A memória é um trago de passado

Simbolismo da Fafich e o começo do curso de Comunicação na década de 1960 demonstram a necessidade de luta constante

Tubo de Ensaio
Tubo de Ensaio
27 min readDec 4, 2018

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Sábado, 5 de outubro de 1968

Desde aquele fatídico dia, uma sensação incômoda na nuca te persegue. Um gosto amargo na boca te faz conferir as trancas de casa duas vezes e olhar para os lados constantemente. O irônico primeiro de abril de 1964… e até agora tudo que você queria era que fosse mentira. Entretanto, existe uma energia genuína de identificação e você sente que, apesar do que eles dizem, ainda somos os mocinhos, lutando pela democracia.

Isso permite que você continue saindo da cama em dias como hoje, um sábado, e se dirija até a Faculdade de Filosofia. Com a reforma universitária de 1968, a Universidade de Minas Gerais se tornaria a Universidade Federal de Minas Gerais e a Faculdade de Filosofia (Fafi) passaria a se chamar Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich). 1968 ainda seria um ano de outras transformações, em sua maioria, bem negativas.

Apesar do novo nome, ainda estavam no prédio os cursos de Física, Química, Biologia, Psicologia, Comunicação Social, Filosofia, História, Geografia… Era um lugar poderoso, recheado de mentes questionadoras em ebulição. Assim sendo, e graças também a sua localização geográfica, a Fafich era central no movimento estudantil, juntamente com as faculdades de Direito e de Medicina da UFMG. Mas vocês não são os únicos cientes dessa “vantagem”.

Oito e pouca da manhã e o sol começa a despontar em raios fortes. Já está calor e você bate as mãos nos jeans, conferindo: carteira, chaves de casa, maço de cigarros. “Nunca se esqueça da cédula de identidade”, repete mentalmente. Você passa direto pelo Diretório Acadêmico, caminhando pela lateral da faculdade. O DA é óbvio demais e nenhuma discussão efetiva poderia acontecer ali, pois estar naquele espaço significava a vigília de mil olhos.

Em vez disso, uma parada na mureta da Fafich — um muro de arrimo baixo que fazia o contorno do prédio da Carangola, 288. É ali, de fato, que os estudantes conversam, fumam seus cigarros e trocam informações. Fumar parece uma das poucas distrações possíveis no cenário de tensão — você já se comprometera consigo mesmo a parar quando a situação melhorasse.

Não demora muito até que vê alguém conhecido. Um amigo da História, com seus cabelos esvoaçantes e olhos injetados como quem não dormiu noite passada. Quase passa direto por você, então dá dois passos para trás. Ele faz questão de te lembrar: “A reunião” — sussurra tão baixo que é preciso fazer leitura labial. Ele olha ao redor, justificavelmente paranoico. “Cê vai?”.

Você espera que outro grupo de estudantes passe. Não se sabe mais em quem se pode confiar, e vão ficando cada vez mais calados. Você o encara nos olhos e acena com a cabeça positivamente. “Cigarro?”. Ele aceita e você o deixa quando uma garota chega, abraçando-o pelo pescoço. Dá um sorriso fraco. A felicidade também é uma forma de resistência.

Entra, enfim, na universidade. Sobe a rampa até o térreo, as escadas para o segundo andar. Andando pelos corredores, você tem de novo aquela sensação incômoda, só que mais forte. Em vez de ser vigiado pelas costas, é encarado de frente. Você aprendeu a sustentar o olhar, por mais que quisesse desviá-lo. Não estou fazendo nada de errado. Eles que deveriam abaixar a cabeça.

Você acena negativamente e quase solta uma risada, tão ridícula a situação parecia às vezes. Sente-se vivendo numa peça de teatro ruim, onde o vilão é revelado no primeiro ato. Todo mundo imagina quem eram os infiltrados. Vestidos em calças e blusas de tergal (estilo social), pasta debaixo do braço e aquele olhar de superioridade e irritação. As anotações que faziam eram nomes? Marcações de pessoas aparentemente ameaçadoras? Você jamais saberia…

Chega a sala junto com o professor, que te cumprimenta com um sorriso complacente. O curso de Jornalismo ainda estava em construção e os docentes vinham de diversos lugares: advogados, economistas, historiadores formados pela prática, tentando sistematizar a teoria. De repente, seus devaneios são interrompidos por um burburinho vindo do lado de fora da universidade.

– Ninguém sai da sala — pede o professor.

Você se aproxima da janela, imitando os colegas de turma. Lá embaixo, na mesma rampa que você subiu há mais ou menos uma hora, estava uma horda de militares. Sente vontade de vomitar e uma tontura se espalha por seu corpo, como se já tivesse sido atingido por algum daqueles cassetetes. Você se apoia numa mesa para não cair e pisca diversas vezes.

A reunião. Eles souberam. Como? Pensa no rosto dos infiltrados que viu nos últimos dias e sente a raiva subir. Fecha as mãos em punhos, trava o maxilar. Não teme por si, mas por todas as lideranças estudantis que você sabe que estavam na faculdade hoje. Naquele tempo, o prédio da Carangola se aproximava mais de uma identidade geral do que alunos específicos e identificáveis desse ou daquele curso. Todos estavam no mesmo barco.

