Por que deixei o jornalismo de lado pra dirigir pro Uber

Giuliander Carpes
Trombone Media
Published in
8 min readJul 29, 2015

--

Entenda o que levou um fotojornalista carioca a se juntar ao polêmico serviço que revolta os taxistas

Depoimento de Adriano Simplício*, fotojornalista e motorista, 41 anos

Afinal, por que alguém se torna motorista do Uber? Vale a pena? O serviço realmente compete com o táxi? Qual é o seu diferencial? São perguntas complexas que têm inúmeras respostas diferentes para pessoas diferentes. Conhecemos um dos primeiros motoristas do Uber a trafegar pelo Rio de Janeiro.

Coincidentemente, ele antes trabalhava como fotojornalista. É, portanto, também uma "vítima" das mudanças tecnológicas como ele mesmo explica — não tinha como competir com as fotos tiradas pelo celular e disponibilizadas de graça aos jornais e portais pela internet. Consequentemente, a grana estava ficando curta, ele tinha um carro legal… Uma coisa levou à outra.

Conversamos com ele na última sexta-feira, o dia em que os taxistas pararam o Aterro do Flamengo. E ele tinha constatações interessantes a fazer sobre o serviço e a guerra pela opinião pública. Segue o relato:

A ideia inicial

"Eu trabalhei num jornal popular carioca, depois para agências, trabalhava na pista. O que acontece foi que depois que começou esse negócio de celular com internet, essa parada toda, para a gente que vivia de foto vendida, andar com aquela parafernália (câmera, lente, notebook, mochila…) complicou. Aquilo tudo um cara com um celular na hora já postava, mandava, dava de graça pra agência até. Pra gente que vivia de foto vendida era bem complicado, caiu bastante nosso mercado. Aí só ia caindo, eu estava com o carro parado na garagem… Conversava com um, reclamava com outro, aí me disseram “pô, cara, tu tem um carro bacana, bota pra fazer transporte executivo”. E comecei trabalhando em transporte executivo, numa cooperativa num hotel da orla aqui do Rio. Conheci o Uber através de um cliente que morava fora, usava e comentou comigo. Coincidentemente, o Uber tinha acabado de chegar no Brasil, eles chegaram em maio do ano passado, um pouco antes da Copa. No dia 28 de maio, eu já estava sendo parceiro do Uber. Já estou há mais de um ano aí. Mas ainda faço umas fotinhos, tô jogando nos dois times, o negócio é pingar (risos)."

(Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas)

O processo para virar motorista

"Pra ser parceiro do Uber, você faz um cadastro pela internet dizendo que você tem a intenção. O Uber vai levantar seus dados, você vai cumprir algumas exigências. Você tem que fazer um teste online, tem que ter um carro dentro dos padrões do Uber (sedan, preto, no máximo três anos de uso), tem que ser motorista profissional (precisa ter na habilitação que exerce atividade remunerada, de motorista). As pessoas acham que qualquer um pode ser parceiro do Uber, mas não é bem assim. Se você tiver curso de direção defensiva, direção evasiva, anti-sequestro, primeiros socorros, ajuda muito. Eu tenho esses cursos, sou ex-militar e tive a oportunidade de fazer todos pela Marinha. Fora que um tempo atrás até fiz a reciclagem. Você tem que ter tanto a certidão de antecedentes criminais da polícia civil do estado quanto a da polícia federal. Você vai numa reunião com o pessoal do Uber onde te explicam tudo isso. Eles te mostram o uso do aplicativo. Você vai pra casa e pensa se é isso que você realmente quer, se você quer realmente se tornar um parceiro do Uber. A maioria dos nossos parceiros tem curso superior, tem administrador, formado em educação física, até engenheiro na parada."

Dá mais dinheiro que o jornalismo?

"Com relação a ganhar muito mais como motorista do que como jornalista, também não é tanto assim, não. A gente tá tendo um gasto muito alto. Se puder, vou ficando com os dois… Retorno a gente tem, mas como todo serviço que demanda produtividade, é flutuante. O mercado deu uma caída, até mesmo com o Uber. Quando eu entrei havia poucos carros, hoje tem muito mais carro do que quando eu entrei. Aí, lógico, também deu uma caída no faturamento. A demanda é maior, mas o número de carros também aumentou muito. Não me arrependo de ter entrado, mas não vejo o Uber assim como investimento. Quer dizer, até vejo como um investimento pela regulamentação. Precisa dessa regulamentação. Ninguém está aqui para brincar ou passar tempo. Manter um carro desse nível não é barato. Os impostos que eu pago são os mesmos que uma pessoa física paga. IPVA e etc. A diferença é o meu MEI (microempreendedor invidivual). Eu não sou um taxista, daí não preciso ir pro Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) pra fazer vistoria do taxímetro, não tem necessidade disso porque eu também não tenho uma regulamentação específica. Não tenho nada que me ampare legalmente. Infelizmente, por jogada política, nós não temos isso ainda no Brasil.

