MBL e a “nova direita”

A concepção política dos novos movimentos sociais

Tarik Dias
Tribuna da Pluralidade
8 min readDec 27, 2017

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Devido às mudanças recentes que aconteceram na história do país desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a subida de uma “nova direita” brasileira ao poder, podemos observar mudanças estruturais na atuação dos movimentos sociais e suas respectivas pautas políticas.

Um exemplo dessa mudança é o surgimento de movimentos sociais como os “Movimentos Brasil Livre” que, devido as suas novas concepções sociais e por seu caráter de liderança nos processos recentes de mudança no país, se tornou o movimento fundamental para entender as concepções de mundo dessa nova direita.

Essa empreitada se faz necessária, pois a simples dicotomia entre esquerda e direita — simbolizando o socialismo e o liberalismo na modernidade — acabam por perder sua capacidade de representar a realidade. Isso se deve, pois como sugerimos inicialmente no texto, se tratar de uma “nova direita” — sendo assim, os novos movimentos não se restringem à mera cópia do passado liberal, e sim a uma reinvenção do que seria a direita.

Um exemplo concreto que pode ser observado é a intitulação desses movimentos como “libertários”, mas que ao mesmo tempo possuem uma visão conservadora da realidade. Dessa forma, o aparente paradoxo se concilia em sua nova perspectiva de mundo.

Primeiramente, ao observarmos o “Movimento Brasil Livre", percebemos que o mesmo possui sua influencias em movimentos neoliberais internacionais, como por exemplo, o grupo “Estudantes pela liberdade”. Assim, o grupo importa todas as influências econômicas e politicas do neoliberalismo, e portanto, no campo teórico teremos a parafreasação contínua de autores como Ludwig Von Misses, Friedrich Hayek e Milton Friedman.

Ao observamos o movimento e suas influências, é notável que diferentemente dos autores naturalistas como Adam Smith, o novo grupo toma o neoliberalismo como um projeto a ser adotado. Dessa forma, a concepção liberal do mundo deixa de se tornar o fim para cumprir a função de método para transformação da realidade. É necessário que se enfatize esse aspecto, pois diferentemente da maioria das opiniões a respeito sobre o que seria o neoliberalismo, nossa intenção é ilustrar que não se trata apenas de mecanismos que procuram revelar a “verdade” do mercado, se utilizando de uma desregulamentação da maquina pública e uma maior espoliação sobre a classe trabalhadora. Como bem observou Marx:

“ Na história real, como se sabe, o papel principal é desempenhado pela conquista, a subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a violência”

Contudo, não devemos nos contentar com uma análise que enxergue no neoliberalismo apenas pelo seu caráter repressivo; deve-se além do mesmo identificar a capacidade produtiva do sistema neoliberal e, com isso, identificar as técnicas de poder que concebem novas subjetividades.

Tendo essa visão, começamos a compreender as atitudes do MBL frente a espaços de convencimento público, como por exemplo, universidades e exposições de arte. Afinal, em oposição ao liberalismo clássico — onde o poder é exercido apenas através do poder soberano, isto é, uma relação jurídica. No neoliberalismo, o poder se faz presente nas mais diversas áreas, controlando e normalizando todas as atitudes dos indivíduos.

Porém, diferentemente dos tempos de guerra fria — onde os ataques da direita se davam predominantemente contra as concepções socialistas de mundo — , a esquerda nos dias de hoje não é caracterizada pelas mesmas posições. Com o fim do socialismo real, a mesma ficou conhecida pelo abandono da noção de classe e a adoção do termo identidade. Consequentemente, as lutas desses setores tiveram como desvio a defesa dos grupos vistos como minoritários, como por exemplo o movimento LGBTQ, o movimento negro e movimentos feministas.

Como consequência dessa mudança, o relativismo passa a fazer parte fundamental dos movimentos identitários, e é nesse contexto que o vocabulário como “lugar de fala “ passa a ser usado com frequência.

