Como você vai?

Desvendando o desafio da mobilidade urbana em Florianópolis

Ana Ritti
tudix
8 min readNov 26, 2018

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Por Ana Ritti, Bruna Ferreira, Eduardo Iarek, Emily Leão, João Balestrin e Natália Walter

Para Rita de Cássia Hammes, aposentada de 63 anos que mora na parte continental de Florianópolis, lembrar da cidade há 50 anos é como viajar para outro lugar. A antiga ponte Hercílio Luz, que era a única passagem entre a ilha e o continente até 1975, nunca foi vista como um local de filas e transtornos. O dia de fazer as compras no centro da cidade, que ocorria poucas vezes no mês, era esperado como um grande momento de lazer para as famílias que moravam no outro lado do mar. Voltando do passado para os dias atuais, o crescimento da população, o aumento desproporcional do número de carros e o despreparo das estradas para a nova realidade, acabam gerando dificuldades para quem faz esse trajeto diariamente.

Cidade de Florianópolis na década de 50. Foto: Divulgação / Notícias do Dia Online

Leila da Silva, moradora de Biguaçu que costuma usar o transporte público para chegar ao trabalho, diz que além de ser uma alternativa mais barata, optar pelo ônibus acaba sendo uma forma de reduzir o número de carros nas ruas, e consequentemente, as filas.

— Vamos supor que um [ônibus] coletivo carrega umas 60 pessoas… se essas 60 pessoas botassem mais 60 carros [na rua], como seria? Então eu prefiro essas 60 [pessoas] todas no coletivo. São 60 carros a menos. Então é menos poluição, menos estresse e mais segurança.

Gastando em média 1h40min no transporte público por dia, ela concorda que o conforto nem sempre atrai a busca por essa opção, unindo os poucos horários de ônibus em alguns bairros com a superlotação diária, a busca pelo carro acaba sendo uma consequência para algumas pessoas.

O que mostram as pesquisas

Para o arquiteto e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, Sérgio Torres Moraes, o conceito de mobilidade urbana não significa, necessariamente, a possibilidade de se locomover para lugares distantes. Ele acredita que o planejamento das cidades deve garantir acessibilidade da população para os serviços básicos, evitando assim as longas distâncias.

De acordo com informações coletadas pelo Plamus (Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis), a cidade já é a região metropolitana brasileira que mais utiliza o automóvel particular para se locomover no dia a dia. Uma das hipóteses que aumentam esse número é o fato de que usando o transporte público se gasta o dobro do tempo para chegar no local desejado. A consequência acaba envolvendo o número de mortes nas estradas, segundo dados do Mapa da Violência de 2014, 22,6% dos óbitos foram causados por acidentes de trânsito.

Franciel Walter, que mora na região continental e vai ao trabalho de carro diariamente, costuma levar em média 1h para chegar na Trindade. De acordo com ele, entre 7h e 9h da manhã a cidade para, fazendo com que um caminho que costuma ser feito em 20 minutos sem fila, acabe triplicando. Uma pesquisa feita pelo IBGE em 2010 mostrou que essa conclusão é mais acentuada no transporte público, o tempo médio gasto para um deslocamento com ônibus acaba chegando a cerca de 25 minutos a mais por viagem quando comparado a um veículo privado. Continuar usando o automóvel no seu caso é uma escolha baseada no conforto e na segurança, já que os gastos com combustível chegam a ultrapassar a faixa de trezentos reais mensais, além das eventuais manutenções.

Mobilidade ativa

Fugindo dos gastos com combustível, passagem e horas de engarrafamento, outro meio de transporte que vem ganhando cada vez mais adeptos na ilha é a bicicleta. Ananda Fernandez, moradora da Serrinha, diz que não trocaria a opção por nenhuma outra, já que além de não enfrentar filas, ela acaba praticando exercícios físicos enquanto se locomove.

— Se eu pudesse sempre usar bicicleta eu ia sempre usar bicicleta, porque com ela é sempre mais rápido. De ônibus eu levo 1h30min, de bicicleta eu posso levar 40 minutos.

Para ela, o único lado preocupante é a falta de preparo para esse transporte na capital, uma discussão constante entre aqueles que utilizam a bicicleta no dia a dia.

— Às vezes as ruas são muito estreitas ou não tem via para a bicicleta, normalmente a calçada também é ruim. Então você tem que competir com o carro na rua, essa é a parte mais complicada.

Assim como a Ananda, outras pessoas adotariam a ideia caso a cidade oferecesse mais recursos para motivar o uso desse transporte, chamado de mobilidade ativa. Para o professor e pesquisador de Educação Física da UFSC, Cassiano Rech o maior problema de mobilidade em Florianópolis é que a cidade não possui um planejamento urbano pensado para as pessoas, e sim para outros meios de transporte.

— A ideia então é que haja um planejamento urbano para possibilitar que as pessoas estejam no centro do planejamento e não os carros. Se pensa muito pouco na fomentação e criação de ciclovias e calçadas adequadas para que se aumente essa mobilidade.

Com a pouca estrutura pensada na segurança de quem utiliza a bicicleta como meio de transporte, a dificuldade e o medo acabam fazendo com que uma parte dessa estatística passe a adotar outras formas de se locomover. Wagner Locks, que durante um ano fez seu trajeto diário até faculdade dessa forma, acabou abandonando o hábito após ser atropelado por um ônibus em uma rua que não oferecia sequer sinalização de ciclorrota, algo comum na cidade. Como sua bicicleta teve perda total, ele voltou a usar o ônibus para ir às aulas e estágio.

