Além do que se vê

Um retrato do cenário de lotação das emergências do Hospital Universitário da UFSC

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9 min readJul 5, 2019

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Fachada da Emergência do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago. Foto: Sofia Zluhan

Por Isabela Petrini, Lucas de Amorim, Paula Miranda, Sofia Mayer, Sofia Zluhan e Tatiane Borges

Versão em áudio da reportagem. Locução: Paula Miranda, Sofia Zluhan e Tatiane Borges. Edição: Lucas de Amorim

O Hospital Universitário (HU) da UFSC é um dos três únicos hospitais de Florianópolis que atende casos emergenciais. Situado em uma cidade de quase 500 mil habitantes, segundo dados do IBGE, a unidade abraça também pacientes de municípios vizinhos. Com tanta gente para acolher, o setor, que é dividido em Emergência Pediátrica e Adulta, atua constantemente em situação de lotação. Em um contexto de desconhecimento dos mecanismos de funcionamento dos hospitais, o quadro de leitos cheios se agrava no HU.

Em condições normais, cerca de 3.000 crianças e adultos são atendidos por mês (em média, 100 pacientes por dia) nas emergências do HU. Já em épocas de portas fechadas, isto é, quando o atendimento emergencial está restrito a pacientes encaminhados por ambulâncias ou outras unidades de saúde por conta da superlotação, o número cai pela metade.

Entrada das emergências do Hospital Universitário da UFSC. Foto: Sofia Zluhan

É nesse cenário que muitas pessoas ficam sem atendimento ou acabam recorrendo a hospitais privados. Em casos assim, Gláucia Rodrigues, de 42 anos, conta que tem que “se virar nos 30para conseguir ser atendida. Mesmo assim, a moradora da Costeira do Pirajubaé tem o HU sempre como primeira opção. Foi lá que nasceu sua filha, ainda de colo, e onde recebe acompanhamento do pediatra.

Seja qual for a escolha, a explicação do por quê às vezes não consegue usufruir do sistema público de saúde é desconhecida para a maioria dos pacientes, gerando indignação e desconfiança na gestão governamental. Para atuar nessa lacuna, esta reportagem pretende traçar um retrato das emergências do HU, evidenciando suas estruturas físicas e organizacionais, e trazendo à tona os motivos pelos quais os atendimentos nem sempre são ágeis como os pacientes e os profissionais da saúde gostariam.

Falta comunicação sobre os fluxos de atendimento em um hospital

Nas emergências do HU, é comum aparecerem pacientes que poderiam recorrer a UPAS ou postinhos de saúde. Foto: Sofia Zluhan

“Vim com dor na coluna. Cheguei às 10 da manhã e só fui atendida no final da tarde, tive que esperar um tempão”, relembra Josi Costa, enquanto aguarda o filho ser chamado na emergência pediátrica do HU. A paciente considera o atendimento infantil mais ágil que o oferecido na emergência adulta do hospital, onde teve experiências ruins quanto à demora.

O que muita gente, assim como Costa, desconhece, é que na Emergência Adulta do HU existe uma classificação de risco, que define a prioridade de atendimento dos pacientes. Isso quer dizer que nem sempre chegar mais cedo pressupõe ser acolhido antes. Casos determinados como mais críticos e que não podem ser atendidos em uma unidade de menor complexidade têm preferência em relação aos demais. Além disso, os pacientes que chegam de ambulância ou que foram encaminhados de outros centros de saúde também têm prioridade, pois se tratam de quadros mais graves.

Antes de tudo, o paciente passa pelo setor de Acolhimento, onde um profissional da enfermagem avalia a gravidade da situação, a intensidade da dor e seu risco de morte. Cada nível de gravidade é delimitado com uma cor específica. “Os pacientes classificados como vermelho, laranja e, às vezes, até o amarelo, são aqueles que, de fato, tem que estar na emergência hospitalar. Se eles fossem para um posto de saúde, não conseguiriam resolver o problema naquele momento”, explica a chefe do setor de Urgência e Emergência do HU, Taís Matos.

Já os pacientes em situações mais brandas, classificados como verde ou azul, são orientados a procurar um posto de saúde. “Se ele disser que não quer ou não tem condições de procurar um posto de saúde e quer esperar no hospital, ele vai para a fila de espera, mas vai esperar até que não tenha outro paciente mais grave para ser atendido. É por isso que demora”, acrescenta Matos.

