A jam também é sua

Espaço para trocas musicais horizontais que não deixa ninguém ficar sentado, muito menos deitado

Portal Tu Dix?!
tudix
4 min readMay 17, 2019

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Por Kainã Pacheco e Rafael Moreira

Nas noites de jam aqui em Florianópolis, as capas de violão, teclado, saxofone e percussão dividem espaço com o chope, as mochilas e as cadeiras; que se acomodam entre quem dança, quem toca e quem senta para ouvir. Apesar de não ter sido a primeira, o Laboratório Instrumental é uma jam solitária no cenário da Capital. Trovão Rocha mantém o projeto vivo desde setembro de 2018, quinzenalmente, às quartas feiras à noite na Cervejaria Sambaqui, no bairro Itacorubi.

Jam Session wtf?

Uma explicação para o termo jam muito popular entre os músicos, vem da abreviação das palavras em inglês Jazz After Midnight’, que significa “jazz depois da meia noite”. O estilo é uma manifestação cultural de origem negra emergido dos subúrbios dos Estados Unidos. No auge das orquestras de jazz, chamadas de Big Bands, as sessões focadas no improviso aconteciam após as apresentações nos teatros e casas noturnas. Os instrumentistas se encontravam nos bares tocando madrugada adentro. Daí vem o nome.

Para participar das jams

Primeiramente, você precisa querer aprender e se dedicar a isso. As jams têm essa atmosfera mista, que une a liberdade da experimentação com o compromisso com o estudo. O público de ouvidos entregues, e treinados, recebe quem se aconchega no palco compartilhado. Uma plateia que dedica o seu momento de lazer aos dispostos a se arriscar com as notas musicais. Na metáfora do músico Trovão Rocha, “o mato”, de onde só saem vivos os que têm “estudado muito”.

A maioria do público da jam geralmente tem conhecimento prévio quando se trata de música, o que sustenta os encontros espontâneos que soam tão íntimos e ensaiados. Algumas sutilezas dos diálogos melódicos só são captadas por ouvidos experientes, que entendem os sentidos escondidos no sobe e desce das escalas.

Para os menos familiarizados pode parecer tudo improvisado, mas não é bem assim. Pedro Couto, músico instrumentista que participa do Laboratório Instrumental, conta: “As pessoas não vêm combinadas de casa é mais uma espécie de ‘consciente coletivo".

Esta ligação é uma questão cultural das jams. Dos século passado até hoje a escuta e a prática do jazz se une a às sessões de improviso, que de geração em geração constituíram uma espécie de didática, onde a sala de aula é o bar e a rua.

Bê a Ba Bê A

Para entender um pouco mais sobre a “etiqueta” das jams, ouça o primeiro minuto desta execução de Moanin’ por Art Blakey & the Jazz Messengers.

Agora ouça o fim, a partir de 07:58. Em seguida faça o mesmo com esta versão da mesma música, agora tocada em uma jam ao vivo.
(início_00:00–01:00 | fim_04:35)

Não é preciso ter grandes conhecimentos musicais para notar que existe um padrão ali. Uma forma que possibilita saber que música é, que haja um espaço onde todos os músicos possam improvisar e que assim também haja uma maneira encerrá-la.

Tema, seguido de improvisos e o tema novamente. Conhecer isso é o "feijão com arroz" para poder se divertir e conseguir se comunicar com os outros músicos durante uma jam. Além é claro de conhecer o repertório que vai de músicas da MPB, ao samba, jazz, choro e música instrumental brasileira.

O músico e jazzista Pedro Couto conta que as jams são espaços para os músicos testarem as ideias que vem desenvolvendo em seus estudos e ver como os outros músicos e o público reagem a isso. Coisa difícil de ser praticada em casa ou em apresentações com espaços mais formais como o teatro, por exemplo.

“Porque a jam nada mais é do que pessoas se reunindo para fazer música. A quantidade [de tempo improvisando] se mede no coletivo. A ideia é que cada um tenha a sua vez.”

Então se você quer participar deste espaço como músico leve seu instrumento, espere a música acabar, entre na roda, combine com as pessoas qual será o tema [música] e divirta-se. Mas é claro, tem que ouvir bastante antes, ou como Pedro comenta “primeiro, é preciso respeitar a jam”.

Respeito aos mais velhos

Há no Brasil gêneros que, assim como o jazz nos EUA, fundaram “escolas”: exerceram esse papel de linguagem expressiva, aberta ao improviso e cuja prática se dá em ambientes espontâneos e didáticos. As rodas de choro e de samba, nessa perspectiva, têm propósitos semelhantes aos da jam. Não à toa, o choro está sempre presente nos festivais de jazz, inclusive no Floripa Jazz, que na última terça-feira (14) convidou para os palcos do Projeto 12:30 o grupo Choro Xadrez. Eles se reúnem há sete anos às quartas-feiras numa casa no bairro Rio Tavares, que fica aberta ao público, músicos e ouvintes.

Álvaro Fausane, multinstrumentista que organiza o Choro Xadrez, não demora a fazer o convite:

- “Tem que aparecer mais lá”

- “É, só preciso estudar mais…” - respondo

- “Deixa disso, aparece lá, fica tocando baixinho, olhando o que os outros estão fazendo, e ninguém vai errar, no que um errou o outro acertou, e vai se acostumando, aprendendo…”

As rodas de choro têm um clima parecido com o das jams no Brasil. O que muda mesmo é o repertório. Sob os diferentes gêneros, a linguagem do improviso reescreve melodias, inventa caminhos e sonoridades, explora tensões e dissonâncias. Dos chorões ouvimos composições orquestrais, cheias de vestígios de uma origem erudita e ocidental, que absorveu no pulso os ritmos africanos. As jams não se restringem ao jazz, mas sim exploram a música instrumental de forma um pouco mais ampla, incluído o tal do choro.

Os frequentadores das jams constroem um ambiente inclusivo, de aprendizado e experimentação, que é aberto ao público na medida em que o próprio público contribui para uma experiência coletiva de aprendizado e diversão.

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