Os medos estão ali, intrincados e confusos na sua cabeça. Prisão, tortura, morte… e pelo quê? Pelo direito à informação, pela liberdade política, pela liberdade de expressão. Que infelicidade ter que lutar por coisas que deveriam ser de todos. Ao mesmo tempo, era um conforto saber que não estava sozinha nessa batalha.

– A reunião — você repete.

– O quê? — o professor pergunta, mas você não responde.

Sai correndo, descendo as rampas em direção ao subsolo. Nunca tinha achado a Fafich tão grande como agora, correndo para avisá-los. Escancara a porta da sala onde acontecia a reunião da União Estadual dos Estudantes (UEE) e precisa parar para respirar. Encara os rostos familiares e inocentes, respira pela boca e tenta falar oitavas acima de seus próprios batimentos cardíacos.

– Cercaram o prédio — você diz, e agora que diz parece mais real — Querem invadir a Faculdade. Vamos para os andares de cima!

Você escuta alguns palavrões enquanto correm em conjunto, perguntas de “como descobriram” e “devíamos ter contado ao professor Bessa”. Pedro Parafita de Bessa, diretor da faculdade, também não sabia da reunião. Alguém dá a ideia de preparar barricadas e logo todos estão esvaziando as salas, posicionando cadeiras e mesas no meio do caminho, obstruindo as rampas que ligam um andar a outro, para dificultar ao máximo o acesso aos andares superiores. Os elevadores são desligados, cortaram as linhas telefônicas, com uma única exceção.

O que será de nós? Se pergunta e se sente exatamente num cenário apocalíptico. Não fora você que, nessa manhã, andara pela rua normalmente, fumara um cigarro, conversara com um amigo e então seguira para a aula? E agora era esse mesmo você que dividia uma sala com pessoas aterrorizadas, chorando e tremendo, se perguntando se sairiam dali com vida.

O som do telefone tocando ocupa todo o andar. Silêncio geral, todos querem escutar do que se trata. Era o professor Bessa. Ele orienta a não ceder à proposta dos militares de levantar o cerco em troca de nomes do movimento estudantil. Você sente medo depois que o telefone é desligado, porque pessoas acuadas são imprevisíveis. A resistência parece óbvia para você, mas e para os outros?

Fisicamente fora da Fafich, o diretor age. Faz contato com o exército, com o vice-presidente Pedro Aleixo e o senador Milton Campos. São muitas horas de negociação, de ligações, de tensão. Toda vez que o telefone toca, o prédio inteiro da Fafich para para ouvir.

As próximas horas são confusas. O medo coletivo se instaura até nas pessoas mais corajosas, que colocam o rosto à mostra no telhado enquanto jogavam pedras nos militares. Medo. E ele não acaba quando há um acordo. Quando as pessoas começam a deixar o prédio, em sua insegurança. Porta-malas de carros, grupos de cinco, não menos que isso.

Você é abraçado quando chega em casa e não consegue conter as lágrimas que ficaram presas na garganta durante todo o dia. Escuta te mandarem parar. Largar o curso, não se envolver com essa gente. Mas, se não lutasse, quem lutaria? Se não se posicionasse, quem o faria? Dizer não à luta era dizer sim à ditadura, e você jamais concordaria com isso. Então você toma um banho, tenta limpar do corpo a toxicidade daquele dia, mas deita na cama com a certeza de que está do lado certo.

A situação, ao contrário do que você pensa, vai piorar dali para frente. Cerca de mil estudantes seriam presos no dia 12 de outubro, no Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), que aconteceria em Ibiúna, no estado de São Paulo.

O Ato Institucional n° 5 entraria em vigor a partir do dia 13 de dezembro do mesmo ano, dando à ditadura poder praticamente absoluto. Tempo negro. Temperatura sufocante. Ar irrespirável, com o país sendo varrido por fortes ventos, como sintetizava a capa do Jornal do Brasil.

No ano seguinte, em 26 de fevereiro de 1969, foi imposto o Decreto-Lei nº 477, que definia infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino. Devido à 477, o professor Pedro Bessa seria “aposentado” e afastado da Fafich.

Decreto-Lei nº 477, de 26 de Fevereiro de 1969

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o parágrafo 1º do Art. 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968,

DECRETA:

Art. 1º Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:

I — Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento;
II — Atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dêle;
III — Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dêle participe;
IV — Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza;
V — Seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro de corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno;
VI — Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública.

(…)

O que seria da universidade, de seus professores, do país? Como poderiam disseminar o conhecimento sob tantos olhos e tantas ressalvas? Como continuar resistindo em tempos de chumbo? Então você vai continuar fumando seus cigarros…

“Faz tempo que a gente cultiva a mais bela roseira que há” — a história de um curso

Uma vez acumulado no organismo — dizem químicos e biólogos –, o chumbo prejudica o cérebro e outros órgãos. Ele era usado na gasolina desde o início do século passado e, na década de 1970, começa-se a discutir o perigo de sua poluição na atmosfera. Inclusive, pasme, há estudos que relacionam a concentração desse poluente com o aumento da criminalidade, partindo do pressuposto de que o aumento da agressividade é, entre outras alterações de comportamento, uma de suas consequências.

