Progressão feminista

Inês Lopa
Tribuna da Pluralidade
4 min readDec 29, 2017

Na história das mulheres comuns, sempre houve a parte rebelde, que impulsionou grandes mudanças na vida do todo. Para entendermos o feminismo, é necessário, antes de mais nada, uma retrospectiva do movimento para sermos capazes de analisar a sua progressão ou regressão conforme o passar dos anos.

A primeira onda de feminismo aconteceu na Inglaterra, nas últimas décadas do século XIX, quando mulheres se organizaram para lutar por seu direito ao voto. Ficaram conhecidas como sufragetes, promovendo manifestações e sendo presas inúmeras vezes. Tamanho clamor do movimento para a época que, em 1913, a feminista Emily Davison se atirou à frente do cavalo do Rei, morrendo e aquecendo ainda mais os protestos pelas ruas londrinas. O direito ao voto foi conquistado no Reino Unido, em 1918, influenciando lutas pelo sufrágio feminino no mundo inteiro.

Em terras brasilienses, a luta pelo voto também foi uma das primeiras pautas do feminismo. As sufragetes brasileiras eram lideradas por Bertha Lutz, que fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização que fez campanha pública pelo voto e levou, em 1927, um abaixo-assinado ao Senado pedindo a aprovação do projeto de lei que garantia o voto feminino. Somente em 1932, com a promulgação do Novo Código Eleitoral brasileiro, as mulheres conquistaram esse direito. Percebe-se que, claramente, as pioneiras na reivindicação feminista estavam focadas na conquista dos direitos políticos, encarando-os como um modo de ultrapassar as relações de poder patriarcal da época.

Na conhecida “Segunda Onda Feminista”, ocorrida na década de 60, temos os ideais do movimento influenciados pela contra-cultura, colocando o machismo não somente como um problema político, mas sim, cultural. A contestação principal era a questão da liberdade sexual, ainda negada ao corpo feminino, que possuía papel exclusivo para matrimônio e geração de descendentes. Nesse contexto, surge a pílula anticoncepcional, representando a Revolução Sexual ao oferecer oportunidade de controle feminino no processo de concepção. Ainda nesse período, o lançamento do livro “A mística feminina”, de Betty Friedan, promove o discurso sobre as relações de poder entre homens e mulheres, colocando o feminismo em outro patamar: além de um movimento libertário, torna-se um novo modelo de luta pela emancipação feminina nas dimensões sociais.

A situação política brasileira da década de 60 não foi propícia ao desenvolvimento do feminismo no país. Somente mais tarde, com o processo de redemocratização, o movimento entra em efervescência, conquistando cada vez mais espaço nas camadas sociais. Dentre as vitórias do feminismo à brasileira, está a criação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM), em 1984, que promoveu uma campanha nacional para a inclusão dos direitos das mulheres na nova Carta Magna - disto resultou que a Constituição de 1988 é uma das que mais garantem direitos femininos no mundo. Com sua evolução, o movimento passa por um processo de profissionalização, em que o Estado passa a ter maior presença e opera na promulgação de leis como a Lei nº 11 340, de 7 de agosto de 2006 (mais conhecida como Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência contra a mulher).

No feminismo new wave, o avanço das tecnologias e de novas formas de vida proporcionou a difusão do movimento. A partir disso, espera-se que o mesmo ganhe simpatia e adesão social, visto que é o retrato de uma causa justa de igualdade. Entretanto, o que ocorre é exatamente o extremo oposto. A postura atual do movimento faz com que a sua popularidade diminua dentro das esferas sociais, resultando numa marginalização do que é o feminismo.

Na busca pela continuidade da conquista de direitos femininos, toda a distorção atual nos afasta das pautas efetivamente importantes para atingir a equidade jurídica, social e econômica. Diante da baixa participação feminina na política, da desigualdade salarial, do aumento dos relatos de estupro e números ainda cruéis de violência contra a mulher, o enfoque dado nas redes sociais à situações, em sua maioria, irrelevantes, ridiculariza o movimento, colocando-o no espaço da histeria e da emissão de ódio a indivíduos do sexo masculino.

Ao cairmos na armadilha do resumo e da rápida informação, o que decorre é a gradual perda do que já foi conquistado: recentemente, o endurecimento das regras antiaborto, com a PEC 181, que proíbe a realização da interrupção da gravidez até mesmo em casos de estupro ou risco para a saúde da mãe, foi votado na Câmara dos Deputados e amplamente aceito. No mesmo ínterim, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, nega a liminar apresentada pelo PSOL no pedido de aborto para a gravidez da estudante Rebeca, jovem sem condições de sustentar seu terceiro filho. Diante de todos esses acontecimentos que podem mudar o rumo da vida da mulher brasileira, assistimos milhares de reações desprovidas de embasamento e raríssimas manifestações de seriedade.

Para melhorarmos o feminismo atual, antes de mais nada, é preciso reconhecermos que não basta uma causa ser justa: ela precisa apresentar-se dessa forma. Para isto, é fundamental o amadurecimento do debate, a discussão ampliada, o estudo das ideias apresentadas, a reflexão racional, o respeito e o reconhecimento de falhas. O movimento foi, é e precisa continuar sendo de suma importância para a vida das mulheres e sua evolução no plano social. Vamos tratá-lo com seu devido valor.

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Inês Lopa
Tribuna da Pluralidade

18 anos, ex-aluna do Colégio Pedro II e aluna de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).