O que faria o Brasil numa guerra nuclear?

Inês Lopa
Tribuna da Pluralidade
8 min readJan 8, 2018

A celebração da chegada do novo ano foi um marco no mundo inteiro. Não seria diferente para o país do líder Kim Jong Un, que iniciou seu 2018 ameaçando novamente os Estados Unidos. Segundo seu discurso, existe um botão nuclear em sua mesa pronto para ser disparado quando sua vontade mandar.

Essa foi a última notícia que tivemos sobre a Coreia do Norte desde que os ânimos se acirraram em relação a possibilidade de uma guerra nuclear. Em 2017, o ditador norte-coreano testou uma bomba de hidrogênio, cuja capacidade destrutiva pode ser de centenas a milhares de vezes maior do que a histórica bomba atômica. Junto disso, declarou que o artefato pode ser acoplado em um míssil de alcance intercontinental, podendo atingir os Estados Unidos. A atitude, como o esperado, elevou o nível de tensão entre os dois países e fez o mundo especular uma possível Terceira Guerra Mundial.

Para entender as estruturas do que ocorre atualmente no conflito nuclear e qual seria o posicionamento do Brasil no caso de eclosão do mesmo, devemos revisar a história que deu origem ao modelo político da Coreia do Norte, o motivo de tantas ameaças e incertezas em relação a uma guerra que poderia mudar o rumo da humanidade e o histórico nuclear do Brasil. Comecemos do início:

  1. A Guerra da Coreia:

Quando a Guerra Fria dividiu o mundo em duas zonas de influência (gerando a bipartição mundial em capitalismo e socialismo), a Península Coreana se dividiu: do lado da URSS, originou-se a Coreia do Norte e do lado dos EUA, surgiu a Coreia do Sul. Mais tarde, em 1950, a Coreia do Norte invadiu a Coreia do Sul, deflagrando a Guerra das Coreias, tendo trégua assinada somente em 1953. Ainda assim, tecnicamente, as Coreias continuam em guerra, uma vez que nenhum acordo de paz foi assinado.

2. O regime norte-coreano:

Nascendo aliada ao antigo bloco socialista, a Coreia do Norte permanece com o regime de um país comunista de partido único sob controle de uma mesma dinastia desde 1948. Trata-se da dinastia Kim, responsável por grande parte do atraso econômico, social e político da nação.

Seguindo os preceitos de seu pai, Kim Jong Un se utiliza de uma ditadura típica: sem liberdade de imprensa e direitos civis. Com isso, o regime é acusado pelo Comitê dos Direitos Humanos da ONU de promover assassinatos, tortura, escravidão e prisões abusivas. As acusações e retaliações da Organização das Nações Unidas fomentam a crise de ego do ditador e o estimula a militarizar cada vez mais o seu país.

3. O programa nuclear:

Com o fim da União Soviética, a Coreia do Norte perdeu seu apoio financeiro e passou a depender da ajuda de seus rivais — EUA, Japão e Coreia do Sul. Com a tentativa das potências ocidentais de reunificar as Coreias, o lado norte-coreano se sentiu ameaçado e iniciou um programa nuclear, por acreditar que a posse de armas atômicas seria capaz de dissuadir qualquer ação para derrubar o governo.

Em 2006, o país realizou seu primeiro teste de sucesso com uma bomba atômica. Desde então, o Ocidente tenta convencer Kim Jong Un a abandonar suas ambições nucleares. Nas poucas vezes em que as negociações resultaram em acordo, o regime norte-coreano rompeu o compromisso e deu continuidade ao seu projeto.

Desfile militar na Coreia do Norte.

4. A crise atual:

Há pouco tempo, os Estados Unidos estavam conseguindo lidar com a ameaça norte-coreana de forma diplomática, impondo sanções na tentativa de sufocar a economia e forçar a desistência do líder Kim Jong Un. Entretanto, mediante a pressão, o mesmo responde com maiores ameaças de novos testes e diz-se pronto para entrar em guerra. A crise que vemos hoje começou com a intensificação da atividade militar da Coreia do Norte e da disposição de Donald Trump a não tolerar provocações norte-coreanas.

Entretanto, para especialistas, a guerra nuclear segue o padrão da frase de Raymond Aron sobre a Guerra Fria: “Guerra improvável, paz impossível”. Dentre os motivos para a incredulidade no conflito está o fato de que ninguém deseja uma guerra, uma vez que o principal objetivo da península coreana é a sobrevivência — e um conflito com os norte-americanos poderia comprometer isso. Além disso, o isolamento do regime ditatorial e o caráter secreto do programa nuclear da Coreia do Norte retira a possibilidade de estimar o arsenal que o país dispõe para o ataque. Especula-se que ultrapassam o número de mil mísseis de diferentes alcances.

Um país que desempenha papel fundamental nesta crise é a China, principal aliada dos norte-coreanos, que procura convencer os dois lados a não elevar a tensão. Seu interesse em manter seu vizinho longe de um conflito é que, caso haja um colapso da Coreia do Norte, a sua futura unificação com a Coreia do Sul fortaleceria a influência norte-americana em local próximo de sua fronteira. Ainda mais, uma guerra provocaria um movimento de refugiados em direção ao território chinês, algo evitado pelo governo de Pequim.