E o chumbo estava no ar. Era chumbo grosso. Era chumbo quente. Na atmosfera do simbólico, a substância também tinha seus efeitos bem concretos. Mas vocês eram estudantes. Vocês viveram a época. Fizeram Jornalismo na Fafich em plena ditadura. E de um reencontro pode surgir algo do tipo:

— Nossa turma era equilibrada: tinha homens e mulheres no mesmo tanto. Eu tava olhando fotos de maio de 68 e nós éramos os mesmos! — comenta uma colega saudosista.

— Nós éramos uma geração diferenciada… A gente tinha rebeldia — você retruca, enquanto sente certo arrepio.

— A Marísia era muito ligada aos festivais de música, lembra? — emenda um terceiro, sobre a aluna da turma de 1967–1970.

— É, o povo levava pra faculdade muita preocupação cultural, muita coisa bonita… Tinha uma vontade de mudar o mundo. Na verdade a nossa geração, se pudesse sintetizar, é isso: a gente achava que podia mudar o mundo — diz a primeira, olhando as mãos. Têm os que não acham mais…

— Era uma turma muito unida, porque muitos de nós eram do interior… O Durval, por exemplo, colega da Marísia, era de Almenara — relembra aquele com memória de elefante. E aqui era um ponto de convergência, né?

— Belo Horizonte era nossa praia… — e sua garganta seca, diferentemente dos olhos.

O curso de Jornalismo da UFMG nasce em 1962. Foi uma articulação entre o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais e a Universidade, ainda nomeada de UMG (Universidade de Minas Gerais). Peças fundamentais para isso foram os jornalistas, sindicalistas e primeiros professores do curso José Mendonça, Anis Leão e Adival Coelho. Ainda na década de 1950, uma tentativa de fundação do curso havia sido feita. Mas, como explicam Anis e Adival em entrevista ao Projeto Memória, havia resistência por parte de alguns professores e essa proposta de 1957 foi recusada.

Planejamento. Diários com colagens e textos usados pelos professor José Mendonça revelam a história do curso de jornalismo. Foto: Janaína Almeida

Naquela época, o Centro Internacional de Estudos Superiores de Comunicação para a América Latina (CIESPAL) buscava orientar os vários cursos de Jornalismo que nasciam no continente. Criado com apoio dos Estados Unidos no mesmo ano da Revolução Cubana (1959), o CIESPAL é visto como parte dos planos imperialistas para ficar de olho no avanço do anticapitalismo no continente. Por outro lado, as discussões e a formação que o Centro proporcionou a partir da participação dos latino-americanos também é vista por comunicólogos por um viés anti-imperialista ou, no mínimo, voltado para a nossa realidade de imprensa e comunicação. Nesse cenário contraditório, foram vários os cursos de jornalismo criados pelo país.

Ano de surgimento dos cursos superiores de jornalismo até 1969

Fonte: Fernanda Lopes. Dados recolhidos pela pesquisadora em 2009 no Sistema Integrado de Informações do Ensino Superior — SiedSup (www.inep.gov.br).

Carreiras de Jornalismo que cresceram em meio ao chumbo. Após 1968, com a já mencionada reforma universitária, floresce um chamado curso polivalente de Comunicação Social. Assim decretava o Conselho Federal de Educação, por meio do Parecer nº 631/69:

“Art. 1º: A formação de profissionais para as atividades de jornalismo, escrito, radiofônico, televisado e cinematográfico; de publicidade e propaganda; de editoração; de documentação e divulgação oficiais e de pesquisa de Comunicação, será feita no curso de graduação em Comunicação Social do que resultarão grau de bacharel, de habilitação polivalente, ou com menção apenas das habilitações específicas.”

Com isso, o curso formava os alunos também para atuarem em Publicidade e Propaganda e Relações Públicas, apesar de disciplinas voltadas para essas áreas já aparecerem em versões prévias do currículo. Mais tarde, em 1975, o curso deixaria de ser polivalente e as três áreas passariam a ser habilitações a serem escolhidas no percurso do aluno.

Em um cenário em que não se sabia ainda muito bem como ensinar Jornalismo, Relações Públicas ou Publicidade, a ideia do currículo era a combinação entre técnica e formação humanística, apontam Gleida Naves e Itamar de Oliveira, formados no ano de 1970.

“A Fafich nos acolheu, mas a gente era um pouco ‘corpo estranho’ lá, sabe? Porque lá era Ciências Humanas, mas a gente era quase que um curso profissional, técnico”, recorda Itamar, professor aposentado do curso em que se formou. Apesar desse estereótipo, ele comenta que faltavam equipamentos e que as condições laboratoriais do curso eram um pouco precárias.

Dessa forma, os alunos procuravam profissionalização em estágios e outras oportunidades no mercado. E os professores, em maior ou menor grau, ajudavam nesse processo. “Eu tive um professor que era o Jacques do Prado Brandão”, relata Itamar. “Ele era um professor carrancudo, feio, falava mal… No primeiro contato com ele, você achava ele um professor horrível! Mas quando você procurava ele pra qualquer coisa, pra te orientar numa reportagem — igual eu que já tava trabalhando — esse cara sabia tudo: ele tinha fonte, conhecia teatro, conhecia música…”, recorda empolgado e conta que trabalhava no jornal O Diário, à época.

