O protagonismo feminino no break

Trilha Hip Hop
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5 min readMay 4, 2017

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O Hip Hop é um movimento que traz consigo a ideia de luta contra a discriminação, desigualdade, violência. Buscando reconhecimento das minorias excluídas socialmente. No entanto, dentro de uma de suas vertentes, é possível notar que ainda há uma certa resistência a mudança

O break é um dos pilares do Hip Hop, um estilo marginalizado. Seus movimentos são vigorosos, exigem força e resistência. Por esse motivo, é um estilo predominantemente masculino, e geralmente não abre brechas para que as mulheres protagonizem a cena.

Claudisséia Santos, 36, é um exemplo de combate contra esse paradigma; conhecida como b-girl Ceia Santos, dança brake há 11 anos.

Claudisséia luta para garantir seu espaço como mulher e sua liberdade de escolher que futuro seguir muito antes da dança. Mãe de três filhos, viveu num relacionamento violento por 10 anos. Após registrar 23 ocorrências contra seu ex-companheiro e passar por três tentativas de homicídio, em 2006, ela finalmente conseguiu separar-se. Garantiu a guarda dos filhos e assegurou-se judicialmente que o ex-marido não soubesse de seu paradeiro.

Um dos motivos do término foi a privação de estudo pela qual teve que passar. Focada em terminar o ensino médio e em busca do ensino superior, sempre esteve a procura de conhecimento e atividades que a ajudassem ir além de suas expectativas. Foi com essa atitude que ela encontrou o Hip Hop.

Moradora do bairro Restinga, na Zona Sul de Porto Alegre, Claudisséia Santos, conheceu, há 11 anos, um grupo de dança que realizava oficinas nas proximidades. Resolveu então levar os dois filhos mais novos para participarem do curso, mas quem acabou interessada foi ela. O fato de no grupo ter 15 homens e apenas uma mulher chamou sua atenção.

Após quatro meses frequentando as oficinas, ela acabou fazendo parte da Crew (grupo de dança) por quatro anos juntos com os filhos. Sem nunca ter tido qualquer tipo de experiência com dança. Durante o período que esteve no grupo, Ceia treinou pesado para conseguir acompanhar o grupo nas apresentações e em batalhas de brake. Após um ano e meio de treino e participando de competições, ela tornou-se educadora e a dança deixou de ser “uma brincadeira de final de semana” e passou a ser profissional.

Segundo ela, a participação no grupo a ajudou a superar um dos momentos mais difíceis de sua vida. “O brake acabou entrando num momento bem importante pra mim e para os meus filhos. Ele não só nos ressocializou, mas também nos deu uma direção, uma perspectiva de vida”, conta.

Claudisséia passou a ser conhecida como b-girl Ceia Santos. Após esse período, Ceia resolveu seguir carreira solo como dançarina e educadora, viver da dança, viver do brake. Durante esse tempo a agora dançarina aprofundou-se na cultura Hip Hop, buscando conhecer mais sobre o movimento, tornando-se militante e ativista, divulgando o trabalho que é feito dentro do break e defendendo a participação da mulher nesse meio.

Arquivo pessoal

A busca por um espaço como b-girl em um ambiente envolto pelo machismo

Embora esteja envolvida há 11 anos no break, Ceia conta que enfrentou, e ainda enfrenta, diversas dificuldades relacionadas às questões de gênero. “No brake as mulheres praticamente não existem”, relata. Ela conta que, se fizermos uma relação de mulheres no Hip Hop, “as menos valorizadas, as menos vistas, as que menos têm espaço e que menos estão na mídia são as bgirls”, acrescenta.

De acordo com Ceia, uma das maiores dificuldades para as mulheres dentro do break é a aceitação por parte dos b-boys. Eles resistem em aceitar que a mulher também pode atuar nessa vertente e que são capazes de executar os movimentos necessários.

“Fui subestimada em todas as rodas em que entrei pra dançar”, destaca.

Ceia conta que um dos maiores obstáculos é a falta de liberdade em chegar nos eventos, participar, dançar e interagir. Se cria uma expectativa tão grande em cima da b-girl que, quando começa a dançar o brake, ela acaba “murchando”, às vezes, ela não aguenta a pressão. Isso assusta e afasta as poucas mulheres que tentam seguir na carreira.

A falta de entendimento de que é necessário respeitar o tempo e o corpo da mulher é uma grande barreira para os b-boys. “Apesar de o brake ser ensinado da mesma forma para o homem e para mulher, a técnica de dança não é igual”, explica Ceia.

De acordo com a dançarina, o corpo da mulher aprende de forma diferente. O homem, na maioria das vezes, já tem o corpo preparado para fazer força. A rotina e o biotipo deles colabora para que dancem sem tantas dificuldades. A mulher tem que malhar, no mínimo, três vezes, correr duas horas por dia para depois querer aprender a dançar o brake. “Pra dançar é preciso motivação. O mundo do brake é machista e preconceituoso, mesmo assim, se quisermos continuar, temos que passar por cima de todas essas barreiras e persistir”, salienta.

A superação de quem insiste em dançar o que ama

Em 2014, a b-girl Ceia sofreu uma lesão de terceiro grau no joelho direito, após um dia de treino. O fêmur deslocou-se e houve a ruptura de alguns ligamentos. Ceia ficou cerca de um ano usando muletas e passou quatro meses em casa, ocasionando a perda da musculatura e a mobilidade da perna. A recuperação foi difícil, a dançarina lembra que teve que parar de dançar por dois anos. “Acabei perdendo tudo o que eu tinha aprimorado, aprendido e estudado. Por mais que eu lembrasse na memória, o corpo já havia esquecido”, recorda.

A cerca de um ano, Ceia Santos retornou aos treinos e garante que retomou 95% da sua capacidade de dança. “Tô me preparando para retornar às competições, campeonatos e batalhas”, conta confiante. Além dos treinos, a b-girl também atua como professora de expressão corporal e conduz oficinas de break e street dance, em um serviço de convivência para crianças expostas à vulnerabilidade.

A b-girl Ceia Santos encerra ressaltando a importância do trabalho que o projeto “Trilha Hip Hop” tem feito em disseminar essa cultura. “É interessante apresentar meios que mostrem o Hip Hop de uma forma mais específica. Esse movimento que completa 40 anos em 2017, é um movimento jovem, que possui uma visão diferente em cada país.

Como pesquisadora do movimento Hip Hop, principalmente o elemento da dança, Claudisséia afirma que, “se fizermos uma análise mais profunda, é possível observar que essa cultura vem sofrendo mudanças durante os últimos anos no Brasil”. Segundo ela, muitas pessoas se apropriaram dessa cultura e, assim, foram surgindo novas figuras, novas atitudes, novas visões e novas perspectivas no meio. “O Hip Hop é uma cultura muito interessante de estudar, conhecer e entender, vale a pena acompanhar esse projeto”, encerra.

Por Yasmim Lopes

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Textos do projeto digital com o objetivo de mostrar artistas na região metropolitana de Porto Alegre. Confira a página: https://medium.com/trilha-hip-hop