Religiões de matriz africana: alvo prioritário da intolerância no Brasil

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Trincheiras
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4 min readApr 3, 2019

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Como o racismo e a intolerância religiosa estão destruindo templos e levando violência para seguidores, principalmente, da umbanda e do candomblé

por Thaís Zimbwe*

Ìyá dò sìn máa gbè ìyá wa oro

A Mãe do rio a quem cultuamos nos protegerá,
nos guiará nas tradições e nos costumes.

Das religiões professadas no país, as religiões de matriz africana, principalmente o candomblé e a umbanda, são constantemente vítimas de graves violações. O racismo estrutural que conforma todo o processo de construção da sociedade brasileira, enaltece suas marcas, inclusive nos espaços de culto à fé.

Recentemente vivenciamos um alto número de violações de diretos humanos envolvendo intolerância contra as religiões de matriz africana. Templos religiosos incendiados, elementos e símbolos vandalizados e pessoas agredidas fisicamente. Os casos de violência aumentaram e se agravaram em todo o país. No Rio de Janeiro, dados da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, mostraram um crescimento de mais de 50% no número de denúncias de 2017 para 2018. Por outro lado, aumentam de forma estarrecedora os crimes de intolerância em redes sociais e programas televisivos, que propagam informações distorcidas e deturpadas sobre essas religiões.

Ao apresentar estes números, trago para a reflexão evidências de que nenhum outro segmento religioso sofre tamanha agressão e encontra tanta resistência de liberdade de culto e respeito às suas práticas seculares em nossa sociedade. A intolerância religiosa se caracteriza assim como a expressão do racismo.

Terreiro de candomblé atacado na Baixada Fluminense (Fonte: Movimento Negro Unificado)

Nem mesmo a Lei que institui o dia 21 de janeiro como Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa é capaz de assegurar a liberdade de culto para esses adeptos e adeptas. O que se nota são crescentes casos de violação de direitos e extrema violência, como o episódio recente ocorrido em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, com o ataque ao Terreiro T’Ogum Jobi. Em 2018, apenas na região da Baixada Fluminense no Rio de Janeiro, foram registrados 30 ataques a templos religiosos de matriz africana.

Considerando o ambiente de constituição desses espaços religiosos, compostos em sua maioria por pessoas negras e, tendo a história demarcada na afirmação e resistência racial, nós religiosos de matriz africana vivenciamos tempos desafiadores. Além da luta constante para a superação do racismo em diversas esferas sociais, enfrentamos ainda a face da intolerância fundamentada no racismo religioso.

Quando observamos a sobrevivência de templos religiosos em áreas periféricas, enfrenta-se o duelo de intolerância praticada sob orientação de correntes religiosas e facções criminosas, onde muitos religiosos e religiosas são expulsos de seus locais de atuação.

A didática sobre a Constitucionalidade

O Supremo Tribunal Federal decidiu no dia 28 de março, em unanimidade, que é constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos. Registros demonstram o histórico de sacrifício ou sacralização animal em diversas religiões. Entretanto, essa referência não foi suficiente para o debate sobre esta votação ganhar o grande público, encorajado, principalmente por parte de militantes de movimentos de defesa dos animais e de alimentação vegana.

A rotina constante de defesa e de ensinamento dos argumentos que compõem a esfera religiosa nos custa caro e é bastante exaustiva. O desconhecimento sobre como são conduzidos os rituais nas religiões de matriz africana nos coloca na condição cansativa de viver sob o olhar do preconceito.

“O ritual não pratica crueldade. Não pratica maus tratos. Várias fotos, argumentos citados por alguns amici curie (amigos da Corte), com fotos de animais mortos e jogados em estradas e viadutos, não têm nenhuma relação com o Candomblé e demais religiões de matriz africana. Houve uma confusão, comparando eventos que se denomina popularmente de magia negra com religiões tradicionais no Brasil de matriz africana”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes.

Foto: Luciano Paiva / CC — https://www.flickr.com/photos/51182831@N02/

Luta por Direitos

Quando não mata, o racismo religioso deixa marcas profundas. Como alternativas a essa realidade, além do exercício dos direitos adquiridos, observa-se pelo país uma ampla corrente de ativistas, grupos organizados, religiosos(as) e simpatizantes que aderem às ações sociais de luta pela paz e atos pela liberdade religiosa.

A afirmação da identidade religiosa é, sobretudo, um grito por liberdade e respeito. As manifestações de discriminação racial não nos dão folga. A todo momento e com a velocidade das mídias digitais, ganham mais espaço as opiniões e manifestações de preconceito, assim como a livre concepção de que se pode discriminar. Basta!

Nossa luta é por respeito. Nossa luta é por diretos.

Como denunciar?

As denúncias de casos de intolerância religiosa podem ser feitas por meio do Disque 100, e algumas informações são necessárias para que órgãos governamentais possam aplicar políticas de combate a essas violências. Durante a denúncia será necessário informar quem foi a vítima, qual foi a agressão e quem a praticou, além do endereço ou ponto de referência do local, o horário aproximado, a situação da vítima e qual órgão foi acionado.

Este artigo é dedicado à memória de Makota Valdina, uma das principais referências do Candomblé no Brasil, que dedicou grande parte de sua trajetória em vida à luta contra a intolerância religiosa e o combate ao racismo.

*Thais Zimbwe é jornalista, militante de movimento negro
e sacerdotisa de Candomblé

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