A formação humanística que ele enxerga como base da experiência prática do docente de Redação de Jornalismo é, para Gleida, o que ela mais valoriza como a essência da faculdade em que se formou. “Não que o curso não tivesse defeitos, mas acho que eu podia ter aproveitado melhor as aulas: nós tivemos as melhores cabeças de BH [como professores]”, enfatiza, marcando as palavras.

Dona de uma memória primorosa e de um currículo forte na área de planejamento estratégico da comunicação, ela relembra genialidades, trejeitos e bordões dos antigos mestres. “Moacyr Laterza é talvez um dos maiores nomes da filosofia da arte no país…” E revela seu jeito em sala de aula: “ele falava andando, de cabeça baixa e com as mãos para trás. Parecia ‘doido’, mas era inteligentíssimo!”

Diversidade. Conteúdos amplos marcavam primeiros programas de disciplina do curso. Fonte: Arquivo Fafich

De Tarcísio Ferreira, professor de Literatura, Gleida cita uma de suas frases preferidas: “daqui a 500 anos o mundo vai estudar português para ler Drummond no original” — proclamava o perito no escritor mineiro. E por falar em português, o professor fundador José Mendonça também marcou as lembranças de sua aluna como sábio: “falava baixinho, com muita precisão na escolha das palavras: era especialista em Língua Portuguesa!”, revela, elogiosa.

Para além dessa valorosa formação humanística das aulas, tal como Itamar, Gleida afirma que foi nas experiências de mercado que ela aprendeu a fazer, de fato, comunicação. Ainda assim, como o exemplo de Jacques Brandão, tiveram professores que foram fundamentais nessa iniciação profissional.

Plínio Carneiro, professor de Relações Públicas, havia conseguido, naquele período, um convênio com a Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social (MUDES) que, como lembra Itamar, gerava boas oportunidades de estágio. “O aluno começava a prestar serviço, por exemplo, em uma empresa de engenharia e dali a pouco estava empregado. O Plínio abriu horizontes pro curso”, relata.

Considerado o pai de Relações Públicas no curso, talvez tenha sido um dos primeiros docentes a ter se formado nele — sugere Maria Beatriz (Bia) Bretas, aluna e estagiária de Carneiro, formada em 1976. Segundo Bia, também professora aposentada da UFMG, ele tinha uma grande preocupação com os alunos, especialmente com sua formação. “Plínio era jornalista, assessor de comunicação do reitor Aluísio Pimenta. Criou um serviço chamado Relações Universitárias. Com isso, os alunos estagiavam na Reitoria por intermédio dele”, explica. Isso possibilitava, também, o estágio em outras unidades da universidade.

No rol de mestres, tantos outros foram arquitetos daquele curso em formação… Aulus Safar e Renato de Pinho são considerados os pais da Publicidade e Propaganda. Safar representa a ligação com a Faculdade de Ciências Econômicas, possibilitando a oferta de disciplinas da área. Pinho, como lembra o colega de departamento professor Paulo B. Vaz, era o “zeloso guardador da Publicidade”: professor de Redação Publicitária famoso no mercado, essa foi a disciplina que o marcou ao longo de toda a sua vida docente. “Extravagante no jeito de ser; tradicional e aplicado no ensino do ofício”, sintetiza Paulo.

No convívio em sala de aula, no relacionamento com os professores, muitas vezes o cultivo de outras virtudes — singulares e coletivas, de dimensões humanas para além da política — era uma forma de sobreviver e resistir. Era uma forma de talvez deixar menos amarga a bebida, de deixar menos pesado o ar de chumbo. Não deixavam de ser ou sustentar, inclusive, o fazer político.

“Afasta de mim esse cálice” — o grito pela liberdade

Estudar Comunicação era, para muitos, espécie de destino, missão. Jurandir Persichini se formou em 1970 em Jornalismo e atualmente milita pelas causas ambientais. Persichini, como prefere ser chamado, tem uma relação complexa com o seu “Jurandir”. É que a palavra de origem tupi-guarani também era o nome do tenente que participou do massacre de Ipatinga, em 1963.

Persichini ingressou no curso de Jornalismo para denunciar as atrocidades que ocorreram com ele e seus companheiros da Usiminas. O militante conta que trabalhava na indústria e fazia Engenharia Metalúrgica em uma faculdade em Timóteo, mas largou tudo para vir para Belo Horizonte cursar jornalismo e denunciar a chacina que ocorrera na empresa.

Oficialmente, os dados indicam que 8 pessoas foram mortas e 80 ficaram feridas no atentado. Contudo, de acordo com Persichini, 44 pessoas teriam morrido em decorrência da truculência dos vigilantes da empresa e dos soldados da PMMG (Polícia Militar de Minas Gerais), após uma revolta em massa dos trabalhadores pelas condições precárias a que eram submetidos e pela repressão da polícia e dos vigilantes no local de trabalho.

