Mudando a vida de lugar

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15 min readDec 2, 2019

Como uma iniciativa voluntária está transformando o dia a dia dos vestibulandos do Norte da Ilha

Everson da Silva Romualdo, terceiro da esquerda para a direita, e Lucas Mattos, ao lado, foram os primeiros aprovados em universidade pública através do Cursinho do Zinga. De camisa xadrez azul, Lucas Ferreira, idealizador do projeto; de camiseta preta da banda Pearl Jam, o coordenador geral, Bruno Martins. | Foto por: Divulgação

Por Gustavo Cruz, Isadora Assis e Lorena Abreu

Cursinho pré-vestibular gratuito. Totalmente comunitário. Só com matérias tradicionais? Não, com temas críticos também. Mas onde? Ingleses.

Um guardanapo de papel elencando essas ideias, com riscos, desenhos, setas e tudo que um começo de projeto pode ter, ocupava o centro de uma mesa de plástico de um dos bares mais tradicionais da Avenida Hercílio Luz, no coração de Florianópolis. Naquela noite quente de novembro, um ano atrás, Lucas Ferreira, professor da rede municipal de educação, junto a amigos, alguns dos quais seus ex-alunos, em meio a risadas, conversas e cervejas, rabiscavam ali, no Rio’s Bar, as sementes do que viria a transformar socialmente o Norte da Ilha de Florianópolis: o Cursinho do Zinga, a primeira iniciativa de cursinho pré-vestibular comunitário gratuito daquela região.

Um dos antigos alunos de Lucas presentes no bar, Bruno Martins, 20 anos, lembra como racionalizaram para localizar o projeto na cidade: “Florianópolis tinha outros cinco cursinhos comunitários com um apelo mais popular, e todos eram no Centro ou no Sul da Ilha. O Norte é uma área extremamente populosa, que cresce muito e com várias precariedades — por exemplo, não há uma praça pública aqui. O Lucas, então, cravou que seria no Norte da Ilha, porque ele entende muito bem como funciona a malha da educação.”

Mapa dos cursinhos gratuitos em Florianópolis. | Mapa por: Lorena Abreu

A ideia era nova; a inquietação do professor Lucas, não. Ele, que também trabalhava como docente do curso de Geografia da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), sempre almejou aproximar o conceito de Universidade da vida de todas as pessoas. “Algo que sempre me incomodou na Universidade é como, cada vez mais, ela está apartada da vida das pessoas. Criou-se uma grande farsa dentro dessas instituições, com professores colocando vários artigos repetidos para ganhar pontuação no Lattes, ‘amiguinho’ colocando artigo em revista de ‘amiguinho’, e, assim, a universidade foi afastando-se do povo,” avalia. “O nosso objetivo é pegar um trabalhador que está numa cozinha, a cinquenta graus, ou trabalhando em construção civil, comércio etc, e tirar a vida dele do lugar. Nosso público é operário.”

“Alguns outros projetos em Florianópolis estão ali para convencer o público de classe média de que estão fazendo algo interessante, mas que eu não acho que tiram a vida das pessoas do lugar. Alguns estão super bonitinhos, mas, na prática, não mudam em nada a vida das pessoas. O Zinga tira a pessoa de um lugar e coloca em outro”.

Quando estava na primeira fase da faculdade, Lucas começara a dar aula no Pré-Vestibular Comunitário Gratuito, o PVC, primeiro cursinho comunitário de Florianópolis, no bairro do Rio Tavares. “Eu mal entrei e já assumi a coordenação, além de atuar como professor. Aprendi lá a dar aula em cursinho comunitário. Foi bonito aprender também com a dinâmica que vinha do cursinho pertencer à associação de moradores e à associação de trabalhadores da Eletrosul,” lembra.

No Brasil, cerca de 85% dos estudantes estão em escolas públicas, enquanto que, nas universidades de maior performance do país, 70% dos universitários vieram de escolas particulares. Some a isso o fato de que a evasão escolar, motivada por baixo apoio familiar aos estudos e condições econômicas desfavoráveis, atinge 13,2% dos alunos de Ensino Médio, e que apenas 11,3% da população adulta possui ensino superior completo, tem-se uma realidade que, para mentes revolucionárias, exige mudança imediata. Dos doze alunos do Zinga a prestarem vestibular na metade de 2019, sete conseguiram aprovação, considerando todas as chamadas. A maioria deles foi a primeira pessoa de suas famílias a ingressar no ensino superior.

