Pegadinha

Pedro Dantas
tripa
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1 min readNov 29, 2017

Éramos só eu e meu irmão naquela época, e uma das coisas que mais gostávamos de fazer era a pegadinha do morto. Mamãe só faltava se cagar nas calças de tão apavorada que ficava. Eu saía gritando, “Mamãe, mamãe, Miguel morreu”, e lá vinha ela da cozinha abanando as mãos encharcadas, pano de prato nos ombros. “Parem já com isso, vocês dois!”, ela dizia. “Isso é lá brincadeira que se faça?!”.

Até que um dia eu me estabaquei no chão do quarto, e Miguel, esperto do jeito que era, já foi com a ladainha de sempre. “Mamãe, mamãe, o João morreu!”. Mas ela não deu a mínima, ficou lavando roupa no tanque e pensando na morte da bezerra. Ou talvez estivesse apenas se lembrando do papai. Nós quase não falávamos dele. Mamãe disse que ele tinha ido viajar, mas a gente sabia, sabia que ele havia fugido com outra mulher e nos abandonado. Já éramos grandinhos o suficiente para entender essas coisas.

Miguel voltou com um semblante entristecido e disse, “João, levanta, mamãe está naqueles dias”. Mas eu não consegui mover um músculo sequer, parecia que meu corpo tinha sumido, e daí Miguel ficou me chacoalhando e gritando, “Acorda, João, acorda”, e depois saiu do quarto chorando. Achei aquilo meio exagerado, mas pelo menos fez com que mamãe entrasse na brincadeira. Fizeram até um funeral pra mim.

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Pedro Dantas
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Ficção e não-ficção sobre o que me der na telha.