Se no início do texto começamos por afirmar que a nova direita era caracterizada pelo uso do termo libertário e, com isso, a defesa das “liberdades individuais,” percebemos que embora defendam a liberdade individual, devemos caracterizar esse individuo com "I" maiúsculo. Desse modo, o MBL consegue articular uma posição quase que paradoxal, onde de um lado defendem a “liberdade individual”, mas por outro centram essa categoria em uma totalização específica. Em decorrência disso, concebem um tipo especifico de individuo, deslocando todos aqueles que não se encaixam na categoria do “Outro”.

Ao compreendermos que o MBL não defende a liberdade individual em sua generalidade — ou seja, na manifestação de todos os grupos sociais expressando suas singularidades — o MBL concebe um tipo específico de sujeito onde todos os outros grupos serão coagidos a se comportar perante essa totalização.

Mas a simples análise dessa dicotomia entre o “normal” e o outro não se faz suficiente; é necessário que se especifique qual o sujeito que está sendo caracterizado como positivo. Assim, através de novas maneiras de se exercer o poder, o grupo MBL luta para que os mesmos sejam aplicados e que desses aparelhos possibilitem a aparição do sujeito empresarial ser introduzido à sociedade Brasileira.

Essa tese pode ser facilmente comprovada ao observar as propostas do grupo em relação à educação:

“Gestão privada de escolas públicas através de Organizações Sociais e Parcerias Público-Privadas”

“Promover a competição entre escolas públicas usando métricas como o exame PISA, fazendo parcerias com a iniciativa privada para premiações”

Podemos observar pelo primeiro ponto como se origina esse sujeito empresarial, onde através da imposição das gestões privadas sobre o público, a escola pública dá origem a uma forma de racionalidade prática, onde o espaço da cidadania não teria seu espaço. Visto isso, temos aqui mais um exemplo da junção do liberalismo ao pensamento conservador, onde a família é a única instituição com sua função cultural- educadora.

No segundo ponto vemos aqui que o sujeito empresarial não está divorciado do individuo alinhado à concorrência, onde desde sua infância deve se auto treinar para se manter no jogo do mercado.

O último ponto onde não se tem dificuldade de observar o surgimento desse individuo –é a defesa do programa “ Escola sem Partido”: “Apresentação do Projeto de Lei “Escola sem Partido” em legislativos estaduais e municipais”

Ao analisar o programa do MBL, obtemos a confirmação das influencias demonstradas pelo grupo. Diferentemente do que muitos autores observam, o MBL não se encaixa em um movimento saudosista liberal, onde a busca pelo laissez-faire é o objetivo principal. Na observação do movimento, temos a conclusão que o grupo “Movimento Brasil Livre” se posiciona como um movimento totalmente de cunho neoliberal, onde mais importante do que a simples redução do Estado, é necessário que se implemente uma nova racionalidade, onde se configurarão meios para que se propicie o surgimento do sujeito flexível.

Os exemplos acima, além de mostrar empiricamente os objetivos do Movimento Brasil Livre, nos permitem traçar as mudanças na racionalidade trazidas pelo grupo. Para isso, podemos utilizar o livro de Pierre Dardot e Cristian Laval.

“O homem benthamiano era o homem calculador do mercado e o homem produtivo das organizações industriais. O homem neoliberal é o homem competitivo, inteiramente imerso na competição mundial.”

Dessa forma, podemos afirmar que identificar nas pautas dos movimentos da nova direita a simples redução ou o aumento da participação governamental é se distanciar dos processos de reorganização produtiva que são propagadas recentemente. Assim, o fetiche da oposição "mais Estado/menos Estado" não é capaz de apreender a essência das pautas neoliberais e, portanto, da nova direita. Sendo necessário que se identifique no movimento representado pelo MBL uma nova técnica de gestão que se efetua em uma relação sujeito-objeto, onde dispositivos de controle normalizam o indivíduo.

