“Andor”: as pessoas não olham para baixo como deveriam

Erick Rodrigues
Trocando de Canal
Published in
4 min readDec 6, 2022
Divulgação/Disney+

Ainda que alguns não consigam admitir, por conta de um excesso de apego às ideias originais, o filme “Os Últimos Jedi” apresenta uma significativa contribuição para o futuro de “Star Wars”. No longa, lançado em 2017, o diretor e roteirista Rian Johnson tem a ousadia de inserir na saga o lado cinza da Força, uma zona situada entre as virtudes dos jedi e as sombras dos Sith. Com isso, a produção não só amadurece um clássico, mas, também, abre caminho para que outras histórias e personagens possam ser explorados.

Não é difícil perceber que “Andor”, série disponível no Disney+, além seguir esses passos, acredita nessa visão e nas várias possibilidades que podem surgir da coragem de fugir do tradicional. Para começar, a produção resgata o olhar para os personagens mais complexos, marcados por fraquezas, escolhas nem sempre tão óbvias e sobrevivência. Nesse universo, eles estão localizados em uma zona de existência muito distante da polaridade que sempre marcou o conflito entre o Império e a Aliança Rebelde.

Na linha do tempo da saga, “Andor” se passa antes dos acontecimentos de “Rogue One” e foca na trajetória de Cassian Andor (Diego Luna), que, ainda criança, foi separado da irmã e procura por ela pelo universo. O caminho dele se cruza com o de dois oficiais de baixo escalão do Império, que acabam mortos. O crime chama atenção de Syril Karn (Kyle Soller), um agente ambicioso e disposto a mostrar serviço, que passa a caçar Andor.

Para desaparecer e conseguir algum dinheiro, o protagonista aceita um trabalho misterioso, cujas orientações são dadas por Luther Rael (Stellan Skarsgard), um rebelde disfarçado sob as vestes de um vendedor de objetos valiosos. Entre os muitos contatos que ele mantém, está a senadora Mon Mothma (Genevieve O´Reilly), que enfrenta problemas para financiar as rebeliões organizadas por Rael.

Por uma série de circunstâncias, as ações dessa célula rebelde vão parar no radar de Dedra Meero (Denise Gough), a supervisora de uma espécie de serviço de inteligência do Império. A determinação da personagem em neutralizar essa ameaça a faz perseguir Andor e vigiar todos aqueles que têm algum contato com ele.

Criada pelo diretor e roteirista Tony Gilroy, “Andor” é uma série tão bem construída e cheia de camadas que convém, em qualquer resumo, se ater às informações mais básicas para não estragar a satisfação de acompanhar a escalada da história. Depois de incorporar à ficção científica elementos de outros gêneros, como o melodrama e o western, o mais recente produto do universo “Star Wars” bebe da fonte da espionagem para criar uma narrativa mais madura do que as já apresentadas.

Divulgação/Disney+

A primeira temporada apresenta conflitos que se estabelecem praticamente na base do universo, uma zona de tipos e comportamentos turvos e de difícil definição, bem distante do topo da guerra, onde está situada a rivalidade entre os jedis e os Sith. Essa escolha, além de confirmar o valor da aposta feita em “Os Últimos Jedi”, também prova que esse é o caminho mais rico de possibilidades para a saga, seja no cinema ou no streaming.

É necessário exaltar a coragem de “Andor” de não se escorar em símbolos e personagens que amparam o imaginário dos fãs da franquia. Na série, não aparecem sabres de luz, mestres jedi ou clássicos vilões, ao contrário de outras já lançadas e que tentam explorar ao máximo as vantagens do uso desses recursos. Com uma proposta sólida e nada orientada pelo oportunismo, “Andor” não precisa disso, pois é, antes de tudo, “Star Wars” na essência.

Um dos pontos mais interessantes da primeira temporada corresponde ao período em que Andor passa na prisão em Narkina 5. Aquela situação serve para mostrar como a opressão e o medo atuam para dominar prisioneiros e explorar aquela mão de obra. O perigo da insignificância e da necessidade de uma pessoa ser vista e considerada por um grupo ou causa também é uma característica importante da história.

“Andor” é o melhor produto “Star Wars” desenvolvido para o streaming e representa o valor mais significativo a ser agregado à saga desde a ousadia de “Os Últimos Jedi”. Irretocável, a primeira temporada da série injeta vigor ao clássico e deixa claro que o melhor caminho para o futuro desse universo criativo é, além da evidente valorização do legado construído, um amadurecimento de narrativas e a exploração de personagens cinzentos e que se escondem na base dos grandiosos conflitos.

Na lembrança de uma conversa do protagonista com Clem (Gary Beadle), marido de Maarva (Fiona Shaw), aparece a síntese do que a produção representa. “As pessoas não olham para baixo como deveriam”, diz o homem que criou Andor como filho. É isso. Até aqui, “Star Wars” olhou pouco para baixo, porém, é nesse lugar que está guardada uma fonte valiosa de renovação.

ANDOR (primeira temporada)

ONDE: Disney+

COTAÇÃO: ★★★★★ (excelente)

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