Criança da favela de Alexandria, primeiro endereço do jovem advogado Nelson Mandela após sair de sua cidade natal, Qunu (Mauro Pimentel/Trombone)

Mandela Day: lições
para uma cidade partida

18 de julho é dia de relembrar o importante legado do líder sul-africano morto no final de 2013

Giuliander Carpes
Trombone Media
Published in
5 min readJul 18, 2015

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"Sério que inventaram um Mandela Day?" Foi minha primeira reação quando soube da data— no caso, hoje, 18 de julho, dia do nascimento do primeiro presidente negro da história da África do Sul. Dia do beijo, dia do amigo, dia do orgasmo: tantas efemérides inúteis inventadas mais recentemente explicam minha surpresa inicial quando um amigo a mencionou. Mas, pensando bem, certas datas podem ser relevantes.

Mandela teve uma das histórias de vida mais incríveis e inspiradoras de toda a humanidade. Os pelinhos do braço ficam arrepiados enquanto você devora o livro Conquistando o Inimigo — Nelson Mandela e o jogo que uniu a África do Sul, de John Carlin, uma das obras mais óbvias e famosas a respeito do presidente sul-africano que respondeu a castigos injustos perpetrados por um regime racista com tolerância e compreensão (embora, durante certa altura do campeonato, tenha se dedicado à luta armada também).

O mais famoso sul-africano mudou o mundo. Então nada mais justo que dedicar alguns minutos — não precisa ser 67 — para lembrar de alguns de seus gestos e ensinamentos. São lições que transcendem fronteiras e ainda hoje soam extremamente importantes para uma "cidade partida" como o Rio de Janeiro, onde a intolerância anda solta e a tentação de responder ao medo com barbárie já virou rotina.

As fotos espalhadas por esta página e o vídeo acima foram produzidos na África do Sul em dezembro de 2013 durante a celebração do funeral de Nelson Mandela. Nelas, Mauro Pimentel mostra que o país ainda tem um longo caminho para acabar com as injustiças sociais, assim como o Brasil. Lá, Madiba deu alguns dos passos mais importantes para isso (os primeiros). Chegar ao fim dessa jornada vai depender de seguir o seu legado.

Coronation Park, perto de Pretória, tornou-se uma favela cheia de brancos que perderam privilégios depois do fim do apartheid (Mauro Pimentel/Trombone)

Vamos a um (bem) pequeno resumo dos seus ensinamentos:

É preciso superar o medo do outro

Uma das fontes do racismo, da discriminação e da intolerância é o medo. E a falta de informação só ajuda o medo a vencer. Quando o carcereiro Christo Brand considerava Nelson Mandela apenas um terrorista, o odiava. Mas quando o detento da prisão de Robben Island buscou aproximação e ambos conheceram mais a fundo os tormentos de cada um, o medo deu lugar à empatia e, mais adiante, até amizade.

"Aprendi que a coragem não é a ausência do medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que conquista esse medo."

O racismo (ou o ódio) é o triunfo do medo

Por anos, o regime racista da África do Sul afastou a maioria negra da minoria branca. Por quê? Medo. Era mais fácil odiar o desconhecido do que se aproximar. Mandela foi o artífice da aproximação entre as duas partes. Colocou-se no lugar do "inimigo" (não sei se essa palavra está bem empregada no livro de Carlin, porque claramente Mandela não via o branco como um inimigo, mas como donos de uma mentalidade a se conquistar para buscar o desenvolvimento do país em parceria), entendeu seus receios, e plantou uma semente importante contra o racismo.

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta."

Moradora de Klipspruit, o subúrbio mais antigo (1904) e dos mais pobres do Soweto, em Joanesburgo (Mauro Pimentel/Trombone)

Educação é uma arma poderosa

"A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo", é uma das frases mais famosas de Mandela. Não se trata apenas de saber fórmulas de química ou física para passar no vestibular e ter uma educação formal, mas também procurar conhecimento para aumentar entendimento sobre o outro e o mundo. Só pela educação uma pessoa se levará a pensar duas vezes antes de cometer uma injustiça.

"Se você falar com um homem numa linguagem que ele compreende, isso entra na cabeça dele. Se você falar com ele em sua própria liguagem, você atinge seu coração."

A calma é ouro num mar de desespero

Seus biógrafos contam que Mandela raramente perdia a calma. Em momentos de crise, se dedicava mais a ficar em silêncio e pensar em todos os ângulos de uma situação que em tomar decisões rápidas — e potencialmente equivocadas.

"Uma boa cabeça e um bom coração formam sempre uma combinação formidável."

Mais uma criança da favela de Alexandria, em Joanesburgo (Mauro Pimentel/Trombone)

Não responda a maldades com mais maldades

Acuados pela violência, vemos cada vez mais atos de justiçamento que, em vez de diminuir a injustiça só causam mais dor. Depois de solto da prisão, em 1990, Mandela nunca procurou responder com violência as lideranças que o maltrataram — mesmo que pudesse, recebesse até apoio popular para isso e tenha sido incompreendido por boa parte de seus próprios correligionários. Se não resolveu totalmente as tensões populares na África do Sul, certamente esse posicionamento ajudou a aplacá-las e limitá-las.

"Perdoem, mas não esqueçam."

Moradora lava o cabelo da filha sem água em Klipspruit, no Soweto, em Joanesburgo: favela não tem saneamento e casas não possuem nem sequer banheiros (Mauro Pimentel/Trombone).

Mais frases de Mandela:

"Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito, e inspirar esperança onde há desespero."

"Você não é amado porque você é bom, você é bom porque é amado."

"Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos."

Morador de Coronation Park, a favela sul-africana habitada majoritariamente por brancos (Mauro Pimentel/Trombone)

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