Adoçando sua vida todos os dias

Vendedor nato, Roberto — "o tio dos docinhos" -, se sustenta por meio de seus doces, e não poderia estar mais realizado

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tudix
7 min readMay 13, 2019

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Roberto conta que é o vendedor mais antigo de docinhos da UFSC | Foto: Inara Chagas

Por Inara Chagas

28 de setembro de 2018, sexta-feira, pós-almoço no RU

Sempre que saio do RU UFSC (Restaurante Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina), no campus Trindade, me dá aquela vontade de comer algo doce. Pode parecer coisa de criança, mas quem já provou os docinhos metálicos do seu Roberto sabe muito bem do que estou falando. Se você nunca os provou, te faço uma breve e certeira descrição: brigadeiros e bombons de vários tipos e sabores por apenas UM REAL. Sim, isso mesmo que você leu. Porém, naquele dia, eu contava com míseros 65 centavos em minha mochila, o que está longe da margem “dá para pagar depois”. Mas a vontade era muita, então juntei toda a cara-de-pau que uma jornalista em formação pode ter e fui pedir fiado.

Seu Roberto durante nossa primeira conversa | Foto: Lucas Lisboa

Começamos a conversar e, depois de convencê-lo que eu realmente o pagaria, ele anotou meu nome. Acontece que meu nome não é muito comum, dá para perceber. “Inara” foi escolhido por causa de uma música intitulada “Inaraí”, que estourou no final dos anos 1990, do grupo musical Katinguelê. Nisso, ele perguntou se meu nome tinha relação com o famoso pagode, eu disse que sim e, daí para frente, a conversa deslanchou.

Comentei que sou de Cianorte (PR) e Roberto ficou espantado. O motivo? Roberto me disse que morou em Cianorte durante boa parte da sua vida. O contexto explica um pouco da curiosidade da coincidência: Cianorte fica noroeste do Paraná, é uma cidade pequena, de aproximadamente 80 mil habitantes, além de estar a cerca de 900 quilômetros de Florianópolis. Não sou de nenhum curso de exatas, mas sei que a probabilidade deste tipo de situação ocorrer não é grande.

Agora ele vende doces na UFSC, mas na época em que morava em Cianorte, era dono de uma locadora de filmes e jogos — que eu frequentava quando criança — e ficou nesse negócio por volta de quatro anos. Diferente de mim, ele não nasceu por lá. O "tio dos docinhos" passou por muita coisa antes de ir para Cianorte. Aliás, passou por muita coisa antes de chegar na Ilha da Magia.

Aquilo me intrigou durante meses. Encontrar o tio dos docinhos metálicos todos os dias na universidade e, durante uma conversa simples, descobrir que ele foi um dos responsáveis por tornar minha infância mais divertida foi um tanto quanto inusitado, afinal, a locadora que ele deixou de legado servia para que eu e meus primos alugássemos os principais filmes de comédia da época, como “Todo Mundo em Pânico” e “As Branquelas”. Depois de quase sete meses, uni a curiosidade de saber mais sobre a vida desse senhor com a necessidade de produzir uma reportagem perfil para a disciplina de Jornalismo Online. O resultado foi uma conversa extremamente divertida, com suas devidas interrupções de clientes em busca dos famosos doces do seu Roberto. O que só contribuiu para sua fama de bom vendedor.

Roberto Roquejani Júnior nasceu em 26 de setembro de 1964 e é natural de Santa Isabel do Ivaí. Para os que desconhecem o município de quase 9 mil habitantes, ele diz que é de Loanda, cidade vizinha. Filho único de pais separados — Roberto Roquejani e Carmem Cilene — desde seus 8 anos de idade, a única memória que tem de sua infância é de uma bicicleta azul que ganhou de seu pai, que pouco esteve presente em sua vida.

Seu Roberto já morou em várias cidades do Paraná: Curitiba, Santa Isabel do Ivaí, Engenheiro Beltrão e Cianorte. Trabalhou no então Banestado (Banco do Estado do Paraná) na Capital do Estado, mas pediu transferência para sua cidade-natal, já que seu tio estava concorrendo à prefeitura do município. Continuou nesse emprego por mais um ano.

Foi em Santa Isabel do Ivaí que ele conheceu Ivone Quintino Leite, sua esposa. Ele conta com um sorriso nos olhos o momento em que se conheceram, em um baile: “Estava no auge dos meus 27 anos”. Um ano depois tiveram sua primeira filha, Carolina e, no ano seguinte. Tiago. A família aumentou e as responsabilidades também. Então, nessa época, ele abriu uma pequena loja de roupas em sua cidade, mas não durou muito tempo. Seu padrasto então o convidou para trabalhar na fecularia — fábrica de farinha de mandioca — que tinha acabado de abrir em Engenheiro Beltrão, município a cerca de 170 Km de Santa Isabel do Ivaí. Na mudança foram todos da família: mãe, padrasto, esposa e filhos. A fecularia durou três anos e, nessa época, a vontade de ter uma casa somente para sua esposa e crianças era grande. Decidido a encontrar um local para que eles pudessem, enfim, ter sua casa, deixou sua família e partiu para a estrada, sozinho, em busca de uma oportunidade.