Quando ainda cursava o ensino básico, Persichini já se inclinava para a Comunicação. O militante conta que produziu um jornal “subversivo” para a escola quando essa palavra ainda “nem existia”. Em 1967, produziu o jornal Liberdade com colegas do curso na Faculdade de Filosofia e usou o espaço de uma das publicações para denunciar o massacre ocorrido na Usiminas.

Persichini retornou à indústria para distribuir os jornais aos seus colegas operários, mas foi preso e brutalmente torturado por policiais que queriam saber os nomes dos demais alunos vinculados ao periódico. “Fui preso entregando ‘Liberdade’. Fui muito empolgado, porque havia saído de Ipatinga para fazer Jornalismo e contar a história da violência do massacre. Quando fui preso, fui muito espancado, fiquei sem água e comida, mas não revelei o que eles queriam”, recorda.

Após ser preso em Ipatinga, Persichini foi levado a Belo Horizonte para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e novamente torturado. Assim que foi solto, o então estudante retornou à universidade e, em 1968, foi eleito presidente do Centro de Estudos de Jornalismo (CEJ). “Meu concorrente nessa eleição era um padre mais reacionário. O grupo deles era mais CDF e chegou pra votar mais cedo, então a oposição achava que já tinha ganhado. Depois do almoço, nossa turma chegou e eu ganhei tipo de 90 a 10. Através do CEJ, nós conseguimos criar 72 estágios nas empresas para os estudantes de jornalismo”, completa.

A atuação de Persichini dá um bom panorama do que era, do que podia ser, afinal, estudar Comunicação Social na Fafich. O Liberdade, segundo seu colega de sala, Itamar de Oliveira, acabou sendo uma forma de os estudantes terem um importante papel lá. “Como a gente ajudava a fazer a comunicação do DCE, a gente era um polo de diálogo das tendências todas. Então nós começamos a ser, no Movimento Estudantil nessa época, um ponto de equilíbrio”, pontuou.

Assim, parece que o “corpo estranho” que representavam o curso e seus alunos acabou sendo, no melhor sentido, fagocitado por uma faculdade viva. Parece que a necessidade de união em tempos difíceis foi maior.

“Somos todos iguais, braços dados ou não”a forte presença feminina

Nos primeiros anos da Comunicação na Carangola, um detalhe chama a atenção. Durante a década de 1960 até o início dos anos 1970, a presença de mulheres no curso de jornalismo sempre foi maior que a dos homens (ver infográfico a seguir). Em 1964, por exemplo, ano de conclusão da primeira turma do curso de jornalismo da UFMG, 12 dos 23 formandos eram mulheres. Já em 1968, ano marcado pelo AI-5, de uma turma de 20 formandos, 13 eram mulheres.

E elas já tinham protagonismo. O Prêmio Geraldo Teixeira da Costa, por exemplo, criado a partir de 1966 para homenagear o melhor estudante da turma, nos cinco primeiros anos, foi concedido a cinco mulheres — Eleonora Fernandes Rennó (1966), Marilda Nogueira Teixeira (1968), Sílvia Tavares D. Gonçalves (1969), Marlene Alves da Silva (1970), Maura Eustáquia de Oliveira (1971). Somente em 1972, na sexta edição, um homem — Antônio de Pádua Souza Ferreira — recebeu a honraria.

Fonte: Acervo Dep. Comunicação Social da UFMG

Diva Moreira é uma das mulheres que se formaram em 1970. Ela se recorda de que, apesar da situação política do país, o clima era descontraído entre os estudantes. “Os DAs funcionavam, o cheiro de maconha exalava dos banheiros e a irreverência estudantil se fazia presente em todos os lugares”. No entanto, suas lembranças também a levam a momentos de tensão. Segundo ela, o DOPS recebia listas com nomes de alunos e professores supostamente comunistas. “Meu nome estava incluído, o que me tornava uma pessoa sem alguns direitos, dentre eles de não poder falar em público. Correu na época a informação de bastidores de que eu não fui presa porque o diretor Ernesto [Barlsted] impediu a entrada da polícia no local”.

Ela também participou de outras manifestações contra a ditadura, principalmente em relação a acordos que o regime tinha feito com os EUA e com multinacionais norte-americanas: “O exemplo de que mais me lembro foi a Coca-Cola. O movimento estudantil desencadeou um boicote contra o refrigerante. Desde então, nunca mais eu tomei Coca-Cola!”. Assim como Diva, outras mulheres participaram ativamente de movimentos políticos naquela época.

“Pois quem se arrisca a cair no alçapão?” — a mobilização política

Um bilhete. O remetente é Ângelo Pezutti, militante político preso pela ditadura militar. A destinatária: Orós, apelido usado para se referir a Linda Goulart, que estudou Jornalismo na UFMG a partir de 1965. Ela conta que nunca chegou a receber a mensagem, da qual só ficou sabendo anos mais tarde. Seu conteúdo era um pedido do companheiro detido para que ela entrasse em contato com Stela, codinome de Dilma Rousseff, ex-presidenta do Brasil, como parte de um plano de fuga em trama. Todavia, antes que chegasse às mãos das duas, o bilhete foi interceptado pelas forças da repressão. A história ficou conhecida após ser divulgada inicialmente pelos jornais Correio Braziliense/Estado de Minas, em junho de 2012:

Formanda da turma de 1968, Linda optou pelo curso de Jornalismo, à época, por se considerar uma pessoa curiosa e com habilidade na escrita. A preocupação com as questões sociais também foi um fator determinante na escolha. Desde jovem, o pensamento de esquerda fez parte de sua formação política, antes mesmo do ingresso na graduação, através dos valores herdados da família.

