Não precisamos de heróis

Porque diabos o heroísmo precisa ser positivo?

Marcelo Grisa
Tubo de Explosão
5 min readNov 1, 2018

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Para onde vai o herói?

Lá, na ponte que… Enfim, vocês entenderam.

Já tem um tempo que a noção de heroísmo pessoalmente me fascina e me preocupa ao mesmo tempo. Eu já quis ser um herói nos meus próprios termos, por exemplo. Hoje, isso não me atiça mais. Ao mesmo tempo, as pessoas clamam por heróis de outros tipos, o que considero que nos leva até situações que não são boas para ninguém.

Aí, falo de heroísmo (e, por consequência, da figura do herói) de formas diferentes. “Herói” pode ser a figura central de um acontecimento histórico, passando pela pessoa que é por muitos admirada pelo que faz, ou por suportar grandes infortúnios ou sofrimentos. O mortal com o atributo heroico, finalmente, pode ser aquele divinizado após a morte, de acordo com a narrativa mitológica.

Já quis ser o último tipo, confesso. Não tinha apreço algum pela minha própria vida — nem sei se eu compreendia, na adolescência, o conceito de auto-estima. No começo de vida adulta, ainda assim, fazia tudo pelos outros, e nada por mim mesmo, pela minha evolução, pela minha carreira. Às vezes ainda caio nessa armadilha, e as pessoas que realmente querem o meu bem me ajudam a sair dessa. Acontece.

Mas isso ia num nível pior do que apenas a auto-anulação. Por isso, falei em heroísmo. Eu literalmente sonhava acordado com o dia em que poderia perder a vida salvando alguém ou para mudar alguma coisa.

Sorria diante das dific… Er.

Essa tendência suicida e altruísta influenciava minhas escolhas, inclusive. Jogava de paladino em Tormenta RPG só para tentar realizar a magia Sacrifício do Herói — que consistia em ter um imenso poder por um período muito curto para proteger o grupo, ao custo da própria vida. Quando entrei para o curso de Jornalismo, eu pensava em ser correspondente de guerra no Exterior, ou repórter investigativo aqui no Brasil. Sim, as opções que poderiam me fazer tomar um tiro e morrer mais facilmente.

Ah, e um dos meus filmes favoritos era Tróia. Não pela atuação do Brad Pitt como Aquiles, mas pela mensagem da “boa morte”. Da consagração em batalha. De morrer fazendo algo que faria diferença, e não de formas comuns, ou pelo simples suicídio.

Tudo isso ficou para trás. Em dado momento, eu mesmo não me aguentava mais. Não me admitia enquanto alguém que queria que a vida acabasse, mas não queria mais as carreiras jornalísticas que me matariam. Me angustiava não ter mais com o que adentrar no terreno da boa morte. Não tinha mais um motivo para continuar com esta posição lamentável.

Do fundo do poço, só tinha como ir pra cima. Me reestruturei, aprendi coisas novas e juntei novas pessoas de novos tipos ao meu redor. Aprendi a valorizar a vida que tenho — ou, no mínimo, a querer ficar vivo. Eu quero sobreviver, caceta.

Não importa quais dificuldades surgirem na vida. Não falo nem dos tempos que podem vir, ou virão, em breve. Digo isso pela vida toda, assim por diante. Continuarei fazendo o meu papel social que assumi pela profissão que escolhi enquanto puder. Depois, eu mudo. Ajudarei as pessoas e grupos que puder, do jeito que puder, sempre. Mas não vou desistir, e não vou me colocar na frente das saraivadas. Não posso ajudar ninguém depois delas.

Passarei pelo que tiver que passar, e vou estar lá, do outro lado, para contar a história.

Dito isso, muitos ainda querem heróis. Querem o salvador da pátria. Clamam por aquele que descerá dos céus, ou virá sei lá de onde, para ajeitar tudo. No fundo, estas pessoas não querem ser elas heróis e heroínas também. O que é positivo, porque a gente não necessita de sacrifícios humanos para que as coisas melhorem. Precisamos de esforço, de acertos, mas não jogar fora a bacia d’água com o bebê junto.

Tina Turner tinha razão. O Mel Gibson? Nem tanto.

Aí que está: esse povo todo não quer fazer nada por si, também. Querem que o esforço seja feito para eles, e não por eles. Em última análise, é uma recusa da possibilidade de evolução da humanidade. Não somente da espécie humana, mas da capacidade de sermos humanos. É algo como “olha só, ajuda todo mundo, desde que me ajude, e agora”.

Não precisa de muita coisa pra ajudar o outro e se ajudar, não. Sério, gente. Que possamos dar um sorriso. Estender uma mão. Não deixar que as coisas caiam no chão e apodreçam sem que nada seja feito. Juntar tudo e pedir ajuda. “Opa, alguém aqui sabe como ajeitar isso?”

Atitude e alegria. Sempre que possível. Se esforcem para sorrir. Um sorriso é um grande desafio diante de uma realidade que insiste em nos tornar tristes, desesperançosos, rancorosos. Não façamos piadas por vingança, mas para rir. Rir até cair no chão, até chorar. Das coisas mais pueris, dos detalhes bizonhos. E essa alegria é mais forte que qualquer palavra de ordem.

Que o Caos nos torne felizes. Cuidem-se.

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O livro tem 153 páginas e fala sobre o uso da metalinguagem no Homem-Animal, da DC Comics, quando escrito pelo renomado escritor escocês Grant Morrison, no final dos anos 80.

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Marcelo Grisa
Tubo de Explosão

Jornalista, quadrinheiro e feiticeiro. Edita o Tubo de Explosão, está no site Terra Zero e integra o podcast Por Trás da Máscara (PTdM).