“Wandinha”: quando projeto e diretor são feitos um para o outro

Erick Rodrigues
Trocando de Canal
Published in
4 min readDec 13, 2022
Divulgação/Netflix

De um lado, uma família de hábitos funéreos criada no fim da década de 30; que apresenta uma crítica sempre oportuna sobre julgamentos e padronizações; e que já foi explorada em quadrinhos, séries, desenhos animados e filmes. Do outro, um diretor formado por referências e afinidades sombrias, que também tem uma predileção por tipos que causam estranheza e são colocados à margem da sociedade. Diante dessas características, então, o que esperar da união de “A Família Addams” e Tim Burton?

“Wandinha”, recentemente inserida no catálogo da Netflix, é a volta dos Addams às séries live-action. Agora, no entanto, a mansão sinistra da família dá lugar a uma escola para jovens excluídos e que fogem do que é considerado padrão. É para lá que Wandinha (Jenna Ortega), a filha mais velha de Gomez (Luis Guzmán) e Mortícia (Catherine Zeta-Jones), é enviada depois de enfrentar problemas com os antigos colegas.

Na academia “Nevermore”, a situação de Wandinha não muda muito, já que ela passa a ser vista como uma excluída entre os excluídos. Nem mesmo a marca deixada pelo passado escolar dos pais ali consegue fazê-la se ambientar melhor. Uma das poucas que se mostra disposta a conhecer a garota Addams é Enid (Emma Myers), uma jovem que se frustra por não conseguir se transformar em lobo, como os demais membros do clã dela.

Wandinha chega à nova escola na mesma época em que uma série de assassinatos, causados por algum tipo de fera, está tirando o sono das autoridades de Jericho, cidade próxima a “Nevermore” e cuja economia depende da instituição, mesmo não tratando muito bem os estudantes que vivem no internato. A filha mais velha dos Addams se interessa pelo caso e acaba, de alguma forma, envolvida naqueles crimes.

Entre uma sessão de terapia com a doutora Valerie Kinbott (Riki Lindhome), por determinação judicial, diga-se de passagem, e dos esporros dados por Larissa Weems (Gwendoline Christie), diretora da “Nevermore”, Wandinha encontra o apoio de Tyler (Hunter Doohan) para desvendar o mistério. O garoto “padrãozinho” se apaixona pela jovem sisuda, para desespero do pai dele, o delegado Donovan Galpin (Jamie McShane), responsável pelas investigações.

Divulgação/Netflix

Criação do cartunista Charles Addams para a revista norte-americana “The New Yorker”, “A Família Addams” já foi vista de inúmeras maneiras em produtos de entretenimento. Mais recentemente, os personagens ganharam duas simpáticas animações e, agora, passam por mais uma renovação com “Wandinha”, que acerta ao procurar algum frescor dando protagonismo à garota que não sorri e que é praticamente alérgica às cores.

“A Família Addams” sempre serviu de sátira ao que é considerado tradicional, aos padrões sociais e estéticos que são impostos e que rejeitam tudo aquilo que não se encaixa. “Wandinha” não perde esse espírito de criticar, com humor e diálogos acelerados, a reação do padrão a tudo o que é diferente e que apresenta uma personalidade que contesta o que está estabelecido.

Quem melhor, então, do que Tim Burton para conduzir esse projeto? O cineasta construiu uma carreira que escancara uma predileção por temáticas e personagens sombrios, envolvidos intimamente com a morte e as trevas. Mais do que isso: com filmes como “Edward Mãos de Tesoura”, ‘Frankenweenie” e “Sombras da Noite”, o diretor já provou que também entende da estranheza do ser humano; da alma dos excluídos; e da injustiça dos julgamentos que escondem e potencializam os verdadeiros monstros.

Apesar dos acertos do projeto, é preciso dizer que “Wandinha” não é feita só de glórias. Na ânsia pela atualização e busca de um novo público, os roteiros dos episódios abraçam obviedades e esfriam o mistério da história. A série, por pouco, também não ultrapassa a linha da descaracterização dos personagens nessa tentativa de forçar um rejuvenescimento da narrativa.

“A Família Addams” e a sátira que a acompanha faziam falta ao entretenimento. Por isso, “Wandinha” acaba sendo uma boa diversão e um reencontro agradável com o universo dos personagens. E, respondendo agora à pergunta do início, a união dessa proposta com um diretor que entende como ninguém de excentricidades e sombras não deixa dúvidas que eles foram feitos um para o outro.

WANDINHA (primeira temporada)

ONDE: Netflix

COTAÇÃO: ★★★ (boa)

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