Infográfico: Lucas de Amorim

Depois que a consulta acontece, o diagnóstico é feito e o paciente é encaminhado para o devido tratamento. Em casos mais simples, seu ciclo na emergência do HU termina aqui. Dependendo da enfermidade, porém, o paciente ainda pode ser direcionado para um leito de observação, onde recebe medicação apropriada e sua condição é monitorada pelos médicos e enfermeiros. Se ele não tiver a melhora esperada ou se, desde o início, apresentar um quadro mais crítico, é levado a um dos leitos de internação ou à ala cirúrgica para ser operado.

Infográfico: Sofia Zluhan

O Ministério da Saúde exige que todas as unidades básicas tenham vagas disponíveis para consultas de pacientes com situações que necessitam de atendimento com maior agilidade. “Se você chegar em qualquer posto de saúde de Florianópolis, no início da manhã ou da tarde, e disser que não está se sentindo bem e precisa de uma consulta hoje, você deve ser atendido. Existe um percentual de vagas para encaixe naquele dia”, elucida Matos.

Aluno da UFSC, Gabriel Gentili conta que teve um mal súbito no meio da aula. Colegas e professores o instruíram a ir ao Hospital Universitário. “Chegando lá, a emergência estava com superlotação, aí acabei indo para o posto de saúde. Fui atendido na hora”, lembra o estudante.

Ao atender um público que poderia ser tratado em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) ou postos de saúde, a realidade da emergência é quase sempre de superlotação. “A maioria das pessoas que vem na emergência não passou na unidade básica antes, veio direto para o hospital”, afirma Matos. Esse cenário evidencia uma falha de comunicação das unidades de saúde em relação aos fluxos que os pacientes deveriam seguir. Embora algumas ações como a distribuição de panfletos pelos próprios enfermeiros ajudem a esclarecer a metodologia da classificação de risco, as informações sobre a realidade do hospital ainda não chegam a maior parte da população, fazendo com que muitos cidadãos não saibam quais unidades de tratamento são recomendadas para cada tipo de problema.

Infográfico: Sofia Zluhan

O fato de Florianópolis não ter uma UPA na região central da cidade, apenas nas regiões sul, norte e continental, também intensifica a procura pela emergência do HU. Daniele da Silveira, de 28 anos, é uma dessas pessoas que escolheu a unidade por conta da proximidade de casa. Como o filho de 3 anos apresentou sinais de alergia durante à noite, ela resolveu confirmar o diagnóstico na unidade. “Eu trouxe ele só pra ver se é mesmo uma alergia ou se pode ser uma doença tipo catapora, essas coisas”, conta.

Mesmo longe, pacientes vêm de todos os lugares da ilha — do Rio Tavares a Jurerê — para serem atendidos no HU. Renato Augusto, de anos, e o filho, Vitor, de 22 anos, moram no Rio Tavares e frequentam o Hospital Universitário para o tratamento de diabetes de Vitor. “Iam nos mandar para outro hospital, porque a emergência aqui tá cheia, mas a médica do meu filho viu a gente e conversou com eles”, conta Renato. Eles tinham chegado à Emergência Adulta às 13 horas e Vitor se queixava de tontura, inflamação na garganta e pressão baixa. O jovem foi atendido cerca de duas horas depois, mas às 18 horas, e com o céu já escuro, Renato ainda esperava o filho, que estava tomando soro, ser liberado.

As dificuldades da emergência adulta

Foto: Sofia Mayer

A equipe de enfermagem adulta, com cerca de 60 profissionais em seu quadro de funcionários, funciona com o revezamento de escalas. O índice de ausências, considerado alto para a rotina de trabalho, se aproxima dos 30% de acordo com Silvana Rodrigues, Diretora de Enfermagem do HU. As causas variam entre afastamentos previstos, como férias e licenças programadas, e os não previstos, como atestados de saúde e licenças maternidade.

Em períodos de déficit na equipe, o que poderia auxiliar os profissionais é o Índice de Segurança Técnica (IST), que estabelece uma porcentagem de funcionários a mais para eventuais ausências. No caso das emergências do HU, por definição, é necessário que estejam disponíveis 15% a mais do número de enfermeiros e técnicos da equipe para cobrir eventuais faltas dos funcionários. Mesmo assim, na emergência adulta o índice não tem dado conta de cobrir todos os profissionais, como explica Rodrigues, já que o número de atestados e afastamentos é quase o dobro de funcionários acrescentados em cada turno.

