Taxistas protestam e interrompem todo o Aterro do Flamengo (Tania Rêgo/Agência Brasil)

Como os taxistas do Rio deram um tiro no pé

Para protestar contra o Uber, resolveram parar a cidade e não prestar serviço algum — o rival adorou

Giuliander Carpes
Trombone Media
Published in
5 min readJul 27, 2015

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Não se trata nem de ser a favor ou contra o Uber ou mesmo os seus inimigos, os taxistas. Apenas uma constatação: os amarelinhos do Rio de Janeiro fizeram a melhor propaganda que o Uber poderia pedir na última semana. Ao anunciarem um protesto com o objetivo de parar a cidade, deram uma visibilidade inédita ao serviço que funciona sem regulamentação aos pés do Cristo Redentor desde maio do ano passado — sim, já havia motoristas particulares com carros pretos trabalhando para a empresa americana durante a Copa do Mundo e a maioria absoluta de nós nem sabia.

Prazer, meu nome é Uber

Para começo de conversa, quem até o início da semana ainda não sabia o que era o Uber acabou sendo apresentado ao serviço por vontade própria ou da imprensa, que dedicou extensa cobertura ao assunto. Era se informar ou ficar sem assunto em qualquer mesa de bar. A enxurrada de notícias sobre a empresa americana rendeu até uma curiosa reportagem do portal G1 sobre um motorista de taxi que se chama Uber. Ele não gosta do novo serviço, obviamente. Sério. No mínimo, curioso.

Tradicional má reputação dos taxistas

Todo mundo sabe que a instituição "taxista carioca" não goza lá de uma reputação muito boa na praça. Todo mundo que mora no Rio já teve o prazer também de ser bem atendido por um deles — uma raridade, no entanto. Em geral, eles não gostam de fazer corrida curta, fazem de conta que o ar condicionado está quebrado, escolhem o cliente que vão atender, fazem de tudo para evitar subir as ruelas acidentadas de Santa Teresa, odeiam botar o bico nas ladeiras de favelas, mesmo as mais tranquilas como Babilônia-Chapéu Mangueira e Vidigal. Estamos generalizando, claro. Mas a revista Piauí já escreveu a respeito. O Sensacionalista já fez piada a respeito. O Porta dos Fundos vive tirando um sarro disso também. Então, né, deve fazer algum sentido.

Mais desserviço dos amarelinhos

Todo cidadão ou classe tem assegurado pela Constituição Federal o seu direito à livre manifestação. OK. O problema é que o trânsito do Rio de Janeiro já está uma m… há alguns anos — desde que resolveram transformar a cidade em canteiro de obras para a Olimpíada. OK, o carioca até aguenta isso também.

Mas não transforme a vida do seu cliente num caos numa manhã de sexta-feira, OK? Não conseguir chegar ao trabalho no último dia de labuta da semana porque um bando de taxistas resolveu parar o principal acesso ao centro é sacanagem — o protesto foi no Aterro, mas o acesso aos túneis Rebouças e Santa Bárbara estava um horror. Não conseguir sair do aeroporto Santos Dumont porque um bando de taxistas não deixa nem os próprios colegas trabalharem — inclusive fazendo ameaças de agressão — é mais sacanagem ainda. Agredir repórter e ameaçar quebrar o para-brisa de motoristas do Uber que também estão querendo trabalhar já é bandidagem mesmo.

Ou seja, em vez de protestarem contra o Uber oferecendo algo melhor do que normalmente oferecem, os taxistas resolveram aumentar o seu portfólio de maus serviços. Pegou muito mal com a clientela. De novo.

Uma promoção espertíssima

Sabendo que os taxistas iam apelar, o Uber resolveu investir uns trocados numa promoção muito esperta. Cedo pela manhã, usuários do serviço receberam um email avisando que a empresa estava dando GRATUITAMENTE duas corridas com valor máximo de R$ 50,00 cada. A estratégia já havia funcionado em outras cidades do mundo onde a empresa enfrentou os mesmos protestos.

Para isso, o Uber pagou um bônus para seus motoristas que se arriscaram pelas ruas: a comissão de 20% da empresa ficou com o motorista, que também recebeu 30% a mais da companhia por corrida.

O Uber cresceu

Se não havia táxi, o que o cliente faria? Cadastraria-se no Uber e andaria de GRAÇA. O resultado? O serviço registrou 20 vezes mais usuários num único dia mesmo que o serviço não tenha conseguido atender a todo mundo que precisava de um motorista naquela sexta-feira.

Resultado: o famoso tiro no pé

Embora os taxistas teimem em reconhecer, os protestos foram um tiro no pé. No curto prazo, eles receberam o apoio da prefeitura. O secretário municipal de transportes, Rafael Picciani, disse que vai afrouxar os critérios de avaliação do estado de conservação dos táxis, assim como deixar de aplicar multas a taxistas que tenham utilizado corredores exclusivos de ônibus na última sexta-feira. Basicamente, avalizar que os taxistas possam prestar um serviço ainda pior.

O secretário estadual de transportes, Carlos Roberto Osório, afirmou que vai aumentar a fiscalização e multar motoristas do Uber, já que eles estão transportando passageiros de forma irregular. O curioso é que fiscalização e multas jamais conseguiram acabar com os chamados táxis piratas (sem a permissão para trabalhar). Todo carioca já acabou tomando um algum dia e sabe até os locais onde eles costumam criar pontos clandestinos.

Muitos taxistas auxiliares ainda precisam pagar diárias para os donos da permissão (que muitas vezes nem trabalham na praça e possuem dezenas ou centenas delas por hereditariedade). A questão está na Justiça. Mas a realidade é que a própria classe está há muito tempo dividida. Os motoristas que precisam pagar (caro) para trabalhar não raramente chamam os seus patrões de "máfia".

É nesse terreno arenoso e frágil que chega o Uber. Em princípio, prefeitura e taxistas parecem estar unidos contra o serviço. O problema é que nenhum dos dois costuma ter um padrão de excelência muito alto em suas funções. A pressão do mercado (eleitorado)— cada vez mais favorável ao novo serviço — não deve ajudá-los em nada. O Uber tem dinheiro suficiente de investidores e paciência para esperar uma brecha e forçar a regulamentação de seu serviço. Essa briga está só no começo.

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