Com dois líderes mais apegados às palavras do que às ações, mas com atitudes imprevisíveis, as diferentes nações tendem a especular a eclosão de uma guerra. Por consequência, os países escolhem o lado que desejam apoiar levando em conta a proximidade política, econômica e territorial. Igualmente, tem de fazer o Brasil. Entretanto, não há divulgação de tal posicionamento, o que nos leva a questionar: o que faria o Brasil no caso de uma guerra nuclear?

Como dito anteriormente, precisamos agora realizar um panorama do programa nuclear brasileiro.

O presidente estadunidense Franklin Roosevelt, em 1942, tomou conhecimento do projeto nuclear alemão e iniciou o Projeto Manhattan, que tinha o objetivo de desenvolver a bomba atômica.

Por que estamos falando deste projeto? Simples.

Esse foi o primeiro grande marco do envolvimento do Brasil com a energia atômica, uma vez que, a partir de 1945, o país passou a fornecer minério de urânio para o desenvolvimento do Projeto Manhattan. A relação entre energia nuclear e Brasil nasce dos Estados Unidos e marca o desenvolvimento do setor até os dias atuais.

Com a criação do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), nasce o programa nuclear brasileiro em 1956, objetivando o desenvolvimento de técnicas, pesquisas e conhecimento em energia nuclear. Desse modo, o nosso envolvimento com o domínio atômico foi apresentado ao povo brasileiro como modo de promoção do desenvolvimento econômico, científico e tecnológico do país. Com tentativas de expansão desde os anos de 1930 nas terras brasileiras, agora ocorria o boom no setor nuclear em razão de defesa e poderio científico.

Verdadeiramente, a energia nuclear cumpriu seu papel inicial: as Forças Armadas foram atraídas pela garantia de segurança nacional; as indústrias e técnicos almejavam a construção de usinas nucleares para solucionar o racionamento de energia elétrica e os cientistas desejavam assegurar recursos para projetos de pesquisa.

O Brasil exportou urânio para os Estados Unidos até a década de 50, quando o governo brasileiro adotou a política de compensações específicas. De acordo com esta, além de cobrar o valor monetário das exportações de areias monazíticas, o Brasil deveria também exigir o fornecimento de conhecimento técnico para a aquisição de equipamentos. O objetivo da política era possibilitar o domínio do ciclo completo da produção de energia atômica, deixando o Brasil desenvolver seu próprio setor nuclear.

Mais tarde, visando a retirada da hegemonia norte-americana na questão da energia nuclear brasileira, o presidente eleito Jânio Quadros sugeriu planos para a instalação de um reator nuclear em Mambucaba, cuja maior parcela da tecnologia aplicada seria nacional.

O golpe militar de 1964 mudou os rumos do campo nuclear, militarizando o setor. Em 68, é assinado um convênio com a Eletrobrás, em que caberia a Furnas a construção de uma usina nuclear em Angra. Na época, vários cientistas se manifestaram contrários, sendo posteriormente sufocados pelo AI-5.

Usina nuclear Angra 1 (Brasil).

Embora não encontrem-se evidências de que os militares tenham comandado o começo de um programa de bomba atômica, há registro de sinais dúbios a respeito de suas intenções na área. Para exemplificar, o Brasil trabalhou, nos anos de 1970, no desenvolvimento de urânio enriquecido fora das salvaguardas internacionais e, por vezes, em instalações secretas sob controle militar.

Atualmente, a CNEN (Conselho Nacional de Energia Nuclear) detém a comercialização e a produção de material radioativo no Brasil e existem diversas políticas contrárias ao uso não-pacífico da energia nuclear — por exemplo, a ABACC (Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares). Essa cooperação é vista como um modelo para regiões em conflito, tal como a Coreia do Norte.

É perceptível que o programa nuclear brasileiro ainda necessita de muito desenvolvimento. Seu nascimento retardado e seus anos de obscurantismo durante o regime ditatorial foram decisivos para a fraqueza atual diante de uma reserva gigantesca de urânio no território.

Contudo, diante do seu nascimento ligado aos Estados Unidos, nos restam dúvidas sobre nosso posicionamento dentro do conflito nuclear.

A resposta é: não faríamos nada.

O Brasil, embora ainda sofra grande influência norte-americana, não seria pressionado pelos Estados Unidos a participar desta guerra. É claro que o programa nuclear estadunidense é mais desenvolvido do que o nosso, deixando-o em condições ótimas de independência da ajuda brasileira. Além disso, o atual presidente Donald Trump, diante de suas políticas protecionistas, não se preocupa em contrair mais aliados.

Outrossim, o alinhamento aos norte-americanos seria altamente desvantajoso para o Brasil. Com o protecionismo estadunidense, os chineses passam a ganhar mais espaço no comércio internacional e, como dito anteriormente, a China é o principal alicerce da sobrevivência da Coreia do Norte.

Ademais, o regime político brasileiro não permite o apoio ao líder Kim Jong Un, de caráter ditatorial e socialista. Podemos até mesmo dizer que a terra tupiniquim está totalmente fora do conflito nuclear: não somos alvo dos mísseis norte-coreanos.

Mapa que demonstra o alcance dos mísseis norte-coreanos.

Com toda a tranquilidade diante da possibilidade de uma guerra nuclear, resta espaço para o desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos no Brasil. Atualmente, somente 2,1% da nossa matriz energética é atômica e temos capacidade de reverter este quadro com a 5ª maior reserva de urânio do mundo.

Restam-nos apenas os memes.

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Inês Lopa
Tribuna da Pluralidade

18 anos, ex-aluna do Colégio Pedro II e aluna de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).