O PODEROSO CHEFÃO

Como Eduardo Cunha manobra até contra a Constituição para ditar agenda conservadora do país e almejar o posto de presidente da República

Redação Trombone
Trombone Media
5 min readJul 6, 2015

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Presidente da Câmara dos Deputados não se furta a desrespeitar a Constituição para impor suas vontades à Casa (Antonio Cruz/Abr)

Na madrugada da última quinta-feira, o Brasil assistiu ao resultado de mais uma articulação do presidente da Câmara dos Deputados — a enésima desde que assumiu o posto em fevereiro. Depois de ver a proposta da redução da maioridade penal para diversos crimes ser rejeitada menos de 48 horas antes, Eduardo Cunha (PMDB) colocou o projeto de novo em pauta. O novo texto restringia a redução apenas para crimes hediondos.

A proposta foi aprovada com a ajuda de 24 deputados que “mudaram de opinião” de uma hora para outra, mostra o UOL.

Por que refazer a votação da redução da maioridade penal é inconstitucional

A manobra suscitou críticas de todos os lados. Alguns comentários foram diretamente contrários a Eduardo Cunha por ele pensar que pode fazer o que bem entender como presidente da Câmara. Outros, se propuseram a explicar por que o político desrespeitou a Constituição ao recolocar a matéria em votação em menos de 48 horas.

Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello, respectivamente ex-presidente e atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), garantem que a segunda votação armada por Cunha é inconstitucional, segundo O Globo.

A regra é clara:

Parágrafo 5º do artigo 60 da Constituição diz que “proposta de emenda constitucional rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”.

Sessão legislativa = período normal de atividade do Congresso a cada ano. O mandato de cada deputado federal compreende quatro sessões legislativas e a matéria da redução da maioridade penal só poderia então ser votada novamente na Câmara dos Deputados em 2016.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e deputados do próprio partido de Cunha, o PMDB, além de PT, PPS, PSOL, PSB, PC do B e PDT afirmaram que vão recorrer ao STF contra a manobra, informou O Globo.

A OAB também entende que a redução da maioridade penal fere cláusula pétrea da Constituição. Mas só poderá recorrer à Justiça contra a emenda usando esse argumento depois que ela for aprovada pelo Senado.

Cláusula pétrea = Dispositivo constitucional que não pode ser alterado nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC) — como a da redução da maioridade penal. As cláusulas pétreas da Constituição estão listadas no seu artigo 60, parágrafo 4º: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.

Por que Cunha resolveu colocar em prática uma manobra dessas

O presidente da Câmara, como de costume, fez pouco caso dos adversários às suas propostas. Em entrevista à rádio Estadão, disse que apelar ao STF “é choro de quem não tem voto”.

O que é curioso se informações de alguns dos principais colunistas do País veiculadas recentemente se confirmarem. Segundo o Painel, da Folha, Cunha estaria mantendo conversas com o senador Aécio Neves — candidato derrotado por pouco nas últimas eleições presidenciais — para a maior articulação política da carreira de ambos: viabilizar o impeachment de Dilma Rousseff.

O senador Aécio Neves declarou na convenção do PSDB no último domingo que Dilma não chegara ao fim de seu mandato, publicou O Globo.

Capa da Revista Isto É que compara Cunha a Frank Underwood, da série House of Cards

Haveria duas hipóteses para forçar a queda de Dilma ainda neste ano, segundo Mônica Bergamo, colunista da Folha:

  1. Via Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que investiga irregularidades nas contas de campanha de Dilma. Se o seu diploma de presidente for cassado, seu vice Michel Temer (PMDB, mesmo partido de Cunha) também cai. A cassação abriria uma outra polêmica: ao lugar de Dilma deveria ser conduzido o segundo colocado da eleição presidencial Aécio Neves; ou o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha; ou seriam convocadas novas eleições (onde os dois poderiam ser candidatos)?
  2. Um processo de impeachment no Congresso ainda com base no escândalo de corrupção da Petrobras. Dilma era a presidente do conselho de administração da estatal entre 2006 e 2010, quando vários dos negócios sob suspeita ocorreram. Nesse caso, Michel Temer viria a substituí-la.

Em qualquer cenário, Cunha sairia fortalecido. Ou com a própria nomeação para presidente da República mesmo nem tendo sido o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro — teve 232 mil votos contra 464 mil do ultra-reacionário Jair Bolsonaro (PP). Ou com a preferência para uma cada vez mais provável indicação como candidato próprio do PMDB à uma futura eleição presidencial.

A aprovação da redução da maioridade penal na Câmara cumpre uma espécie de “agenda de campanha” para Cunha. O deputado aposta na lógica de que os fins justificam os meios para ficar reconhecido entre a população como o pai da proposta — que agrada 9 entre 10 brasileiros, segundo pesquisa do Datafolha, diga-se de passagem.

Sabe-se lá que posto na política do país Cunha já estará ocupando quando a Justiça analisar a constitucionalidade da proposta de redução da maioridade penal — o que dificilmente ocorrerá ainda neste ano. O presidente da Câmara certamente sabia que podia tirar vantagem da morosidade do sistema para se consolidar cada vez mais como o poderoso chefão da política brasileira.

Você está preparado para ver Cunha ser promovido de articulador-mor a presidente da República sem que tenha recebido um único voto para isso?

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