Em uma faculdade marcada pela convivência entre militantes de distintas organizações políticas, ela participou do grupo de esquerda COLINA (Comando de Libertação Nacional), proveniente da POLOP (Organização Revolucionária Marxista — Política Operária). Nos corredores do antigo prédio da Carangola, coexistiam ainda estudantes organizados na Ação Popular, associada à juventude católica, no Partidão (PCB) e em suas dissidências, bem como em setores ligados ao PCdoB.

Linda foi colega de sala de Jorge Batista Filho, que também atuou na COLINA e chegou a ser presidente do DCE da UFMG. Diva Moreira se recorda de ter participado de reuniões secretas com o líder estudantil. Ele “acabou sendo a primeira vítima da ditadura militar de nosso departamento”, pontua. Lembrado como um excelente orador, Jorge foi indiciado, em 30 de junho de 1969, e condenado por participar do Congresso da UNE e por pertencer a uma organização clandestina.

No engajamento mais direto com a militância, alguns alunos das turmas de Comunicação estabeleciam relações por toda a faculdade. “O pessoal mais politizado era muito ativo na mobilização com pessoas de outros cursos”, relata Linda. Para ela, um dos principais desafios, como estratégia de organização política naquele contexto, era “politizar as pautas do movimento estudantil. As organizações de esquerda tinham a ciência de que a luta era mais ampla”, referindo-se ao enfrentamento ao regime militar.

A mobilização da época no prédio da então Faculdade de Filosofia teve Idalísio Aranha, hoje homenageado pelo DA da unidade, como um de seus principais nomes. Ingressante no curso de Psicologia, sua batalha em prol da entrada efetiva dos alunos excedentes representou o início de sua militância no movimento estudantil. No decorrer da graduação, sua filiação ao PCdoB e o envolvimento do partido na luta armada fez com que ele interrompesse os estudos para participar da Guerrilha do Araguaia.

Antônia Aranha, irmã mais nova de Idalísio, professora aposentada da Faculdade de Educação da UFMG (FaE), conta que, ao sair de casa, o jovem militante justificou para a mãe a necessidade de partir: “Olha, minha velha, eu sou soldado do povo, eu vou para onde o povo estiver precisando de mim”. Sobre o dia da despedida, a caçula lembra, já com os olhos avermelhados pelos sentimentos provocados pelo relato: “eu me despedi dele e comecei a chorar desesperadamente. Ali eu tinha certeza de que eu nunca mais veria meu irmão”.

Somente muitos anos depois a família ficou sabendo da execução de Idalísio e das circunstâncias de sua morte. “Meu irmão [faleceu] depois do primeiro ataque, quando eles [os guerrilheiros] resolveram ficar em pequenos grupos”, narra Antônia. Os militantes contavam com a ajuda de alguns camponeses nas proximidades da mata. Porém, o exército já havia localizado aqueles que apoiavam os membros da guerrilha e estava à espreita.

“Os militares apareceram com muitas metralhadoras. Meu irmão sempre falava: ‘vivo não me pegam’. Idalísio tinha uma garrucha e começou a responder aos tiros, mas conseguiram metralhá-lo. Ele ainda tentou se esconder na mata, mas o pegaram e atiraram na cabeça dele”, relata a professora da FaE, que decidiu, juntos aos demais irmãos, não contar à mãe, sempre esperançosa de um possível retorno do filho, sobre a morte de Idalísio.

Para sempre, luta. Professora Antônia Aranha, irmã de Idalísio, morto por militares em 1972 Foto: Karina Custódio

Com o Ato Institucional nº 5 do governo Costa e Silva, “houve um esvaziamento do movimento estudantil com a repressão”, explica João Batista dos Mares Guia, que ingressou no curso de Ciências Sociais em 1967 e participou da militância no mesmo grupo que Linda Goulart. Ele pontua que “a ditadura ficou assustada com o 68 francês, com a aliança entre estudantes e trabalhadores”.

No Brasil, o mês de abril de 1968 assistiu à eclosão de uma forte greve metalúrgica em Contagem. Já em junho, a Passeata dos Cem Mil incomodou os militares. A inauguração dos inquéritos policiais-militares representou o recrudescimento da perseguição aos considerados “subversivos”. Mares Guia chegou a responder, incomunicável e sob tortura, a dois desses inquéritos, após ser preso no mesmo ano.

O professor Carlos Roberto Horta, do Departamento de Ciência Política (DCP) da UFMG, estudante de Filosofia no período, também se recorda da queda da mobilização política na FAFICH após o AI-5. “69 foi um ano mais silencioso. As lideranças estudantis principais foram sendo presas”, acrescenta. A ida de muitos alunos à luta armada teria causado um “certo marasmo na faculdade”, relata o docente, que integrou a Ação Popular e a Corrente Revolucionária.