“Saí assim, na loucura, sem destino”.

Mas o retorno chegou, e não demorou muito para acontecer.

O destino fez com que ele chegasse, no final dos anos 1990, na cidade de Cianorte, onde ele começaria mais um negócio. Roberto foi parar no bairro Cianortinho, onde alugou uma loja e começou a vender fitas de jogos — compradas no Paraguai — , e filmes em VHS. Dormiu durante um mês na própria locadora e, quando viu que a empreitada estava dando resultado, foi para Engenheiro Beltrão buscar toda a sua família para morar em uma casa de aluguel nos fundos da VideoCia (nome da locadora). O negócio avançava cada vez mais, sempre com os melhores jogos e lançamentos para seu público. Quase meia década depois do início da locadora, um japonês ofereceu a quantia de R$ 40 mil para que Roberto a vendesse, e ele assim o fez.

Com essa quantia em mãos, Roberto aproveitou o título de capital do vestuário de Cianorte para criar mais um negócio: confecção de peças jeans. O que, de acordo com ele, foi uma burrice. Isso porque a atividade exige uma grande equipe, e ele só podia contar com suas mãos e força de vontade, que o fizeram aprender todas as técnicas necessárias de costura — como corte e modelagem. Diferente da VideoCia, o projeto foi por água a baixo. Todo o seu dinheiro se esvaiu pouco a pouco.

Mas não se pode subestimar a capacidade de Roberto sair por cima de seus problemas. Durante seu período como costureiro, ele fazia uma prática muito comum na cidade (que, inclusive, a minha mãe faz hoje em dia, mais uma coisa em comum): pegar peças com leves defeitos para consertar. Essas roupas costumam vir de grandes indústrias de confecção. Ele consertava as peças e enviava para sua cidade natal, onde sua sobrinha as vendia. A loja começou a fazer sucesso, então Roberto e sua família voltaram para lá.

Com o passar do tempo o vendedor começou a comprar roupas de shoppings atacadistas de Cianorte para vender em Santa Isabel do Ivaí. A loja ia de vento em popa, afinal, eram roupas de marca com preço abaixo do usual. Contudo, ele esqueceu-se de atentar a um problema frequente de cidade pequena: fiado. Começou com uma peça ali, outra aqui e, no fim, cinco anos depois, sua loja teve que ser fechada. Roberto estava com R$ 50 mil em dívidas, tudo por causa das vendas fiado, segundo ele.

Em 2011, um ano antes de fechar a loja de roupas, sua filha mais velha passou no vestibular para Odontologia na UFSC, iria começar seu curso no primeiro semestre de 2012. Ela passou o primeiro ano da graduação morando sozinha, mas um ano depois a família mudou-se para Florianópolis.

Sem dinheiro e ideia de profissão a seguir, Roberto fez, pela primeira vez, bombons para vender. Buscando o melhor local para expor seus quitutes, ele optou por ficar na saída do RU, do lado da única vendedora de doces na época: Luciana. Nesse dia, Roberto levou 40 doces, e vendeu todos:

“Enquanto eu vendia quarenta acho que ela vendeu mil. Mas estava bom, eu fiquei feliz da vida”.

Desde então ele paga suas contas com o dinheiro que ganha com a venda dos doces. O trabalho não é fácil: sua esposa e ele fabricam os doces, geralmente acordando às 6 da manhã, e estocam em suas duas geladeiras, deixando dois ou três dias de folga para que nunca faltem doces. Ele sai de casa às 10h30 e, das 11h às 14h, vende seus bombons, brigadeiros e palhas italianas. Por fim, volta para sua casa e continua com a fabricação dos doces.

Quando pergunto se gosta de seu trabalho, seu sorriso já me diz a resposta:

“Quando estava em Santa Isabel eu tinha loja, só que não tinha sossego por causa dos fiados, ia atrás de cobranças. Hoje não. Eu venho aqui, vou embora para casa com meu dinheirinho, não tenho nada de fiado. Deito e durmo com a cabeça tranquila. […] Hoje eu faço o que eu gosto, faço com amor”.

E esse amor se reflete em seus doces, que alegram nossos dias na rotina de faculdade.

Digo a ele que nossa conversa foi adorável e que gostei de saber um pouco mais sobre sua vida. Ele agradece pelas lembranças que o fiz resgatar e, trazendo à tona seu lado empreendedor, me fez uma proposta: “Quem sabe a gente não escreve um livro e ganha dinheiro?”.

Quem sabe…

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