Onde está o Amarildo? Pergunta permanece sem resposta, assim como outros casos de desaparecimentos (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Por que a polícia do Rio não dá prioridade aos desaparecidos

Dois anos após emblemático sumiço de Amarildo, o cenário é o mesmo: número assustador de casos

Giuliander Carpes
Trombone Media
Published in
6 min readJul 15, 2015

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Se liga, já faz dois anos que o pedreiro Amarildo de Souza desapareceu na favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro. Ou melhor, "foi desaparecido". O caso ganhou repercussão internacional devido à enxurrada de manifestações que ocorriam na mesma época, em junho e julho de 2013. "Onde está Amarildo?" virou um dos mantras repetidos durante os protestos. Uma pergunta ainda sem resposta.

O que se sabe até o momento é que mais ou menos 25 policiais militares — inclusive integrantes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) — teriam supostamente participado do "desaparecimento" de Amarildo. Segundo investigações da polícia civil e do Ministério Público, o pedreiro não teria resistido a uma sessão de tortura em plena sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. O UOL fez um resumo interessante do caso.

Amarildo não é o único caso dos chamados "desaparecimentos forçados" ocorrido no Rio nos últimos anos. "Quantos outros Amarildos não desapareceram?", é uma pergunta feita pela viúva do pedreiro, Elisabete Gomes da Silva, nessa outra reportagem do UOL escrita por Paula Bianchi. Anualmente, desaparecem mais de 6 mil pessoas no estado do Rio de Janeiro.

No início de 2014, publiquei uma reportagem na Agência Pública que apresentava pelo menos dois outros casos de "Amarildos esquecidos" — um desaparecido por milicianos, outro por traficantes. Um outro caso que tinha envolvimento de policiais militares foi deixado de fora do material final por falta de provas. Recentemente, o sociólogo Fábio Alves de Araújo publicou o livro Das técnicas de fazer desaparecer corpos com histórias de pelo menos outros 15 desaparecimentos forçados.

Apenas alguns poucos casos de desaparecimentos ganham as manchetes de jornais. Alguns exemplos são os da engenheira Patricia Amieiro e o da irmã do lutador de MMA Vitor Belfort, Priscila. Outros tantos permanecem no esquecimento total, sem investigação.

Abaixo listo cinco motivos que explicam por que o número assustador de desaparecimentos não tem sido enfrentado pela polícia do Rio:

1. Outros problemas são prioritários

Nos últimos meses, casos estúpidos de violência — como o assassinato de um cardiologista por causa de uma bicicleta na Lagoa e o de um homem na estação Uruguaiana do metrô — aumentaram a sensação de insegurança da população e as cobranças ao governo do estado. As estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP), no entanto, dizem que o número de assassinatos tem diminuído. Controlar essas estatísticas e a sensação da população é uma das prioridades da secretaria de segurança.

Outra prioridade é recuperar as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), um dos pilares das últimas campanhas eleitorais do PMDB ao governo do estado com Sérgio Cabral e, mais recentemente, Luiz Fernando Pezão. As UPPs passam provavelmente pelo seu momento de maior descrédito desde que começaram a ser implementadas. O início dessa fase se deu curiosamente com o desaparecimento de Amarildo de dentro da sede de uma delas e com o envolvimento de policiais.

Envolvimento de policiais de UPPs em esquemas de corrupção com traficantes piorou a credibilidade do modelo. Para completar, grupos criminosos perderam totalmente o respeito pelas guarnições policiais das UPPs e nunca fizeram tantas vítimas entre os seus soldados. As Unidades de Polícia Pacificadora parecem ter perdido o controle dos territórios que ocupam. A manutenção das UPPs é uma condição básica para a segurança dos Jogos Olímpicos do próximo ano — promessa feita ao Comitê Olímpico Internacional (COI), inclusive.

Esse contexto coloca os desaparecimentos bem no pé da lista de prioridades da secretaria de segurança.

A viúva de Amarildo: há dois anos na luta para pelo menos enterrar o corpo do marido dignamente (Mauro Pimentel/Trombone)

2. Cortes no orçamento da segurança

Não bastasse a escalada de problemas, a segurança ainda precisa lidar com cortes no seu orçamento. Quando realizei a investigação sobre desaparecidos esquecidos, uma fonte da secretaria de segurança de Minas Gerais me contou que o investimento do Rio de Janeiro em segurança já era quatro vezes menor que o de MG, por exemplo. Para completar, o governo estadual anunciou esse ano cortes de mais de R$ 4 bilhões no seu orçamento.

A segurança, que já havia perdido investimentos privados de nomes como Eike Batista nos últimos tempos, sofreu um baque de pelo menos mais R$ 85,5 milhões por conta da crise econômica. Sem investimento, é impossível melhorar a segurança. Quando há menos dinheiro disponível, a tendência é que se invista o maior montante nas áreas prioritárias — o que não é o caso dos desaparecimentos.

3. Falta de um estudo sobre os motivos dos sumiços

Há pelo menos dois anos, com o sumiço de Amarildo, os desaparecimentos forçados viraram um tema de discussão mais presente na imprensa, no poder legislativo e entre especialistas. Nesse período, o governo tem tentado, sempre com base em estatísticas inconclusivas, dizer que a grande maioria dos casos de desaparecimento são resolvidos e não se tratam de homicídios encobertos.

Quando escrevi a matéria dos desaparecidos e esquecidos, o governo estipulava que a taxa de resolução dos casos de desaparecimentos era maior que 70%. Nessa semana, em outra reportagem do UOL, a delegada Elen Souto, da Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDP) estima que 8 em cada 10 desaparecidos retorna para casa. A taxa de resolução de investigações de sua delegacia, no entanto, está em apenas 48%, segundo informações da própria secretaria de segurança.

Se pegarmos a estimativa mais favorável ao governo, 20% de 6 mil desaparecidos é igual a 1.200 pessoas. Ainda é muita gente com o paradeiro desconhecido. O delegado Orlando Zaccone defende um estudo mais aprofundado sobre o tema para entender os motivos dos desaparecimentos. Mas a secretaria de segurança ainda não se mexeu.

4. Combate frouxo às milícias

Especialistas suspeitam que a maior parte dos desaparecimentos forçados não é causada por traficantes ou por policiais militares durante suas funções, mas sim por milicianos — policiais militares aposentados, afastados ou fazendo bico que controlam a "segurança" de determinados territórios.

A secretaria de segurança afirma que nunca se prendeu tantos milicianos com a Delegacia de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco). Mas estudos dão conta de que o número de milícias no estado tem aumentado.

Michel Misse, sociólogo do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu) da UFRJ, afirma que é necessário implantar uma força-tarefa para enfrentar o problema das milícias. Ressalta, no entanto, que o combate é difícil porque muitos integrantes desses grupos ainda têm laços fortes com a polícia.

5. Invisibilidade

Por conta de todos os motivos anteriores, os casos individuais de desaparecimentos acabam não conseguindo quebrar uma redoma de invisibilidade. "A lógica do 'se não há corpo, não há homicídio' ainda é muito forte na polícia. Se eles têm casos claros de homicídio para investigar e já não dão conta, pensam que não há por que investir tempo e esforço em casos de sumiços em que nem se sabe o que aconteceu", explica Misse.

Se o problema não aparece, não vira notícia na imprensa, ele não existe. Se ele não existe, a secretaria de segurança não faz questão de se preocupar com ele de verdade.

Você acredita que os desaparecimentos vão virar prioridade da polícia do Rio algum dia?

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