“Tem aluno nosso que passou em Economia e é empacotador do [hortifruti] Direto do Campo no Rio Vermelho. Outro, é filho de dois auxiliares de limpeza de shopping center, e passou em Engenharia Florestal. As histórias são muito bonitas e acabam tendo um efeito transformador na vida das pessoas muito maior que os caminhos comuns de luta,” comemora Lucas. “Somos bem próximos dos estudantes. Como a gente passa bastante tempo juntos, criamos uma relação de carinho e cuidado, então tentamos ajudá-los na medida do possível. Quando precisam de emprego, às vezes encontramos um conhecido que consegue oferecer. Além disso, nunca tiramos nenhum aluno daqui.”

Engajamento e representatividade. Essas são as duas palavras que o professor Lucas entende como pilares para o funcionamento do projeto. Ele aposta que os estudantes enxerguem no Cursinho uma possibilidade de revolução, para que tenham coragem de sair de onde estão e chegarem até a escola, mesmo depois de uma jornada de trabalho de, muitas vezes, dez horas. Já os professores e a coordenação, ele acredita, precisam estar verdadeiramente ali, doando, cada um, um pouquinho de si para que o Zinga possa funcionar. O projeto acabou angariando vários voluntários, no meio do caminho, que dão esse “pouquinho de si” e conseguem manter a ideia viva.

“O estudante do cursinho precisa ter uma atitude revolucionária, de tentar tirar a sua própria vida do lugar.” Se o cursinho tivesse um lema, talvez “tirar a sua própria vida do lugar” fosse a melhor opção. De que vale criar outro ambiente de ensino se não para mudar a vida das pessoas?

As sextas-feiras no cursinho são um exemplo dessa atitude. De segunda a quinta-feira, as aulas tradicionais acontecem das 19h20min às 22h. Cada semana, porém, às sextas, algo diferente acontece. O Zinga já recebeu figuras conhecidas, como Alexandre Beck, criador das tirinhas do personagem Armandinho, e o chargista Latuff, para palestras. Também teve o professor Marcelo da Silva, do canal Geografia Irada, do YouTube, o mais popular do tipo no país, para um aulão. Professores de cursinhos particulares da cidade, como Energia, Gaia e COC, também já compareceram ao Norte da Ilha para colaborar com o projeto. Um grupo de teatro do bairro Rio Vermelho também fez uma apresentação especial, bem como rappers ofereceram shows de música. O cursinho também já apresentou debates sobre temas como a relação entre feminismo e maternidade, e racismo. A ideia é trazer semanalmente algo novo para que o final da semana de estudos dos alunos possa ter mais arte, política e formação humana e crítica.

Da esquerda para a direita: professores, coordenadores e alunos do Cursinho do Zinga; Glee Ribeiro, músico, apresentando-se na aula inaugural do cursinho. | Fotos por: Divulgação
Da esquerda para a direita: aulão de sexta com o professor convidado Chang, em março/2019; Cleo Goulart, professor de história; professora Gabriela Santos, de química, no primeiro dia de aula do Cursinho do Zinga. | Fotos por: Divulgação

O professor Lucas reconhece que, por tratar-se de uma região muito conservadora e religiosa (e isso inclui parte dos alunos), essas sextas-feiras acabam tocando em pontos sensíveis. No debate sobre feminismo, ele lembra, as mulheres ficaram bastante impactadas: algumas saíram do auditório, mas outras ficaram e passaram a refletir um pouco sobre o assunto.

A polarização política que toma conta do país, portanto, não escapou o Cursinho do Zinga. Porém, houve apenas um incidente de maior conflito. Cada turma tem seu grupo de mensagens no WhatsApp. Em um desses grupos, simpatizantes do ex-Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva e do atual Presidente, Jair Bolsonaro, começaram a ter discussões bastante acirradas. Lucas precisou intervir, para evitar a escalada da confusão. “Eu sou comunista até a medula, mas a gente não tem qualquer tipo de atrelamento. Sabemos separar as coisas. Este é um projeto social em uma escola pública, então evitamos questões partidárias e coisas dessa natureza, que podem colocar em risco nosso funcionamento.”

Porém, conversando com a reportagem, Lucas não esconde o pensamento político por trás do Zinga. Ele discorre: “As escolas particulares vão formar a classe dirigente e as escolas públicas vão formar a classe operária. Por isso, colocam trinta e cinco estudantes por sala, sobrecarregam professores, permitem que as estruturas fiquem acabadas, sem tecnologia. Os ‘donos do poder’ querem que a escola pública fique simplesmente reproduzindo a mão de obra, enquanto os filhos deles vão estudar em escolas bilíngues e constituir o seu capital cultural para dirigir os trabalhadores.”