Resistência. Professor Carlos Roberto Horta relembra os tempos de militância na Fafich durante os anos de chumbo. Foto: Karina Custódio

Em tom bem-humorado, ele resgata o primeiro golpe sofrido na vida, ao completar 7 anos de idade, quando, em razão do suicídio do presidente Getúlio Vargas, ficou sem presente de aniversário pelo fechamento de todas as lojas. Bebeto, apelido pelo qual costuma ser chamado, participou da Juventude Estudantil Católica antes do golpe militar, o que o aproximou da militância política. Ao entrar na graduação, logo começou a frequentar o DCE e a organizar eventos culturais.

Embora a antiga Faculdade de Filosofia tenha sido um prédio importante para a mobilização política na época, seu protagonismo era dividido com outras unidades, como o Direito e a Medicina. José Gonçalves Cangussu, que se formou em 1969, já atuava como repórter, estagiando em jornais de Belo Horizonte. Paralelamente ao jornalismo, ele fazia também o curso de direito.

“A gente já sentia de perto as pressões… A gente não tinha matéria, a gente não podia fazer. Eu corri muito nessa Afonso Pena aí, viu? Eu não fui preso várias vezes porque o comandante da tropa [Capitão Sabino] era meu colega na faculdade de Direito. Eles [os militares] iam para o Parque Municipal e ficavam lá. E aí vinham para cima da estudantada. Mas eu estava no meio não só como estudante. Eu estava também como repórter”. Em suas coberturas na Afonso Pena, Cangussu teve sorte. Outros colegas sofreram bem mais.

“Eu tive colegas, inclusive, mortos, tanto da faculdade de Direito quanto da faculdade de Jornalismo. O José Carlos [da Mata Machado, filho do senador Mata Machado, cassado pelo regime militar] era presidente do DCE, do diretório acadêmico da faculdade de Direito. O José Carlos foi preso e solto, à noite. Mandaram o José Carlos correr e atiraram pelas costas dele. Mataram o José Carlos. Eles sumiram também com um colega nosso do curso de Jornalismo, se não me engano, no segundo ou terceiro ano [1967 ou 1968], eu não me lembro mais: o Jaime. Eu não lembro o sobrenome dele. Eles sumiram com o Jaime. Era um menino de estatura pequena, baixo, jovem também, como eu. Esse povo era mais atuante na política, né, nas ações, então eles eram mais visados”.

“Eu quero é botar meu bloco na rua” — a resistência também é feita de gingado

Numa época de repressão e medo constante das intervenções da ditadura, estudantes resistiam de diversas formas, inclusive se divertindo. Se durante a semana os saguões da Faculdade de Filosofia eram tomados pela vivacidade dos debates políticos entre os alunos, na noite de sexta-feira essa energia era transferida para o DCE, que recebia os jovens mais apaixonados de Belo Horizonte. O local, onde hoje funciona o Cine Belas Artes, foi ponto de encontro dos que buscavam no espaço um refúgio para suas angústias.

As “Horas dançantes”, como eram chamados os bailes no DCE, aconteciam nas sextas e sábados à noite e promoviam a sociabilidade dos jovens. Para o então estudante Persichini, essas eram as horas de descontração, paquera e muita dança. “Quantos namoros começaram no DCE! Por lá aconteceram muitos shows, orquestras e ótimos carnavais”, recorda, com olhos de saudade do tempo de universitário.

Outra atividade que também fazia muito sucesso entre os estudantes eram os jogos esportivos. Por meio da FUME — Fundação Universitária Mineira de Esportes –, as faculdades organizavam partidas e competiam entre si. Persichini conta que até em campo era momento de lutar contra o regime. “Nós jogávamos as preliminares de futebol para competir e combinamos de cantar ‘Abaixo a ditadura’ em vez de Hip! Hip! Urra!”, comenta.

Militante aficionado, Persichini lembra que, através de colaboração da UNE, ele e os colegas de curso trouxeram várias personalidades para palestrar no DCE. “A gente presenciou discussões sobre cinema com o Glauber Rocha, debates políticos com o Chacrinha. A Odete Lara e a Norman Bengell, atrizes que marcharam contra a ditadura no Rio, vieram pra cá também. Então nós conseguimos levar muita cultura, além da política, para o DCE”, afirma.

No Campus da Saúde, os alunos de Medicina organizavam shows e formaram um grupo de teatro muito importante, que aproximou vários estudantes, de cursos diversos, que prestigiavam as apresentações. Na Carangola, esses movimentos também se espalharam entre os discentes e havia um pouco de tudo. Mares Guia também recorda dessa época e lembra que a arte era um elo entre os estudantes. “A nossa sociabilidade girava ao redor das atividades culturais, e não só da política, já que muitos de nós tínhamos gosto por música, literatura e cinema”, comenta.

Ele lembra que, no período das aulas, todos respeitavam muito o calendário escolar e os professores. Para o militante, as atividades recreativas e políticas não prejudicavam o seguimento das aulas e os estudantes mantinham uma interação forte com os docentes e os colegas: “O predinho do restaurante era um lugar de encontro e de congraçamento durante o almoço. Dali todo mundo ia para a famosa ‘mureta’, próxima à biblioteca da FAFICH, onde os universitários ficavam batendo papo”.

