Mariana, a estagiária.

Thales Machado
Trombone Media
Published in
3 min readJul 23, 2015

Sobre ser mulher, ser gorda e ser jornalista esportiva.

Mariana pode o que ela quiser. Foto: Jéssica Girard.

A Mariana Rodrigues é estagiária aqui da ESPN, canal fechado de esportes que trabalhamos. É aquela estagiária que você pediu aos deuses do RH. Tenho um danado de um orgulho de ter sido nomeado uma espécie de tutor da menina-moça nesse tempo dela por lá. Não porque ensino, mas por causa do tanto que aprendo.

Do pouquinho, quase nada, que tento ensinar, bato sempre papo, a pedido dela, sobre como reagir em situações delicadas dentro de um trabalho. Aí ela me contou sobre hoje: uma das funções é fazer a produção da transmissão dos jogos do canal. Aproveitamos os jogos do Brasileirão sub-20 que estamos transmitindo para mandar a Mariana e ela já ir manjando os paranauês de uma transmissão televisiva de jogo de futebol.

E ela foi, fazer Flamengo x Palmeiras, na Gávea. Não tinha tensão, não tinha rivalidade, não tinha motivo. Mesmo assim, em ato boçal, a torcida resolveu se divertir sem pensar no constrangimento que faria Mariana passar. Humilhação dupla porque foi no meio do trabalho, tripla porque é mulher.

Como não pude dar conselhos por não ser o alvo de tamanho preconceito, dei o conselho que poderia dar: “escreve. Escreve e publica”. E ela fez. Fez porque é preciso acabar com essa ideia de que no futebol pode tudo. Por isso, copio e colo aqui, com autorização dela, para que o relato e, principalmente a mensagem, chegue pra além das nossas páginas do Facebook, para que o grito dela seja mais alto do que o deles.

Não pode machismo. Não pode humilhar uma profissional. Torcida não é tribunal de exceção.

por Mariana Rodrigues

“Hoje, já no final da transmissão de uma partida em que eu estava trabalhando, estávamos somente eu, a repórter Debora Gares e dois jogadores no campo, quando de repente ouço a arquibancada gritando em uníssono:

- Ah, é gordelícia! Ah, é gordelícia! Ah, é gordelícia!

Quem me conhece sabe que ser gorda não é problema para mim, na maioria das vezes. Exercito minha autoconfiança como posso e vivo na militância contra a gordofobia, então tô acostumada com o sistema “bateu-levou” quando ouço comentários sobre a minha aparência física.

Engoli seco algumas vezes ao lembrar que eu estava em local e horário de trabalho.Em qualquer outra ocasião eu já teria respondido da mesma maneira baixa. Estava trabalhando com pessoas com quem não tenho a menor intimidade, que ficaram tão constrangidas quanto eu. Mantive minha cabeça erguida e fiz um rolling eyes em direção a torcida, que era o máximo que a minha condição ali permitia.

Não é normal. Não é engraçado, não é brincadeira. É invasivo e humilhante. Não importa se estão chamando de gorda, de gostosa, ou ainda fazendo uma junção tosca, como o termo gordelícia. A aparência física de uma mulher não deve ser alvo de comentários de ninguém, muito menos de grito de torcida de futebol.

Enquanto auditores do TJD, jornalistas, jogadores de futebol e tantas outras “autoridades” no esporte continuarem a tecer comentários preconceituosos e a tratar mulheres como seres inferiores, os torcedores vão continuar acreditando que estádio é lugar para extravasar toda a carga de intolerância que carregam.

7 a 1 foi pouco mesmo.”

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