Atualmente, além dos cinco cofundadores, a iniciativa conta com dezesseis professores, um designer, um assistente de comunicação, um contador, dois administradores, uma psicóloga e a coordenação geral, todos voluntários. Bella Kern, 21 anos, natural de Curitiba, no Paraná, e estudante de sexta fase de Geografia na Udesc, era uma das pessoas sentadas naquela mesa de bar, há um ano, quando da idealização do projeto. Bella teve experiência com cursinhos quando estudante ainda na sua cidade natal, através do tradicional Dom Bosco, que, apesar de oferecer algumas bolsas, era um dos pré-vestibulares com as mensalidades mais caras da capital paranaense. Pelo resultado que obteve na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), teve acesso à Udesc, de onde estará formada em 2020.

Como já morou com seu pai nos Estados Unidos, onde ganhou fluência na língua inglesa, Bella decidiu ajudar ao Zinga como professora de Inglês. Não é, porém, sua primeira experiência. Ela também ensina a disciplina no Pré-Vestibular Comunitário Gratuito, outro projeto do gênero, mas baseado no Sul da Ilha, especificamente no bairro do Rio Tavares. O curso de licenciatura na Udesc contribui bastante com as aulas de Bella nos cursinhos, assim como as conversas que teve com outros professores que já conhecia — alguns inclusive ajudaram a professora a selecionar todo o conteúdo e material pedagógico a ser utilizado em sala.

“Mesmo que eu esteja na universidade e tenha vários trabalhos, eu acho tempo para pensar as aulas. Esta [dar aulas em cursinhos gratuitos] é a maneira que eu achei para me autoavaliar e conceber o que queria fazer na atual situação,” explica Bella Kern. “Eu tento fazer os alunos dominarem o inglês, e consegui realizar, este ano, várias práticas que eu pensei em fazer até no próprio curso de Geografia. Um professor sempre tem que estar alimentando-se, achando outras práticas para ensinar os alunos. Isso vale mesmo para um cursinho pré-vestibular, que não é uma escola, mas onde todos estão lá porque precisam, e conseguem atingir níveis muito elevados justamente por isso. Sei que falo para pessoas que querem estar lá. Meus alunos são ótimos e levam muito bem tudo que eu consigo ensinar,” pondera. “Os alunos às vezes sabem coisas que você não sabe, como alguma gíria. E eles sempre riem das minhas piadas, o que é ótimo!”

São quarenta minutos por semana de aula de línguas. Ela comenta que divide seu horário de aulas, nas quintas-feiras, com a professora Larissa, que ensina o Espanhol para o vestibular. E que, como é comum na maioria dos cursinhos, há evasão de alunos, especialmente ao final do ano. Às vezes, ela diz, sobram quatro, às vezes dez alunos em sala — o número é maior nas turmas de semi-extensivo. “Todos eles me conhecem, tem gostado da minha didática, e não só isso, tem gostado do Zinga em si. O cursinho está muito unido. Esta é a nossa primeira turma, então eles sabem o que têm pra gente, e que eles têm por nós.”

Para Lucas Ferreira, os professores não podem ter, dentro de si, os valores e princípios que o Zinga combate. Também faz parte da seleção a experiência: “Quanto tem mais de um professor por área, a gente tenta fazer uma combinação, de colocar alguém mais jovem, já que este é um espaço formativo para professores, com alguém mais experiente, para dar segurança aos alunos e ajudar os voluntários mais novos.”

Por ser gratuito, o Cursinho do Zinga requer diversas ferramentas para que a engrenagem funcione. Lucas Ferreira é professor de uma escola municipal vizinha à Escola Básica Professora Herondina Medeiros Zeferino, cujo diretor é seu amigo, o que facilitou o contato e também a possibilidade de que o espaço pudesse abrigar o Zinga. “É fundamental citar que a escola é nossa maior apoiadora, com certeza. Se não há espaço físico, não há aula. Além disso, se a gente precisa de uma sala, de um auditório, de um canetão, o que eles puderem ceder, eles dão,” faz questão de elogiar Bruno Martins Vieira, um dos coordenadores.

O primeiro projetor do Cursinho foi comprado com fundos arrecadados através da venda de rifas. Cada estudante doou um chocolate para o cursinho, que montou algumas cestas e organizou os sorteios.

Atualmente, cada professor produz seu material pedagógico. A ideia é que, em breve, o Zinga tenha condições de produzir apostilas. O cursinho é também um dos únicos em Santa Catarina a ter um aplicativo para celular próprio, produzido pelo irmão de Lucas, Gabriel Ferreira, disponível para aparelhos com o sistema operacional Android. Lá, os alunos encontram todos os conteúdos, que são alimentados pelos próprios professores. Também há interação direta entre docentes e discentes através do aplicativo WhatsApp, para resolução de dúvidas.