Como consequência da aplicação dessa nova racionalidade, nos dias atuais presenciamos não só uma tomada dos discursos propagados pela nova direita nos campos da produção. Esse saber-poder exercido é caracterizado por repensar todas as estruturas sociais, da educação até aos espaços democráticos. Assim, nos dias de hoje, é notável um esvaziamento da democracia liberal e a colonização da mesma pelo discurso tecnocrático, onde cada vez mais os campos sociais são retirados do poder popular para que autonomizem da sociedade. Se trata de uma nova forma de governar os discursos, onde os mesmos são controlados pelo poder e sujeitando o mesmo a análise são postos em estado de consagração ou isolamento. O caso mais claro de ser observável é a sacralização do discurso do técnico, onde o mesmo ganha distinção da “massa inculta” e consequentemente legitimidade para executar sua gestão.

Após comprovarmos que na lógica binaria utilizada pelo MBL, já identificamos que todos que se posicionam no campo do “outro” — ou seja, fora do sujeito flexível-tradicional — devem necessariamente sofrer coerção pela lógica demonstrada acima.

Dessa forma, os ataques do grupo — por exemplo, contra a exposição de arte "Queermuseu" e outras — demonstra a reprodução desse comportamento, onde o diferente não deve ser entendido em sua lógica própria, mas sim sofrer sanção para que seja normalizado.

Essa prática, onde se coloca o campo artístico na zona do profano, é feita através de técnicas de gestão aplicadas pelo respectivo grupo. Por exemplo, utilizar o saber administrativo ao dizer que a experiência artística constitui um comportamento anti-produtivo, até mesmo o uso de conhecimentos médicos e psiquiátricos para conseguir marginalizar as experiências estéticas utilizadas pelos artistas e outro movimentos sociais, como ocorrido recentemente no museu do MAM.

“Você sabe também que a participação de diversos especialistas, inclusive médicos disseram, é completamente prejudicial parar o desenvolvimento e o crescimento de crianças que podem ter a cabeça completamente confundida participando de ações como essa."

Esse tipo de argumentação lembra muito a utilização de regimes de saber como a psiquiatria no passado, onde o uso do mesmo foi utilizado para o tratamento desde “vagabundos a homossexuais”. Só que, diferentemente do passado, o campo do “normal” e do “patológico” se alteraram.

Obs : Cabe ressaltar que a intenção não é impor um relativismo total, mas simplesmente desconstruir o capital científico dos discursos utilizados pelo MBL.

Como conclusão, entendemos que o MBL possui um caráter duplo, onde por um lado reproduz uma mentalidade conservadora — ao se posicionar contra as pautas indentitárias e ao mesmo tempo aplicando os dispositivos analisados acima — e por outro implementa uma subjetivação vista como sujeito-empresa. Dessa forma, ao observarmos as ações desse movimento, não podemos nos enganar ao pressupor que esses fenômenos aparecem enquanto tipos puros, e sim ao todo tempo mesclados na realidade, onde conservadorismo e neoliberalismo se complementam.Além disso, é necessário apontar fatores que expliquem a tomada de força dos movimentos de direita no Brasil.

A explicação mais clássica é a insatisfação de parte da população (em especial a classe média) com os governos do PT. Porém, minha hipótese é que a mera insatisfação não é capaz de explicar a proporção do movimento. Devemos alinhar, junto com a insatisfação do governo petista com seu “reformismo fraco”, a falta de capacidade dos movimentos de esquerda de articularem soluções que se contrapõem à ilusão neoliberal.

Um exemplo desse fracasso é a exclusão do campo progressista em relação às necessidades urgentes da classe trabalhadora. Enquanto a esquerda se “guetiou” em campos específicos como a arte e a cultura, movimentos como MBL começam a falar diretamente para as massas e instigando o ódio aos campos acadêmicos e culturais.

Dessa forma, voltar a pensar nas articulações entre intelectuais e a massa se mostra como importância vital na tomada de espaço pelos movimentos de esquerda. A ausência dessa estratégia se deu pois os grupos progressistas se acostumaram a conceber o campo da cultura como fruição, assim dando espaços a dualidades como, “miséria do corpo” e “beleza da alma”.

Consequentemente, deslegitimar o campo da cultura como espaço de realização individual somente e apreendê-lo alinhado ao seu processo real, ou seja, onde as contradições do real são suprimidas e substituídas por seu caráter ideológico é fundamental para a superação da “falsa consciência” proclamada por grupos como o MBL.

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