Trabalhar a mobilidade nesses casos não é apenas uma questão de deslocamento, mas também de estruturação de vida no meio urbano, algo que acaba influenciando em aspectos econômicos, sociais e ambientais, interferindo na própria qualidade de vida da população. Segundo Sérgio Moraes um dos grandes desafios de Florianópolis é a sua topografia, além da sua estrutura ter sido desenvolvida em forma de espinha de peixe com pouco planejamento.

— Uma alternativa para melhorar a urbanização da cidade seria a priorização do uso das bicicletas, mas para isso também precisa de investimento em políticas públicas. Tudo vai passar por políticas públicas e investimentos. Quando você tem políticas públicas dirigidas para a mobilidade ativa, que seriam os pedestres e as bicicletas, você consegue maiores recursos, mas ai vai muito do tipo de gestão urbana que cada administração eleita faz. A ideia de se montar um sistema cicloviário que vai ser composto por vias compartilhadas, ciclofaixas ou ciclovias ajuda fazendo com que a mobilidade urbana aconteça de uma maneira mais integrada, mais racional.

Neste cenário o automóvel continua em maior número na rotina da população, cerca de 48% dos deslocamentos são feitos com carro na cidade, ficando na frente inclusive do transporte coletivo, que apareceu com 26,44% na última pesquisa feita pelo Plamus. Estatísticas que justificam a rotina constante de congestionamentos em horários cada vez mais frequentes para os moradores. Por isso, desde 2014 está em trâmite na prefeitura um projeto para a implantação de transporte marítimo na ilha, ainda sem previsão para ser concluído.

Lauro Laureano, estudante Fonoaudiologia da UFSC que mora na Costa da Lagoa, utiliza o único transporte marítimo disponível em Florianópolis. Ele percorre um longo trajeto de barco por dia. Somando 40 minutos em mar, mais o mesmo tempo em ônibus, ele gasta cerca de 3h em transporte por dia em uma rota de 14km. A passagem de barco custa R$ 1,99 para moradores da Costa da Lagoa. Além da passagem do transporte hidroviário, Lauro ainda gasta com o transporte terrestre que não é integrado. Como o carro da família não chega até a Costa, seus pais gastam cerca de R$ 200 reais por mês para deixá-lo em um estacionamento no “Centrinho da Lagoa”, o que aumenta ainda mais seus custos com locomoção.

Por mais que no período letivo o cansaço do trajeto seja grande, para Lauro, o transporte marítimo têm suas vantagens. Uma delas é estabilidade nos horários. “Um trajeto nunca dura mais do que 40 minutos porque não tem trânsito”, conta.

A espera da população pela implementação do transporte aquaviário intermunicipal perdura anualmente. Caso essa alternativa seja implantada de forma a interligar outras regiões, como o trajeto continente e ilha, a esperança da população é que os congestionamentos diminuam, assim como o tempo de locomoção.

O que diz o secretário municipal de mobilidade urbana de Florianópolis

Em entrevista, o secretário municipal de mobilidade, Marcelo Roberto da Silva, afirmou que o projeto de transporte aquaviário faz parte do plano de governo de Florianópolis, mas a sua implementação depende também do Deter (Departamento de Transportes e Terminais), assim como dos municípios vizinhos. Na década de 90 a cidade até iniciou o projeto com a obra do trapiche, mas de acordo com ele, apenas Florianópolis iniciou o trabalho. Outro impedimento é que, além do transporte marítimo, é preciso oferecer uma ligação de fácil acesso com o terrestre, algo que deve mexer com toda a estrutura da região.

Um dos grandes desafios da cidade é comportar moradores do continente que trabalham e utilizam serviços na região diariamente, somando cerca de 72% da demanda. Como a cidade inicialmente não foi planejada para um grande número de automóveis, as vias acabam oferecendo pouca área de circulação, algo propenso a gerar congestionamentos. Entre as pontes Pedro Ivo Campos e Colombo Salles, que ligam a ilha e o continente, circulam em média 8 mil carros por hora, e apenas 5% deles são utilizados por mais de uma pessoa.

Atualmente o município trabalha com base no conceito de centralidade, onde cada bairro deve ser planejado para oferecer serviços básicos que dispensam deslocamentos desnecessários entre os seus moradores, como bancos, escolas e postos de saúde. Além de gerar mais qualidade de vida, essa opção, de acordo com o secretário, visa estimular o uso da bicicleta e a menor necessidade de tráfego de automóveis nas ruas.

Outro assunto que entra em debate sobre a mobilidade de Florianópolis é a falta de integração no transporte coletivo, principalmente em vias intermunicipais. De acordo com o secretário, mesmo que a parada final seja o terminal de Florianópolis essa é uma questão que depende de cada município, que deve recorrer com licitações. Na ilha um dos projetos que circulam é a implementação de corredores exclusivos para ônibus em locais de fluxo intenso para diminuir o tempo gasto no transporte público, e como consequência, a substituição de carros por ônibus nas ruas. Atualmente a média da população é de 2,3 automóveis por habitante.

- É importante mostrar que precisamos deixar o carro em casa e utilizar o serviço de transporte coletivo de Florianópolis, porque senão para. Se hoje eu tenho uma linha de manhã cedo que faz a volta ao morro, o tempo dela na primeira viagem do dia é de 35 minutos, temos determinados horários do dia que ela faz 1h20min no mesmo trajeto. Então estamos trabalhando em uma política onde haja corredores exclusivamente de ônibus, para que essa opção seja mais rápida e priorizada pela população.

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