Aplicativo produzido por Gabriel Ferreira. | Imagens por: Divulgação do Aplicativo

A aluna Anna Laura Figueiredo, 22 anos, participava de outro cursinho comunitário, no Centro de Florianópolis. “Para mim, ficavam muito ruim, as questões de horário e locomoção. Eu acabava chegando muito tarde em casa e não tinha tempo para revisar as matérias e estudar,” lembra. Anna tinha amigos que já participavam do Zinga e que a incentivaram a conversar com os coordenadores e contar sua situação. Depois desse contato, passou a frequentar o cursinho.

Formada no curso de Técnico em Enfermagem, Anna pretende prestar vestibular na área que mais gosta, de Saúde. Sua primeira opção é o curso superior de Enfermagem, seguido por Fisioterapia. Ela tem acesso às vagas de ações afirmativas, tanto as direcionadas a alunos de escolas públicas como as para estudantes com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita — esses são também critérios de seleção para alunos do Zinga, assim como a participação no programa social Bolsa Família e um recorte racial. Suas duas irmãs já passaram pelo ensino superior: uma é formada em Oceanografia pela Universidade Federal de Santa Catarina, e outra é formada em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

Anna admite que, por causa das atribulações da sua rotina, acaba não tendo tempo para estudar algumas das matérias fora do período do cursinho, mas acredita que os momentos que passa dentro do Zinga já suprem parte da necessidade de atenção aos temas das provas.

“O Zinga diferencia-se por ter pessoas com o mesmo objetivo e que também compartilham do fato de participarem das ações afirmativas, de terem vindo de escolas públicas e serem de baixa renda. Isso é uma motivação a mais, saber que tem mais gente como eu podendo ter acesso a um cursinho, a uma aprendizagem diferenciada,” comenta. “Talvez um cursinho pago não tivesse tanta abertura para compartilharmos nossas vivências e ficarmos à vontade,” valoriza. Ela também acredita que a presença de universitários dando aulas faz a diferença, por trazer a realidade de dentro da Universidade aos alunos.

Outra parte importante são os voluntários que fazem todo o sistema funcionar corretamente. Cada um sabe sua função, e às vezes até acumulam mais de uma, para não faltar nada aos alunos. Bárbara Poerner, formada em Moda pela Udesc, e que coordena a área de comunicação do cursinho, por exemplo, mudou-se para São Paulo-SP no meio do ano por motivos profissionais, mas continua atuando no que pode. Uma vez por mês vem a Florianópolis, e o principal motivo é sua atuação no Zinga. Ela conta que já chegou a chamar um carro através de um famoso aplicativo de transporte individual da capital paulistana para uma professora que estava em Florianópolis e precisava chegar ao Cursinho na hora. “Quando estou em Florianópolis, tento fazer o máximo que posso fisicamente, para ter conteúdos que possa postar nas redes depois. Por exemplo, faço uma entrevista aqui para editar de longe,” esclarece.

Bárbara é responsável por cuidar das redes sociais do Cursinho (Facebook e Instagram) e de um blog nesta plataforma Medium, que ainda está começando a ser aproveitado. Há também o site oficial, que é utilizado principalmente nos períodos de inscrição de alunos. Ela cuida de textos e de questões de design. Atualmente, a área de comunicação conta com outros dois voluntários: Ana Beatriz e Fabian Shinzato, que é designer.

Lucas Ferreira comenta que o Zinga é muito querido por todas as pessoas de pensamento progressista em Florianópolis. “Aqueles que tem o pensamento pra frente e moram no Campeche, na Trindade ou em Coqueiros, acham o Zinga o máximo, e, às vezes, as pessoas que moram aqui na esquina ainda não conhecem o projeto. Então, para o próximo ano, vamos apostar mais em comunicação física,” planeja. “No fim, quem foi impactado pela força do nosso exemplo foi um público que já tinha ideias próximas às nossas. Agora temos que mudar a cabeça das pessoas comuns e sair desta cultura de gueto da Esquerda.”

“Este projeto pode se tornar uma experiência incrível de desenvolvimento pessoal e também social, a depender de como o trabalho se constituir,” diz a voluntária Priscila Kauffmann, 32 anos, psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), que informou-se sobre o Zinga através de um jornal local. Quando viu a chamada para voluntários, decidiu participar por acreditar na importância de propostas de educação comunitária e no impacto social que provocam. Kauffmann tem em seu currículo experiências profissionais anteriores em outros espaços socioeducativos que também contavam com psicologia social comunitária, incluindo outro cursinho de proposta semelhante.

