“Latrina” da Glória, um dos palcos da Olimpíada de 2016 sofre com a poluição da Baía de Guanabara (Mario Moscatelli/Olho Verde)

Como o Rio gastou bilhões e não despoluiu
a Baía de Guanabara

Em 23 anos, sete governos desembolsam R$ 3 bi
e mais de 50% do esgoto despejado não é tratado

Redação Trombone
Trombone Media
Published in
6 min readJul 10, 2015

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Daqui a pouco mais de um ano, os melhores velejadores do mundo estarão colocando seus barcos na água, no Rio de Janeiro, em busca da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Água limpa para os atletas significaria evitar imprevistos que podem comprometer anos de treinamento. Mais importante, a população da região enfrentaria menos doenças e poderia explorar a pesca, entre outros fatores econômicos.

A Olimpíada era uma oportunidade enorme para o governo do estado finalizar a execução do plano que anunciou com pompa durante a Eco 92: a despoluição da Baía de Guanabara. Ainda geraria publicidade espontânea para o atual mandatário Luiz Fernando Pezão utilizar numa futura campanha de reeleição. Mas a gente sabe que no espaço entre prometer e executar muitos administradores públicos se perdem.

Desde o final do governo Sérgio Cabral, a administração estadual começou a dar sinais de que não conseguiria cumprir com uma das promessas da campanha do Rio para sediar a Olimpíada — tratar 80% do esgoto que é despejado na Baía de Guanabara.

Em maio deste ano, o secretário estadual do ambiente armou um circo e mergulhou na Baía de Guanabara bem em horário de maré e corrente favoráveis para provar que não havia poluição. Ficou feio pra ele, que bate o pé e garante que a meta será cumprida apesar das evidências em contrário — lixo boiando, água completamente poluída e fedor insuportável em vários locais, inclusive nas praias de Botafogo e Flamengo, nas proximidades da raia olímpica.

Leonel Brizola (PDT) — renunciou e foi substituído pelo vice Nilo Batista (PDT) — , Marcello Alencar (PSDB), Anthony Garotinho (PDT-PSB) — renunciou e foi substituído pela vice Benedita da Silva (PT) — , Rosinha Garotinho (PSB-PMDB), Sérgio Cabral (PMDB-dois mandatos) e Luiz Fernando Pezão (PMDB). A bronca, que começou com uma promessa durante a Eco 92, já passou pela mão de sete governos e oito governadores diferentes.

E mais da metade do esgoto (55% segundo números do governo, 75% segundo ambientalistas) de uma região com nove milhões de pessoas ainda cai diretamente na Baía de Guanabara sem qualquer tratamento.

Eco 92 (ou Rio 92) foi a primeira grande conferência mundial sobre o meio-ambiente. realizada no mundo. Daí sua importância. Durante o evento, se fez um balanço dos problemas ambientais que o mundo deveria enfrentar. Na esfera estadual, um dos principais deles era a poluição da Baía de Guanabara. Em 2012, a Organização das Nações Unidas realizou a Rio+20, cujo foco foi principalmente discutir ações para combater o aquecimento global. No entanto, não houve um consenso sobre as iniciativas que as principais potências mundiais deveriam tomar para combater o problema.

As fontes de financiamento da despoluição variam: Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) e governo do estado. Foram gastos mais de R$ 3 bilhões para a despoluição não chegar nem perto de ser completada.

Pesquisadores do Coppe/UFRJ fizeram um estudo a pedido do Comitê Olímpico Internacional (COI) e concluíram que, caso todos os projetos necessários fossem executados exatamente como deveriam, ainda se levaria pelo menos 10 anos para despoluir a baía.

Entenda como o dinheiro escorreu pelo ralo e a Baía de Guanabara não está nem perto de ser despoluída:

Falta de transparência

Em 2012, o então secretário estadual do ambiente, Carlos Minc, considerou a falta de transparência um dos principais problemas do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDGB). Os governadores anteriores não fizeram muito esforço para mostrar à população o andamento das obras previstas.

