Quem chega, quem parte e quem fica

Oito mil pessoas por dia passam pelo Terminal Rita Maria, cada uma delas carregando uma história diferente e cheia de significados

Ilana Cardial
tudix
6 min readJun 20, 2018

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Pela rodoviária intermunicipal de Florianópolis, 8 mil pessoas passam todos os dias com diferentes histórias e destinos finais

Por Catarina Duarte, Ilana Cardial e Lívia Schumacher

O tempo de espera no Terminal Rodoviário Rita Maria, em Florianópolis, tem um significado diferente para cada um. Talita aguarda alguns minutos o ônibus para fazer baldeação para Gaspar, enquanto Salvador Jesus permanece na rodoviária há três dias — sem previsão de partir para a Bahia. Amabily volta à ilha após visitar seu marido na penitenciária, logo após Cristiana desembarcar com sua filha na cidade onde escolheu viver uma nova fase de sua vida.

Quem chega

Amabily chega de no Terminal, após visitar seu marido no Presídio Masculino de Tubarão.

Aos 18 anos, Amabily já foi até Mossoró, Rio Grande do Norte, visitar seu marido na Penitenciária Agrícola do município. Hoje, a moradora de Barreiros, costuma pegar o ônibus para a cidade de Tubarão, a 139 km da capital, toda semana, para as visitas que começam cedo, às 7h30 da manhã. Encontrado com drogas no aeroporto de Florianópolis, ele foi preso após passar dois meses em liberdade. “Eu não apoio, não participo de nada, mas o amor fala mais alto”, afirma. O relacionamento já dura seis anos e começou via redes sociais. Amabily acredita que após a nova condenação, ele deve ficar 10 anos preso. Ela pretende acompanhá-lo.

Cristiana e sua filha desembarcam em Florianópolis, onde moram há 6 meses, após visitarem a família no Rio Grande do Sul.

Cristiana Aquino acaba de chegar com sua filha de volta à Florianópolis, local que desde dezembro de 2017 elas chamam de casa. Ela tira uma fita durex que por sorte colocou na bolsa e começa um arranjo enjambrado na sua mala, estragada pelo funcionário da empresa do ônibus em que vieram. A gaúcha de Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, tinha ido visitar sua cidade natal para comemorar o aniversário de 18 anos do filho, que continua morando mais ao sul com a sogra de Cristiana. Acostumada com as mudanças de seus sete irmãos, que agora vivem um para cada canto do Rio Grande do Sul, ela entende a decisão do filho de ficar em Porto Alegre. “Já tive a idade dele […] Ele já tem um ciclo de amizade lá, ele estuda ele trabalha, ele namora”.

Quem parte

Talita Amaro passa por Florianópolis em sua viagem de Gaspar à Guarda do Embaú.

Talita Amaro passa rapidamente por Florianópolis em seu caminho entre a Guarda do Embaú e Gaspar, sua cidade natal. As duas horas que separam os municípios são o caminho que ela faz desde outubro de 2017, quando se mudou para a Reserva Mundial do Surf. O agito da cidade litorânea era mais sua cara. Lá trabalha em uma loja de especiarias de Bali e da Indonésia, ou faz bicos na baixa temporada, época em que Guarda fica com movimento reduzido.

Quem fica

No Terminal, Salvador Jesus passará as próximas semanas aguardando o próximo ônibus direto para a Bahia.

Com o cenho franzido e os braços cruzados, Salvador Jesus está no Terminal pelo terceiro dia seguido. Sem conseguir emprego pelos quatro meses que ficou em Florianópolis, o baiano já não vê a hora de voltar para sua terra. No momento da reportagem, um café, um pão doado por uma moça e muita água eram a base de sua alimentação pelas últimas 72 horas. Suas esperanças estão apoiadas em Deus na conquista de um emprego ou de uma passagem para a casa.

Pela quinta vez na ilha, esta é a primeira em que Salvador não consegue trabalho nem mesmo como auxiliar de pedreiro. Em cenário de crise, ele se junta aos 270 mil desempregados do estado de Santa Catarina — maior índice desde 2012, segundo pesquisa do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Sem dinheiro, a expectativa é que um amigo consiga os 300 reais necessários para sua passagem até a Bahia. O próximo ônibus direto, com o valor do bilhete mais barato, sairá só no próximo mês.

