A insustentável leveza de estar só

Talita Sobral
Pela Metade
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4 min readJul 19, 2018
reprodução de instagram.com/lorrainesorlet

Sinto que a melhor forma de começar esse texto é deixando clara minha relação com a solidão. Eu venho de uma família grande, tanto por parte de pai quanto por parte de mãe. Sou a mais nova de quatro filhos. Nunca tive um quarto só meu e foram raros os momentos que fiquei sozinha em casa.

Sempre comecei todos os anos na escola jurando que não iria fazer novos amigos e em um mês, eu tinha no mínimo dois círculos sociais distintos. Até na faculdade, eu morei com uma amiga e nossa casa era o reduto de segurança de vários outros amigos. Quando finalmente tomei coragem pra morar só, adotei um gato e a pessoa com a qual me relacionava na época, basicamente viveu comigo.

Em todos os lugares que fui, todas as situações que vivi, tudo que construiu a pessoa que sou hoje, envolve socializar. Socializar. Com. Muitas. Pessoas. Não me considero uma pessoa anti-social (controvérsias vão surgir), mas admito que viver nesse turbilhão de gente é, muitas vezes, cansativo (finalmente chegamos ao propósito deste texto) e eu gosto MUITO de estar só.

Não existe sensação melhor do que ter o seu momento. Entre você e você. Ir ao cinema sozinha, assistir uma série sozinha, comprar roupas sozinha, comer sozinha. Posso listar uma série de atividades extremamente satisfatórias sem um grupo envolvido e que são pouco estimadas. Por ser mulher, exercer esse pequeno momento de liberdade solitária pode ser problemático por uma série de razões (vamos começar pelo medo constante de assédio, por exemplo) mas também pode ser um ato extremamente revolucionário. Colocar seu corpo no mundo, sem depender de um indivíduo adicional para se referenciar.

Hoje, não moro mais com meus pais e irmãos nem convivo com hordas de pessoas todos os dias e ainda sim, sinto que tenho pouco tempo para apreciar minha própria companhia. A medida que envelheço, sinto que tenho mais autonomia ($) para viver esses momentos solitários mas ao mesmo tempo, menos liberdade para escolher onde e como viver essa solidão auto-infligida.

Vamos colocar em perspectiva: quando eu era adolescente, por exemplo, incontáveis vezes sentei na praça de alimentação do shopping pra escrever no meu diário; nas últimas semanas, trabalhei de casa no mínimo dois dos cinco dias, para poder estar apenas em minha companhia. Não me entenda mal, querer estar só não significa ter a meta de me tornar uma excêntrica com 57 gatos daqui a 2 anos (adoro a idéia dos 57 gatos, mas acho que meu apartamentinho de 60m² não aguentaria tanta energia acumulada) muito menos não conviver com pessoas.

É só entender que o silêncio ao meu redor, às vezes, é muito mais confortável do que todo o barulho na minha cabeça; que a minha presença é tão especial tanto pra mim quanto as presenças alheias; e principalmente, aceitar o fato de que eu sou a minha melhor amiga, desde o momento em que eu estava sendo formada no útero da minha mãe…. e serei até o dia em que essa existência acabar. Então, porque não passar um tempinho de qualidade com a minha bff?!

A impressão que tenho é de que existe uma confusão generalizada e muito louca entre estar sozinho, se sentir sozinho e se sentir solitário. Não sou expert em absolutamente nada que se relaciona com esses adjetivos nem me sinto preparada para entrar nessa explicação. O que importa, de fato, é entender o que você sente ao se colocar nesse papel: você é sozinho? você se sente solitária? Viver a solitude das coisas te faz bem? Como você se relaciona com você mesmo/mesma nesse papel?

Quando o ano de 2018 começou, eu fiz apenas uma promessa: ser sincera com as minhas vontades. Estar só é mais do que uma vontade, é uma necessidade. Isso não faz de mim uma pessoa fria ou desconectada da sociedade. Eu continuo amando meus amigos e minha família. Eu continuo tendo empatia por completos desconhecidos e chorando escondida pelas mazelas do mundo que não posso mudar exatamente agora. Mas só consigo reconhecer tudo que sinto, quando estou só. Me faz apreciar ainda mais viver em sociedade. Me faz me apreciar enquanto indivíduo na minha comunidade.

Meu exercício pra vocês hoje é: fiquem sozinhos, fiquem sozinhas. Apreciem o fluxo dos seus pensamentos, as coisas que fazem seus olhos brilharem e o que faz vocês sorrirem. Sem medo da observação alheia.

Como diria Clarissa Pinkola Estés, em Mulheres que Correm com Lobos, “(…) tente prestar atenção a sua intuição, à sua voz interior; faça perguntas; seja curiosa; veja o que estiver vendo; ouça o que estiver ouvindo; e então aja com base no que sabe ser verdade”. Ter uma conversa séria com o seu “eu” mais profundo é lindo e também muito esclarecedor. Acreditem, eu faço esse exercício com uma constância quase assustadora.

P.s.: Se quiser uma sugestão do que ouvir nesse momento intimista, sugiro a ótima playlist This Is Joni Mitchell, do Spotify. Desculpa, mas enaltecer essa mulher maravilhosa é minha meta terrena.

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Talita Sobral
Pela Metade

31. Gatos, leitura fragmentada e muitas horas de sono.