“Anos Rebeldes” e uma inspiração por liberdade que não pode desaparecer nunca

Erick Rodrigues
Trocando de Canal
Published in
3 min readOct 20, 2022
João (Cássio Gabus Mendes) e Maria Lúcia (Malu Mader) — Divulgação/TV Globo

O Brasil vivia um turbilhão político, mais um, diga-se de passagem, quando “Anos Rebeldes” foi exibida originalmente, entre os meses de julho e agosto de 1992. Os “Caras Pintadas”, como ficaram conhecidos os cidadãos que saíram às ruas para protestar contra a corrupção no governo de Fernando Collor de Mello, encontraram na minissérie de Gilberto Braga uma inspiração para lutar por um futuro melhor. No fim do mesmo ano, o primeiro presidente eleito diretamente após o golpe militar passou por um processo de impeachment e teve os direitos políticos cassados.

Ambientada no Rio de Janeiro, entre os anos de 1964 e 1979, “Anos Rebeldes” era a minissérie certa na hora certa. Pela primeira vez, a televisão retratava a repressão da ditadura militar no país e a luta daqueles que exigiam um ambiente de liberdade e democracia, batalha essa que inspirou espectadores a pintar o rosto de verde e amarelo e protestar contra os abusos que se apresentavam.

É triste pensar que agora, quando “Anos Rebeldes” completa 30 anos, os efeitos seriam outros. No Brasil de 2022, a minissérie seria encarada como uma história fantasiosa por uma parcela da população que nega que o país tenha sofrido os efeitos nefastos da ditadura. Mais ainda: seria vista como “uma obra da esquerda comunista que quer acabar com a pátria”. O retrocesso é evidente.

A minissérie, segundo o autor, nasceu de uma demanda popular. Após o fim de “Anos Dourados”, em 1986, Braga passou a ser abordado por pessoas que diziam que ele tinha que escrever sobre os “Anos Rebeldes”, entregando pronto, inclusive, o nome da obra. Ele, então, passou a trabalhar em uma ideia de história que retratasse o período.

Os protagonistas de “Anos Rebeldes” são Maria Lúcia (Malu Mader) e João (Cássio Gabus Mendes), um casal que, além das questões sentimentais, lida com a política inserida no relacionamento. Ela, filha de um jornalista que luta contra o regime militar, é individualista. Já ele, engajado, deixa de lado qualquer interesse pessoal em nome da causa.

Heloísa (Cláudia Abreu) é morta pelos militares do regime — Divulgação/TV Globo

Maria Lúcia ignora tanto o coletivo que, mais importante do que as reuniões que o pai e o namorado fazem no quarto dela, que também serve de escritório na casa, é o fato de não ter um lugar só dela para dormir. João prega, por outro lado, a importância daquele momento e das ações em prol do país. O relacionamento entre eles fica ainda mais desgastado quando João entra para a luta armada, caminho condenado pela namorada.

O casal diverge, inclusive, no gosto musical. João fica inconformado quando Geraldo Vandré, com “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, uma música de protesto, perde o Festival Internacional da Canção, realizado em 1968, para “Sábia”, de Tom Jobim e Chico Buarque, a preferida de Maria Lúcia e considerada alienada por muitos.

Entre as tramas paralelas de “Anos Rebeldes”, o destaque é a história de Heloísa (Cláudia Abreu). Alienada no início, a jovem rica e de espírito livre rompe com a vida que leva e adere à militância contra a ditadura. Em uma das cenas mais marcantes da minissérie, após ser presa e torturada, a personagem mostra as marcas deixadas pela violência dos militares ao pai, o banqueiro Fábio (José Wilker), um financiador do regime.

A sequência mais emblemática da obra também envolve Heloísa. O carro em que ela está com João e outros companheiros de luta é parado pela polícia. A personagem, então, desce do veículo para tentar mostrar os documentos, mas, ao colocar a mão na bolsa para pegá-los, acaba atingida por múltiplos disparos de metralhadora. A cena reproduz um comportamento habitual do regime: atirar primeiro e perguntar só depois.

Além de apontar o quão trágica e perversa foi a ação da ditadura militar, “Anos Rebeldes” também mostra a importância de valorizarmos a liberdade e a democracia que conquistamos a tão duras penas. Essa inspiração que a minissérie traz e que, lá em 1992, contagiou os “Caras Pintadas” continua sendo útil agora, três décadas depois, quando passamos por mais um momento político crítico, e não pode desaparecer nunca.

ANOS REBELDES

ONDE: Globoplay

COTAÇÃO: ★★★★ (ótima)

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