Patrick e Luís estão na rodoviária há mais de duas semanas por não terem onde se abrigar em Florianópolis.

Patrick e Luís também estão alocados na rodoviária. Os jovens já se acomodaram e ali fazem proveito dos banheiros e chuveiros, utilizam as tomadas para carregar seus celulares e já aprenderam os truques para fazer uso da internet por mais de meia-hora — tempo de acesso gratuito no Terminal — e entrar nas salas VIP das companhias de viação. Patrick mora em Florianópolis por 18 dos seus 24 anos. Já se considera manezinho, mas — por enquanto — faz da rodoviária seu abrigo. Luís, no entanto, chegou há 15 dias e ainda comemora o emprego que conseguiu na área de automação.

O tempo no terminal é tanto, que os amigos já conquistaram a amizade dos guardas. Dentre as várias cenas do local, a que mais acham graça é do moço e seus três pombos: Zezinho, Pedrinho e Joãozinho. Com pedaços de pão, o senhor atrai seus pássaros chamando-os pelo nome e os coloca em fila.

O desejo de Patrick, Luís, Salvador Jesus e as demais pessoas que permanecem na rodoviária é conseguir um emprego e sair de uma situação tão instável. “A gente já deu muito prejuízo aqui”, diz Luís com a risada fácil, ainda que em momento tão delicado. O rapaz ainda sonha em ter uma casa e fazer passeios pelas praias da Ilha da Magia.

A equipe de reportagem tentou contato com a Secretaria de Assistência Social de Florianópolis para saber sobre a situação de alojamento das pessoas que chegam na cidade em situação vulnerabilidade econômica, mas não foi atendida.

Terminal Rita Maria

O Rita Maria recebe cerca de 12 mil pessoas por dia, em alta temporada.

O Terminal Rodoviário foi inaugurado no dia 07 de setembro de 1981, na Ilha de Santa Catarina. Substituindo a rodoviária localizada na Av. Mauro Ramos, o novo prédio começou a funcionar a pouco mais de um quilômetro de distância, na Av. Paulo Fontes. Durante a gestão do então governador Jorge Bornhausen, o projeto foi desenvolvido pelos arquitetos Enrique H. Brena — responsável pela concepção do edifício da Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), na década de 80 — e Yamandu J. Carlevaro, vencedor da medalha Honra ao Mérito entregue pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo em Santa Catarina (CAU/SC) no ano passado.

Ao todo, 19 empresas realizam viagens com origem ou destino em Florianópolis. Durante o verão, são registrados 500 itnerários percorridos por dia, em média

Pelos 15.700m² do Terminal, em baixa temporada, passam 8 mil pessoas por dia. Durante o verão, época de fluxo mais intenso, o número sobe para 12 mil. Em 2017, até o dia 09 de janeiro, a rodoviária já havia registrado 115 mil passageiros, de acordo com o gerente administrativo, Laurino Peters, em entrevista ao jornal Notícias do Dia. Os passageiros embarcam e desembarcam em direção a diversas regiões. São 19 empresas responsáveis pelas viagens intermunicipais, interestaduais e internacionais. Atualmente, o maior dos trajetos é entre Florianópolis e Santiago, capital do Chile.

Estátua de sucata feita pelo artista gaúcho Paulo Siqueira em homenagem à benzedeira Rita Maria.

Rita Maria, que dá nome à rodoviária, foi filha de escravos e rendeira, como muitas moradoras da Ilha. Ela viveu entre os séculos XVIII e XIX próximo à praia, no Centro, de acordo com o historiador Dr. Osvaldo Rodrigues Cabral ao Guia Floripa. Descrita como mulher do riso fácil, era conhecida por suas benzeduras e recepções calorosas aos que chegavam na região. Uma de suas rezas está registrada na escultura de sucata em sua homenagem, feita pelo gaúcho Paulo Siqueira, que hoje marca a entrada do terminal:

“Deus é Sol, Deus é Lua, Deus é a Claridade. Deus é as três pessoas da Santíssima Trindade”.

Na placa, uma das benzeduras atribuídas à Rita Maria.

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