Macas no corredor otimizam a quantidade de atendimentos. Foto: Sofia Zluhan

No hall de entrada, pacientes costumam ser recepcionados por cartazes anunciando a emergência fechada para novos atendimentos. E não é para menos: todos os 13 leitos de observação, dois de reanimação, além das oito macas no corredor e nove poltronas para medicação, ficam quase sempre ocupados. Só em 2018, foram 56.417 pacientes acolhidos na emergência adulta do Hospital Universitário. Embora a estrutura física se diferencie da ala de emergência pediátrica, com mais leitos e ambientes com maior complexidade, a lotação continua sendo uma realidade quase sempre presente.

Infográfico: Sofia Zluhan

A emergência pediátrica se vira, mas trabalha no limite

Fachada da antiga infraestrutura da Emergência Pediátrica. Foto: Sofia Zluhan

Por dia, a estimativa é de que entre 50 e 60 crianças sejam atendidas nos 4 leitos da emergência pediátrica do HU. O número poderia ser maior, mas como a unidade não possui uma retaguarda de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), normalmente não recebe pacientes que vêm do Corpo de Bombeiros e do SAMU, que são casos mais graves.

Hoje, o grande problema do local é a quantidade de funcionários: a equipe conta com apenas dois médicos, um enfermeiro, e mais dois ou três técnicos de enfermagem atuam turno. O cenário se agravou depois que uma reforma do prédio, terminada em maio deste ano, dividiu a emergência pediátrica em dois andares. Isso significa que o grupo, antes concentrado em um único ambiente, acabou se separando em dois andares, acentuando a necessidade de mais empregados disponíveis por período. “O rodízio que antes era feito com três profissionais, hoje em dia é feito com dois”, conta João Carlos Xikota, diretor da Divisão de Pediatria do HU.

A realidade da emergência pediátrica hoje é de uma equipe trabalhando no limite, com profissionais insuficientes para atuar em dois andares. “A criança consulta ou fica em observação lá em cima, onde a gente tem os leitos, ou aguarda uma internação ou um procedimento, como uma punção de veia. Então, tenho que ter equipe no andar de cima e no andar de baixo [onde é feito a etapa de Acolhimento]”, contextualiza Pâmela Rumor, enfermeira referência da Emergência Pediátrica do HU.

Mesmo com a maioria das consultas da emergência pediátrica sendo feitas no primeiro andar, uma equipe médica deve sempre estar a postos no piso térreo, onde há um leito de reanimação. Foto: Sofia Zluhan

O número não é ideal, mas só foi conquistado depois que o contrato com a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) foi assinado, em 2016. Xikota acredita que, para otimizar verdadeiramente os serviços, seria necessário, pelo menos, mais um técnico de enfermagem por período, além de mais médicos atuando aos sábados e domingos de manhã.

“Imagine que eu tenho dois médicos de plantão e que, um deles, depois de um certo horário, precisa subir na enfermaria para visitar o paciente, ver como foi a evolução, e fazer toda a prescrição do planejamento do dia, das medicações que ele recebe. Se chegar algum paciente grave lá embaixo, só tem um médico na enfermaria”, explica o pediatra. São em casos assim que a emergência pede autorização para fechar as portas. A estratégia evita que a demanda aumente e permite que os profissionais se dediquem aos casos críticos que já estão em atendimento.

Infográfico: Sofia Zluhan

Mesmo assim, para Josi Costa, foram boas as três vezes em que levou o filho para a Emergência Pediátrica. Segundo suas experiências, o processo de triagem e espera pela consulta é bem mais rápido do que no setor adulto. “Aqui é no máximo 15 minutos. Só hoje que está demorando mais um pouquinho”, afirma.

Para contratar novos profissionais não é tão simples. Antes, todo funcionário público federal tinha um SIAPE, uma espécie de matrícula que identifica o servidor em determinado órgão. Quando alguém se aposentava na emergência pediátrica, por exemplo, esse número era utilizado para fazer a reposição de forma quase automática. Hoje, com a admissão dependendo de concursos, a emergência pediátrica está no último período de chamadas da prova realizada em 2016 pela Ebserh. “Nós recebemos cinco novos profissionais, vamos receber mais dois. Nenhum é para a emergência, são para um outro setor, que é parte de atendimento de ambulatório”, explica Xikota.

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