A psicóloga acredita que estudantes de cursinhos populares comunitários e de cursinhos particulares compartilham uma fase da vida semelhante, que inclui a construção de uma identidade profissional e, finalmente, a resolução interna de um conflito particular da adolescência, a possibilidade de “ser alguém em algum lugar”. Porém, para além dos aspectos comuns, a condição socioeconômica das pessoas acaba tendo um papel crucial.

“Diante das exigências da vida, há um sofrimento psíquico considerável, não somente de ordem exclusivamente psíquica, mas também intensificados por problemas decorrentes da estrutura socioeconômica desigual em que estamos inseridas e inseridos. As dificuldades enfrentadas pelos estudantes do Zinga são muito grandes. É uma exigência pesada, manter a dupla jornada de trabalho e estudo. Soma-se a isso, ainda, demais dificuldades, como a de mobilidade na cidade,” comenta. “Muitos estudantes do Zinga são pessoas adultas, por vezes na meia idade, que encontram no projeto uma possibilidade de resgatar um desejo importante na sua vida, de voltar a estudar e adquirir uma profissão que proporcione realização pessoal,” completa.

Até este momento, o apoio oferecido por Kauffmann aos alunos que sentiram necessidade e desejo de participar esteve mais centrado na orientação profissional. Ela acredita que em anos futuros, poderá ampliar ainda mais o escopo, caso o cursinho venha a contar com a ajuda de mais profissionais da Psicologia. Ela acredita que o Zinga tende a ganhar com cada integrante (inclusive alunos) tendo uma postura ativa, sentindo-se pertencente e responsável pela construção do trabalho.

Nas orientações, a psicóloga incentiva os estudantes a valorizar o que realmente gostam de fazer, mesmo no processo de escolha pelo curso. “Tentar ‘desacelerar’ é muito importante, valorizando momentos de lazer e descanso intercalados à rotina de estudos,” sugere. No período que antecede os dias de provas, ela acredita em reduzir as horas de estudos, ou mesmo cessa-las — o que vale também para as aulas. Além disso, também tenta estimular os alunos a “olharem para trás” e reconhecerem e lembrarem-se do esforço que já fizeram. “Parabenizar-se é importante. Também é muito importante lembrar que a etapa de provas não é a única oportunidade das suas vidas, que existe a possibilidade de tentar de novo,” pondera.

Outra ferramenta também bastante importante é a página na plataforma de financiamento coletivo Apoia-se. São arrecadados aproximadamente R$ 650 por mês, através de doadores instigados pela proposta do Zinga. A meta está fixada em R$ 3000, um valor que ajudaria a cobrir gastos operacionais, como, por exemplo, com auxílio transporte para professores e estudantes, materiais (livros, listas, simulados etc), publicidade (folders, cartões de divulgação, cartazes), eventos e equipamentos.

Para o coordenador e professor de geografia do cursinho, Bruno Martins Vieira, a maior dificuldade do Zinga é também o que ele tem de mais bonito: o fato de ser totalmente voluntário. “É magnífico que um professor ou uma professora diga, ‘a única coisa que eu consigo contribuir com vocês é quarenta minutos, uma noite na semana’. Isso é ótimo, lindo. Mas também seria magnífico conseguir proporcionar passe de ônibus, ou pagar gasolina, ou dar um apoio financeiro, pagar um lanche, enfim. Todo esse tipo de coisa.” Bruno conta já ter ouvido de professores que participar do Zinga ajudou-lhes a lidar com depressão e ansiedade, no âmbito pessoal.

O material utilizado por cada professor é produzido por conta própria, tendo prioridade a mídia digital, para cortar gastos. Com doações, rifas, e principalmente, o espaço físico cedido pela escola, sua grande parceira, o Cursinho do Zinga mantém-se comunitário e totalmente voluntário. Para Bruno, o primordial para o projeto funcionar é juntar pessoas que acreditam no que estão fazendo e acreditam que as outras pessoas com quem estão trabalhando, como estudantes, outros professores e coordenadores, também tem total capacidade para chegar onde quiserem.

“Acabamos contrapondo os cursinhos particulares, porque o objetivo deles é vender um produto, que é a aprovação nos vestibulares, e o que a gente tem como objetivo é, além de uma aprovação, educar as pessoas,” complementa o coordenador geral, sobre este projeto de cidadania que vai muito além das vagas de vestibular, e que, em seus primeiros passos, já conquistou muito, para tantos.

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