Fantasmas do passado

Fernando López
Tribuna da Pluralidade
3 min readAug 18, 2017

A razão é a ferramenta pela qual nós decidimos diariamente a melhor escolha, estas que calcam nossa vida. Mesmo com toda vanglória de ter assegurada a racionalidade, precisamos calcular todas nossas ações e, mais complexo ainda, formular uma ideologia — um grupo de ideias e princípios que guiam nossas escolhas e o uso da razão. Por mais que não pareça, o simples ato de refletir é complicado, pois necessita de tempo para adquirir informações, conhecimento, debater e, enfim, concluir. Assim, muitos preterem esses passos, ficando com uma bagagem vazia e senso crítico nulo. Há diversos motivos que podem explicar este fenômeno que ocorre neste século, como atribuir à internet, à desvalorização da política e assim vai. Uma mente já é muito poderosa, com mentes vazias mais ainda, pois essas facilmente assimilarão qualquer ideologia que os prometa uma explicação simples para os seus problemas e uma solução prática. Com isso, discursos populistas típicos ganham força, porém podem ser mais nocivos ainda se alvejarem minorias.

Grupos de extrema-direita americana marchando em Charlottesville; Foto de Chip Somodevilla/Getty Images

O século XX foi um turbilhão de mudanças que diferenciou demais o mundo que entrou neste período e o que saiu. Essas alterações não vieram sem luta, desde guerras mundiais a protestos em massa. Já na segunda metade do século XIX, o jurista Ihering afirmava que o direito é resultado da luta dos indivíduos e povos pelo ideal de justiça e manuntenção dela. Apesar de dogmático, sendo na minha visão a luta um importante fator no progresso mas não único, este autor é o que pode melhor explicar o panorama da situação. Por isto olhamos hoje ao início do século passado e observamos diversos fatos que nos aparentam absurdos nos dias de hoje. Imaginar que até a década de 60 no Brasil a mulher era considerada, pela ótica do Código Civil de 1916, relativamente incapaz ao se casar, atribuindo ao marido a competência de autorizar ou não atividades civis a elas, é estranho, principalmente por ser tão recente historicamente. Contudo, apesar do pouco tempo que faz destas lutas e conquistas, a ignorância se mostra mais uma vez letal à sociedade.

“A vida do direito é uma luta: luta dos povos, dos Estados, das classes, dos indivíduos” — Rudolf von Ihering

Como já dito, estamos num período em que multidões abdicam da reflexão, da busca pelo conhecimento, pela valorização da história e várias outras áreas imprescindíveis para a construção do senso crítico. Assim vemos casos recorrentes de racismo, preconceito e mais recentemente, com itensa divulgação, neo-nazistas e supremacistas protestando e vociferando barbáries. No caso americano é ainda pior, pois apesar do grande leque de exemplos que aquele povo tem de lutas na história, o atual líder tenta minimizar o fato, até usando um pífio argumento de que nem todos ali eram nazistas ou supremacistas — mesmo que houvesse, já seria condenável estar entre bandeiras nazistas e gritos racistas. No Brasil isto ainda caiu numa estúpida discussão, que nem deveria existir, de onde o nazismo se encontra no “espectro político”, representado por direita e esquerda — dicotomia extremamente superficial. Ademais, esses grupos são geralmente amparados pela liberdade de expressão, estando em sua pura liberdade de expressar-se. Todavia, é urgente que isso seja desmentido, pois tais grupos não estão se expressando com opiniões ou lutando por direitos, estão cometendo crimes graves contra a pessoa humana. Todos neste mundo têm ancestrais que já, de alguma forma, foram uma minoria e/ou eram reprimidos, muitos ainda são e sofrem com este tipo de crime. Não podemos colocar transgressões contra a dignidade e vida do indivíduo sob a égide de um princípio tão nobre como a liberdade de expressão, que deve estar em favor da humanidade.

Faço este pequeno texto não apenas para me pronunciar diante da expansão da intolerância e de ideologias repugnantes, mas para repudiar esses atos, pois necessita-se também de luta para manter direitos conquistados, e honrar os milhares de heróis que dedicaram suas vidas para conquistar os diversos direitos que hoje existem e tornam o mundo um lugar mais justo, como nunca antes na história. Ainda nas palavras de Ihering:

Contra-protesto em defesa da tolerância; Foto de Samuel Corum/Anadolu Agency/Getty Images

“A luta que exige o direito para desabrochar não é uma fatalidade mas uma graça”

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