Brasil: Um anão diplomático?

Uma análise crítica sobre a orientação da política externa brasileira no século XXI.

Fernando López
Tribuna da Pluralidade
8 min readApr 15, 2017

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Encontro do G20 em 2016 com Temer afastado dos demais representantes. Foto: G20

Quinta maior população do mundo, quinto maior território do mundo, entre as dez maiores economias, uma das maiores reservas de petróleo, diamantes, urânio, metais de terras raras, água e muito mais. Contudo, ficará até 2033, no mínimo, fora do mais importante corpo diplomático do mundo, e pior, por decisão própria.Será o maior tempo que o Brasil estará fora do Conselho de Segurança da ONU desde sua criação.

Há dez anos atrás, tínhamos um dos mais ambiciosos planos diplomáticos em nossa história. Adotávamos uma política independente, buscando união com outros países emergentes para assegurar seus respectivos espaços na política internacional. Além de expandir o corpo representativo do Brasil no exterior, com mais embaixadas e consulados, incluíamo-nos nas principais questões internacionais e buscávamos mudanças na ONU e no Conselho de Segurança para representar melhor o mundo multipolar em que vivemos. Uma posição louvável.

“(…) o Brasil terá uma política externa voltada para o desenvolvimento e para a paz, que buscará reduzir o hiato entre nações ricas e pobres, promover o respeito da igualdade entre os povos e a democratização efetiva do sistema internacional.” — Celso Amorim, discurso de posse 2003.

Uma representação diplomática é importante para, além de garantir os interesses — econômicos ou não — do país no exterior, assegurar a posição do Brasil como um país de grande destaque para o balanceamento internacional em diversas questões: econômicas, ambientais, sociais, tecnológicas e outras. Portanto, buscar a diplomacia com outros países é muito importante para o desenvolvimento interno e do mundo como um todo.

Entretanto, nos últimos sete anos, seguimos o caminho inverso do desejável. Todo aquele plano de elevar a importância do Brasil no cenário internacional foi por água abaixo. O corpo diplomático reduziu-se, o Brasil se distanciou das questões mundiais e voltou a se abster de embates importantes, e, consequentemente, nossa influência diminuiu, levando junto as expectativas de ampliar nossa relevância.

Um sonho em pauta

Países com representações brasileiras. Fonte: Wikipédia

Entre 2006 e 2010, o Brasil criou muitas novas embaixadas, principalmente na África e na América, chegando a admitir, por ano, mais de 100 vagas para diplomacia, demonstrando a expansão desse corpo. Atualmente, temos embaixadas em todos países da América, superando inclusive os EUA, e no mundo a representação brasileira alcança 139 nações, quarenta delas no período de 2002 a 2010. Além da necessidade de ter uma larga rede diplomática para pleitear uma mudança no Conselho de Segurança, é importante para expandir a influência brasileira. Esse crescimento também nos trás mais relações comerciais e culturais.

Soldado brasileiro na missão do Haiti (MINUSTAH) ; UN Photo/Logan Abassi

Em 2004, deu-se início à missão de paz da ONU no Haiti (MINUSTAH), buscando estabilizar o território, que sofria de extrema violência política. Essa missão foi um marco na atuação do Brasil no exterior, pois foi escolhido como país para liderar tal missão. Após 13 anos de sua criação, foi anunciado essa semana que essa missão tem data para seu fim, 15 de Outubro de 2017. O sucesso dessa atuação longa trouxe reconhecimento internacional à capacidade brasileira de liderar e contribuir, assim como demonstrou que as missões de paz da ONU são uma alternativa que podem resultar frutos positivos.

O início deste século foi também uma mudança de rumos extraordinário na história. Pela primeira vez se falava em um grupo de países, dotados de crescente importância, que se juntavam para criar uma autonomia do antigo eixo econômico e garantir seu espaço e interesse. Esse grupo é o BRICS, que foi, na segunda metade daquela década, prioridade na orientação externa brasileira, com uma rápida e intensa aproximação. Além desse, para reiterar essa independência e atuação própria do Brasil, houve uma forte aproximação da América do Sul — com a UNASUL e Mercosul — e da África. Outro grupo interessante é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que contribui para uma integração cultural entre os integrantes e que tem planos de se expandir além dos países lusófonos, criando outra base para a atuação brasileira.

