Proximidade de acontecimentos e personagens faz “The Crown” pisar em ovos no quinto ano

Erick Rodrigues
Trocando de Canal
Published in
4 min readNov 29, 2022
Divulgação/Netflix

O apego feroz às tradições e a observância às regras e deveres da Coroa sempre estiveram no centro do retrato crítico que “The Crown” faz sobre o funcionamento da realeza britânica enquanto instituição. Nas quatro temporadas anteriores, a série mostrou como essas características alimentaram um sistema que se organiza para anular qualquer vislumbre de personalidade que o ameace. O tom das críticas feitas pela produção, porém, passa a ser bem mais acanhado no quinto ano, quando, por coincidência ou não, o período retratado abriga muita turbulência.

A década de 90 é marcada por uma série de crises que envolvem a família real. Nessa época, o futuro da monarquia passa a ser colocado em cheque com mais frequência através de pesquisas de popularidade e de debates sobre os gastos para manter a Coroa. Isso provoca consequências políticas, como a ascensão do Partido Trabalhista após décadas de governos conservadores.

Do ponto de vista íntimo, os anos 90 também foram agitados para os Windsor. Os três filhos da rainha Elizabeth II (Imelda Staunton) vão parar nas páginas dos tabloides britânicos por conta de crises conjugais. O casamento conturbado de Charles (Dominic West) e Diana (Elizabeth Debicki) e o consequente divórcio do casal recebem, no entanto, mais atenção da mídia.

A interceptação telefônica de uma ligação íntima entre Charles e Camila Parker Bowles (Olivia Williams) e o lançamento de uma biografia e um programa de TV sobre Diana intensificam a exposição do herdeiro do trono e da princesa de Gales. As consequências desse tumulto para William (Senan West), o filho mais velho do casal, também começam a ser vistas.

O grande conflito do quinto ano de “The Crown” se estabelece a partir das reações negativas à monarquia, um sentimento que só cresceu naquele período e descolou ainda mais a família real, que sempre viveu em uma bolha, do cotidiano do país. Para pontuar isso, o roteirista e produtor executivo Peter Morgan encontra a metáfora perfeita. Ao longo da temporada, discute-se o que fazer com o navio Britannia, uma espécie de símbolo do reinado de Elizabeth II. A necessidade de manutenção ou até de substituição faz da embarcação, contudo, um gasto luxuoso e ultrapassado.

Vez ou outra, surge, dentro do núcleo familiar real ou no entorno, uma personalidade que atrai os holofotes; traz uma lufada mundanal e espontânea; e que, de alguma forma, contesta o sistema estabelecido. Adotando, geralmente, uma tática de guerra fria, os integrantes da monarquia reagem para conter ou isolar essa ameaça. Agora, pela primeira vez, a série se acanha ao retratar a reação da família a Diana, a figura mais simbólica de cumprimento dessa função.

Divulgação/Netflix

“The Crown” atenua a animosidade fragmentando a narrativa e afastando os personagens diretamente envolvidos nesse atrito. A produção se detém, por exemplo, à sensação que a princesa de Gales tinha de ser vigiada e perseguida, mas praticamente ignora os motivos que levaram a isso e que ficam restritos a breves citações. É bem verdade que, por se tratar de um aspecto íntimo, não há precisão sobre como essa relação com os demais membros da família se dava, mas, pelo que já se sabe, o ambiente era muito menos empático e mais hostil do que foi feito parecer.

Outra novidade da quinta temporada é que a construção dos personagens é menos complexa do que estávamos acostumados a ver. Raramente, algum deles sai da superfície e mostra nuances, algo que também pode estar relacionado à abordagem acanhada que surge com essa proximidade dos acontecimentos e das figuras retratadas, ainda muito presentes no dia a dia do país.

Apesar desses escorregões, os diálogos de Morgan continuam impecáveis, sempre apresentados com propósito e valorizando as palavras escolhidas para ilustrar as intenções. O elenco é, outra vez, uma grande qualidade da série. Jonathan Pryce, Lesley Manville, Elizabeth Debicki, Olivia Williams e Jonny Lee Miller têm ótimos desempenhos.

Para Imelda Staunton, a tarefa é um pouco mais ingrata. A atriz recebe, de Claire Foy e Olivia Colman, uma personagem que age mais como espectadora do que acontece à volta. O momento da rainha, marcado por experiência e certa distância, além da já mencionada hesitação do roteiro, deixa a protagonista mais apagada diante das muitas crises que envolvem aqueles que orbitam ao redor dela.

“The Crown” ainda nem chegou na fase mais polêmica, que ficou para a sexta e última temporada, mas já deixa a impressão de estar pisando em ovos ao retratar acontecimentos e personagens próximos em relação ao tempo e às memórias. A análise crítica sobre a família real sempre foi uma qualidade da série e deixar essa força de lado não faz nenhum sentido, especialmente diante de momentos tão decisivos.

THE CROWN (quinta temporada)

ONDE: Netflix

COTAÇÃO: ★★★ (boa)

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