bispo, que estava licenciado. Porém, mesmo após essa afirmação, o prefeito viajou para a África do Sul para participar de um ato religioso da Igreja Universal como bispo. Recentemente, também, cantou e reverenciou o tio Edir Macedo no Congresso Nacional em comemoração à instituição religiosa do mesmo. Além desses dois casos, ainda há a nomeação, como já exposto aqui, de um bispo desta Igreja para o Instituto de Defesa do Consumidor. Mas podem se acalmar: ano passado, Anthony Garotinho afirmou que Crivella não confundiria sua função de prefeito com a de bispo.

Ironias à parte, o bispo-prefeito, em apenas sete meses, foi capaz de mostrar para o que veio: é mais um representante da velha política, apoiado por forças religiosas e que se guiará por interesses particulares acima do interesse público até o fim.

Com o bispo no poder, só nos resta rezar para que a Cidade Maravilhosa não sofra tanto assim até 2020.

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