Fomos indispensáveis em diálogos com o Irã sobre o acordo nuclear. Em 2010, conjuntamente à Turquia, providenciamos um acordo, algo que as potências ocidentais não conseguiram. Contudo, tal acordo não foi levado adiante justamente pela política de sanções do ocidente. Tomamos partido, também, no conflito entre Israel e a Autoridade Palestina, incentivando o diálogo e reconhecendo a Palestina, abrindo uma embaixada nela.

Propomos diversas reformas no Conselho de Segurança que incluíam nossa permanência, além da inclusão de outros. Portanto, o Brasil tinha um plano claro traçado de aumentar sua influência pelo globo e exercê-la de modo efetivo e positivo tanto para nosso país quanto para o mundo.

Estagnação e um passo para trás

Todavia, desde 2010 — com a mudança para o governo Dilma — a política externa foi posta em segundo plano. Essa expansão cessou-se, com o número de vagas, por ano, à carreira diplomática reduzindo-se a em média 25. Muitas embaixadas, principalmente as novas, foram sucateadas e negligenciadas. A aproximação entre esses grupos alternativos — BRICS e UNASUL — esfriou. Chegamos a ser chamados de anões diplomáticos por Israel. Optou-se por associações duvidosas, como com a Venezuela ,incluída no Mercosul. Agora, além de ter um plano de diminuir as missões diplomáticas do Brasil, não apresentou-se a candidatura do Brasil para o Conselho de Segurança, o que nos deixará fora até 2033, maior tempo de ausência brasileira. Para quem tinha como alvo tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança, são passos para trás.

As decisões tomadas não foram nem eficientes, nem conseguiram garantir os interesses brasileiros. Ao retirar o embaixador de Israel, em 2014, protestando contra os ataques a Gaza, recebemos duras críticas por parte dos israelenses. A atitude pode ter sido certa, mas a resposta demonstrou a visão que muitos têm do Brasil e a diminuição da importância brasileira no Oriente Médio, onde já foi mais ativo.

“Essa é uma infeliz demonstração de porque o Brasil, um gigante econômico e cultural, se mantém um anão diplomático.” — Palmor, Porta-voz da chancelaria de Israel

Realmente, o país enfrenta uma grave crise econômica, uma das piores de sua história, e as representações brasileiras no exterior têm um certo custo, mas que não chega a ser tão elevado. No final do ano passado, iniciou-se um estudo com planos de fechar embaixadas abertas naquele período de expansão. Contudo, há outras medidas possíveis de ampliar a eficácia dessas representações, sem suas extinções, como se propõe. Um exemplo é dividir custos com outras representações, pois a crise é algo passageiro, podendo reaver esses investimentos após a superação desta, enquanto a construção de uma relação diplomática é algo longo e que deve ser construído com o tempo. Por isso, o cancelamento desta acarretará mais prejuízos.

A escolha de intensificar as relações com a Venezuela, já em 2012 quando foi admitida no Mercosul, era questionável. O desenvolvimento da política no país se mostrava negativa e altamente instável. Hoje, vemos resquícios de um Estado na região, onde a população já vive em situação anômica.

Atualmente — após a deposição de Dilma mais precisamente — acabou de vez a política externa do governo petista, que havia iniciado muito bem na era Lula, mas se perdido no mandato da última presidente.

De início, muitas relações foram abaladas pela contraposição ao processo político interno, principalmente com aqueles países latino-americanos e africanos com quem o Brasil investiu. O atual mandante Michel Temer parece ter mais preocupações com a situação interna brasileira, o que é compreensível. Porém, já é possível enxergar a mudança do rumo brasileiro, com o desligamento total com a Venezuela e uma política mais pró-estadunidense. A princípio, essa política retorna à situação antiga, de se manter como um país secundário, mantendo-se atrás dos EUA. Todavia, houve respostas rápidas à situação mundial, como o encontro com integrantes da TPP na América para abrir negociações com a Mercosul.

