Coletor de Memórias
Sou coletor de memórias. Às vezes, desço as escadas de aço cinzentas da minha mente e vou buscar lá no fundo algo que já não sou eu, mas que se esconde ali. Me pego em brigas passadas, tentando resolver o conflito que tive com meu pai quando tinha apenas dez anos de idade. Nessa revisão rebobinada, eu venço a briga. Uma frase de efeito matadora que vai ecoar na lembrança suja desse filme recortado. Tudo certo por enquanto.
Agora ela está aqui, na minha frente, e tento lembrar de algo mais do que fui. Fui avião no teu céu, explorador dos seus sorrisos, e mesmo assim você me devolveu o vazio, como costuma acontecer. A trilha embala o filme e na lona vou a nocaute outra vez. Outra memória que coleto, reviso e conserto. Nesse meu director's cut sem espectadores eu ganhei. Mas o cinema não é mais útil, pois ele não abre nessa eterna madrugada de domingo da minha cabeça.
Então é segunda e é mais um dia de sentar no seu sofá. Como um habilidoso editor, te entrego um filme de tudo que vivi, com os devidos cortes da escatologia e da libido. Close no sofrimento, plano-sequência das batalhas que venci. Você me receita pílulas faladas, indicando que eu devo seguir em frente. Deixo o consultório sentindo-me mais leve. Tudo certo, por enquanto, até a próxima segunda.