Quem também compartilha essa experiência é Persichini: “Os nossos muros não eram de lamentação. Na mureta da FAFICH e no restaurante nós aprendemos muito mais que em qualquer outro lugar. A troca era efervescente”, completa o ex-aluno.

“Hoje trago em meu corpo as marcas do meu tempo” das persistências no presente

Você observa a Fafich antiga por uma foto no celular e suspira com nostalgia. Não acreditaria se te contassem tudo o que aconteceu naquele lugar, não acreditaria se te contassem tudo o que você passaria ali. Por isso fez questão de estar presente quando tombaram o prédio na rua Carangola, em 31 de outubro de 2014.

As marcas da resistência, a lembrança dos que se foram, a dor de quem ficou e a história para os que virão, materializados nos andares, nas salas, nos corredores, nas paredes. É engraçado pensar que, mesmo agora, quando você caminha por uma imensa rampa até a entrada da nova Fafich, no campus Pampulha da UFMG, sinta que existem peculiaridades no local.

Parece haver um espírito faficheiro, que vive em seus estudantes e integrantes, no concreto de sua construção, e persiste em cada um que passa por ali, lembrando o legado histórico a cada passo para dentro do prédio. Bem na entrada, sua estrutura recuada em pilotis parece uma bocarra pronta para te engolir, ou uma mãe pronta a abraçar.

Lembra-se da primeira vez que entrou ali. Era tudo muito diferente do antigo prédio e ouviu seu professor dizer que a nova Fafich parece uma rodoviária. Estava ansioso por ver como os alunos humanizariam o prédio. Tudo ainda é confuso?

Corredores sem fim, ou com fins inesperados, levando a lugar nenhum ou a outro prédio. Os números da sala impossíveis de se sistematizar. Becos que parecem guiar a caminhos confusos, tortuosos. Aos poucos, você aprende que são rotas de fuga, físicas e simbólicas, preparação para novas resistências.

Sente um arrepio na espinha ao lembrar e seu corpo teme a violência recordada. Toda vez que pensa sobre isso parece que está na sua pele e pode sentir pequenos anúncios de dor reverberarem. Jamais se esquece. Jamais será o mesmo. Nem depois de ter parado com os cigarros, em 1985, com o fim da ditadura. Nem agora, em 2018, caminhando pela Fafich, observando contraditoriamente a nova geração de estudantes fazer, de maneira diferente, as mesmas coisas que fazia em 60.

Na parede da memória. Alunos da Fafich seguem deixando suas marcas de luta

Você sente que pode ser ali dentro, porque existe resistência — você sempre fez parte dos que permitem a Fafich dar seu abraço de mãe. É aqui que nos sentamos, na arena, e colocamos as ideias para fora: existimos, e há de existir luta para que não haja retrocessos. Afinal, “pensam que nos mataram?”. Não é possível matar o passado que vive em nossas memórias, “ressuscitaram um ideal” que convive o tempo todo nas mentes, nas palavras e nas ações. “Pensam que nos enterraram?”. Não a quem persiste, não a quem resiste, não a quem luta. Enterram, arrancam e cortam. Florescemos, crescemos e espalhamos: “plantaram uma semente”.

A Fafich re(x)iste. Com alegria, pois ela também é uma forma de resistência.

“Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente?” — A luta pela memória

Por mais doloroso que seja, é fundamental discutir de maneiras mais diversas possíveis esse período sombrio da história do Brasil. Essas lutas não devem se perder no tempo. Discuti-las hoje é um ato de respeitos àqueles que foram oprimidos durante o Governo Militar e também uma forma de resistência. Por isso, convidamos duas pesquisadoras sobre o regime militar brasileiro para uma roda de conversa.

O Tubo de Ensaio recebe Fernanda Nalon Sanglard — doutora em comunicação pela UERJ, jornalista formada pela UFJF, pesquisadora de comunicação e política e de direitos humanos — e Vanessa Veiga de Oliveira — professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG, doutora e mestre em Comunicação social também pela UFMG.

Ouça o programa e reflita sobre a persistência das lutas no presente:

Canções de protesto que marcaram a luta contra a repressão e a censura, quebrando o silêncio durante época da Ditadura Militar.

Expediente

Repórteres Sonoros: Luana Lima e Marcus Vinícius

Repórteres Audiovisuais: Fabiana Duarte, Karina Custódio e Janaína Almeida

Repórteres Verbais: Carol Prado, Isaque Rafael, Luciano Carielo e Samuel Silveira

Editor Audiovisual: Augusto Leão

Editora Verbal: Luíza Martins

Editor Chefe: Guilherme Porto

Professor responsável: Phellipy Jácome

Agradecimentos: Alunos do Laboratório de Edição de Vídeo, Cláudia Fonseca, Enderson Cunha, Fabricia Duarte, Frederico Pessoa, Lúcio Melo, Rádio Terceiro Andar, Regiane Garcêz, Rogério Fideles, Solange Angélica Ribeiro e Vanessa Veiga.

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Tubo de Ensaio
Tubo de Ensaio

Laboratório de Produção de Reportagem, da Universidade Federal de Minas Gerais