Oportunidade dourada

Presidente americano Donald Trump ao lado da primeira ministra britânica Theresa May

A conjuntura internacional atual é totalmente favorável àquele plano que traçamos em 2003. Há uma onda de populismo nacionalista nos países desenvolvidos, como nos EUA e no Reino Unido, que está os isolando do mundo, um movimento reacionário à globalização. Recentemente, vimos a saída dos norte-americanos da TPP (Parceria Trans-Pacífica), que garantia uma preponderância da economia americana no Pacífico, e a vontade de se afastar do NAFTA. Esse bloco econômico desfalcado pelos americanos garantia uma vantagem do seu mercado sobre o chinês, é muito provável que agora a China ganhe muito terreno no comércio sobre aquele Oceano, que conta com importantes centros como Austrália, México, Japão e Cingapura. Além dos yankees, houve a histórica decisão de saída dos britânicos da União Europeia. Com o isolamento político e econômico desses países, e a ameaça de outros como com a possível eleição da Le Pen na França, deixa algumas nações à deriva. São esses países que o Brasil deve ir atrás, como México, Chile e Peru — abandonados pelos EUA quando este saiu da TPP— e a União Europeia, que pode estar mais receptiva a acordos, como a pretensiosa aproximação Mercosul-UE. Os continentes asiático e africano — que têm países muito dependentes de investimento dessas nações que agora se isolam — podem ser uma importante área de atuação brasileira também e são, inclusive, investimentos que podem trazer frutos futuros para o Brasil. Ademais, os antigos projetos de integração com UNASUL e BRICS também contribuirão ao re-ordenamento internacional e encontram um momento propício para maior integração atualmente.

Chile e Peru, principalmente o primeiro, sempre se mantiveram afastados da economia sul-americana, mantendo-se virados ao mercado pacífico. Porém, com a recente recuada estadunidense, esses países podem reconsiderar aproximar-se ao Brasil e a Mercosul. O México, que também participa do acordo trans-pacífico e ainda faz parte da NAFTA, que corre perigo, necessita rever seus parceiros, abrindo espaço também para o Brasil.

Na União Europeia, a saída do Reino Unido retira um importante mercado e do bloco. Ademais, considerando o encaminhamento dessa saída, os ventos podem ser ainda mais favoráveis ao Brasil. Muitos dos países europeus têm uma atitude agressiva quanto à retirada britânica, tornando-os duros nesta negociação dos acordos com os ingleses. Portanto, criando mais necessidade na busca de outro parceiro econômico.

Além desses, muitos outros países dependiam da liderança norte-americana para resolver questões diplomáticas, ademais das econômicas. Com o novo presidente americano, que tem posturas ortodoxas, intransigentes e irracionais, depender deste é um risco. Por isso, o Brasil pode substituir essa liderança em certas questões, como fez em 2010 com o Irã.

Uma outra importante instituição, criada pelos membros do BRICS, é o NDB (New Development Bank). Esse banco visa, a longo prazo, competir com as instituições mundiais já existentes — FMI e Banco Mundial — que são altamente influenciadas pelos países desenvolvidos. Novamente, o momento é interessante para o desenvolvimento desse banco, que objetiva equiparar a importância dos emergentes frente os desenvolvidos.

Parafraseando Maquiavel, devemos agir de acordo com os tempos, e estes abrem espaço para a ascensão do Brasil no cenário global. Porém, é preciso revitalizar a política externa da era Lula com o grande chanceler que foi Celso Amorim, que buscava essa promoção. Concluindo, por todas qualidades que tem, o Brasil possuí um potencial imenso, que não é estimulado no momento — como já foi. Somos um anão comparado à nossa capacidade.

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