Minc prometeu que a questão seria solucionada com boletins mensais do governo no site do programa. Ele deixou o governo em abril de 2014 para retomar seu mandato de deputado estadual. A última atualização do site foi a publicação de um documento de 27 de maio de 2013 em que a Jica manifestava sua satisfação com o “adiantado estado de execução das obras”.
Ou seja, o problema não foi solucionado. Apenas falta de transparência, no entanto, não é capaz de explicar como tanto dinheiro foi diluído na água podre da Baía da Guanabara.

Problemas de gestão e execução

Na mesma época, Minc e o presidente da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), Wagner Victer, citaram também problemas de gestão como motivos para o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDGB) nunca ter alcançado seu objetivo. Superfaturamento de obras foi um deles.

Estações de tratamento foram construídas com o dinheiro de financiamento internacional, mas o governo não cumpriu com as contrapartidas de interligá-las com as devidas redes. Foram os casos das estações de São Gonçalo e Pavuna, por exemplo.

A incompetência para estabelecer responsabilidades entre os 14 municípios banhados pela baía também não ajudou. Enquanto o governo constrói estações para tratamento de esgoto residencial, parte das indústrias das margens dos rios que desaguam na baía seguem despejando poluentes na água com pouco controle.

Projetos equivocados

Outra falha, segundo ambientalistas, foi tratar a despoluição da baía como uma questão apenas de saneamento, quando também seria necessário um projeto ambiental. Assim, com a inauguração das estações de tratamento contidas no PDGB, o governo considera o programa finalizado — sem chegar nem perto de alcançar o objetivo de despoluir a Baía.

Um novo projeto, chamado Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (Psam) está sendo colocado em prática nesse sentido. Custo: R$ 1,7 bilhão.

Mais uma vez, o BID entra com a maior parte do montante: R$ 800 milhões, enquanto o governo estadual arcará com R$ 330 milhões. Além desse montante, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal encaminhará outros R$ 570 milhões.

O dinheiro deve ser usado não apenas em obras de saneamento, mas também em convênios com os municípios para implantação de políticas sustentáveis.

Baía de Guanabara banha 14 municípios, inclusive alguns dos bairros mais tradicionais do Rio de Janeiro como Botafogo, Flamengo, Glória e Centro

Desperdício de dinheiro?

A meta para a conclusão do Psam é até 2016. Estamos no segundo semestre de 2015 e nada indica que o prazo será respeitado. Às vésperas da Olimpíada, o Rio deverá sofrer novas críticas de atletas por causa da incompetência em deixar a Baía de Guanabara em condições mais próximas das ideais para a disputa das competições de vela.

O ambientalista Mário Moscatelli, do projeto de monitoramento ambiental Olho Verde, que sobrevoa mensalmente toda a Baía de Guanabara e examina os focos de poluição, diz que falta vontade política ao governo do estado para resolver o problema. A despoluição da baía, na sua opinião, não é uma prioridade governamental.

Iniciativas paliativas com o intuito de diminuir o lixo na baía também não parecem estar funcionando. Os 10 barcos de coleta de lixo que o governo colocou na Baía de Guanabara têm seu trabalho — que é considerado insuficiente por Moscatelli — paralisado. Barreiras contra o lixo em rios também nào tem realizado o serviço.

A previsão do ambientalista é que, assim como na Copa do Mundo, governantes brasileiros perderão uma oportunidade de criação de legado como prometeram durante as candidaturas aos eventos esportivos. Moscatelli sugere a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre o governo estadual e o Ministério Público Federal para que os projetos estipulados no Psam sejam realmente executados.

Você acha que o Rio cumprirá a meta de
tratar 80% do esgoto despejado na
Baía de Guanabara até a Olimpíada?

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Redação Trombone
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