Telas Trincadas

Natan Andrade
tripa
Published in
2 min readJan 3, 2018

--

Estou no busão lotado e tudo o que quero é aquele assento preferencial. Eu posso pegá-lo ou não? Eu devo pegá-lo? Não importa. Abro a tela trincada do celular e começo a zapear pelo Instagram, procurando uma verdade, procurando aquela distração entre o ponto a e o ponto z. Celebridades, referências, amigos e desafetos. Não deu, ainda estou entediado.

O tédio é algo que faz cada vez menos sentido. Não se faz mais música sobre ele. O caminho entre o ponto de ônibus e o trabalho vive recheado de notificações. Que delícia é perceber a atenção. Hoje, mesmo quando a multidão me sufoca em solidão, o celular afaga. A tela trincada é o último refúgio dos solitários. E não preciso mais de livro, poesia, música ou coisa assim. Nada disso. A tela é o abraço instantâneo que prenuncia a solidão eterna.

Mas, então, a mensagem chega. É ela. Nesse momento, foda-se o mundo, o assento preferencial ou a quantia absurda de trabalho que eu vou ter que enfrentar. Você respondeu. Eu vivo o estado letárgico nos centésimos de segundo que levo para desbloquear a tela trincada e visualizar. Não sei o que responder e não importa. Você respondeu e o céu brilha azul às oito e cinquenta da manhã. Eu posso descansar. "Bem, e você?", é o que vejo. O mundo me abraça por alguns momentos e eu curto cada um deles, pelo menos até você voltar a demorar para me responder.

--

--

Natan Andrade
tripa

Escrevo histórias de amor, de boteco e mais algumas coisas.