(Foto: Gamma Nine Photography/Uber)

Os taxistas pressionam porque não querem concorrência, apesar do mercado exigir um transporte como o Uber. Até mesmo porque hoje o país incentiva você a comprar carro, mas não te dá recursos para manter esse carro. Combustível é um absurdo, as vias continuam a mesma coisa de 50 anos atrás, o trânsito, caótico, afogado. Daqui a pouco vai ter de haver rodízio de carros no Rio de Janeiro. E um transporte como o Uber, que pode ser compartilhado, é de utilidade pública. Acho que o mercado todo se volta para o Uber no futuro ou algo parecido com o Uber."

E os taxis não são a mesma coisa?

"Por enquanto não tem nada parecido com o Uber. O mais parecido são os táxis, infelizmente nossa frota de táxis é do jeito que é, esse lixo. Os caras não se preocupam em fazer uma atualização profissional, um curso de inglês ou espanhol ou de outra língua qualquer, mandarim que agora tá na moda. Há motoristas nossos que são trilíngues. Eu estou fazendo curso de inglês, já converso, mas muitos são fluentes. A demanda do mercado pede alguma coisa nesse nível. Cursos de direção, cursos de línguas, saber conversar, dar informação, prestar um serviço de qualidade e não enrolar o cliente. Se você chega no aeroporto, a empresa de lá impõe o cliente a entrar no carro dele.

Protesto de taxistas no Rio de Janeiro. (Foto Tania Rêgo/Agência Brasil)

O cara fica até com medo de dizer não, medo de apanhar. E, quando você entra no carro, o cara dá quinhentas voltas, faz um tour pelo Rio de Janeiro pra te deixar no teu destino. Acho que não é bem assim que a banda toca. O mercado não deve ser assim. Existem excelentes taxistas, mas a maioria não faz por onde. Com relação aos impostos, pago o mesmo que qualquer pessoa com o agravante que nenhum órgão de transporte quer regulamentar a profissão, mas todos querem aprender o seu carro por exercício ilegal da profissão. Já tive uma experiência dessas, não foi legal. No meu ver, estou trabalhando de forma honesta, não estou enrolando ninguém."

Rolezinho

"Pelo aplicativo não tem como você dar volta a mais. A gente faz o caminho mais rápido pelo Waze. Não tem como ludibriar o passageiro. Nenhum parceiro tem como manipular o aplicativo. E tem a vantagem do cliente não precisar andar com dinheiro. Posso pegar um japonês que não fala uma palavra de inglês, o cara vai ter no aplicativo dele o endereço de onde ele está e o endereço pra onde ele vai. Ele não precisa trocar uma palavra comigo, vou deixá-lo lá tranquilamente e ele pode acompanhar o itinerário pelo mapa. O mercado pede o Uber, sim. E os taxistas que se adaptem, assim como os carteiros se adaptaram ao e-mail. O faturamento dos Correios caiu absurdamente depois que inventaram o e-mail, mas nem por isso a empresa faliu. Acredito que com o Uber vai ser a mesma coisa."

O medo de apanhar

"Com relação a esses conflitos, nunca tive problema. A gente anda com cautela. Eu fico cismado. Quando a gente encosta num posto para abastecer o carro com gás, todo posto sempre tem um taxista. Os caras olham de lado, ficam cochichando. A gente repara nessas coisas. É bem complicado, a gente trabalha com certo receio. Por que tem problema. No WhatsApp estava rolando um vídeo aí de uns caras que tocam fogo, furam pneu, usam de agressão. Então é complicado. Não é que a gente anda com cautela que está protegido, mas graças a Deus eu nunca tive. Já soube que aconteceu com um colega nosso. A gente tenta se precaver de atrito."

(Foto: Gamma Nine Photography/Uber)

Aceitação

A aceitação do público brasileiro está excelente, não podia ser melhor. Com essa manifestação dos taxistas, até rodei pela manhã, teve uma demanda 20 vezes maior só num único dia. Taxista fala tanto que a maior publicidade do Uber tem sido feita pelos taxistas. Obrigado a eles por fazer isso pela gente. Todo mundo fala do Uber e as pessoas que não conhecem acabam tendo curiosidade de saber como é isso. Aí só cresce. Ultimamente eu tenho feito muitas viagens com novos usuários. Tenho o costume de perguntar há quanto tempo que a pessoa usa o serviço. A gente tenta mostrar um serviço de excelência. Todos nós somos e trabalhamos como profissionais.”

Gostou do texto? Recomende. O Trombone agradece a sua ajuda para divulgar nosso conteúdo. Tem algo a acrescentar? Escreva uma resposta. Estamos aqui para conversar. :)

  • Adriano Simplício é um nome fictício. A identidade real do motorista do Uber será mantida em sigilo para garantir sua segurança.

Siga o Trombone: Facebook | Twitter | Instagram | Youtube

--

--