Encare seu trabalho como arte: você e o mundo vão agradecer

O que a arte e os hobbies podem nos ensinar sobre aprendizado e realização no trabalho?

Matheus Galvão
Pela Metade
6 min readOct 1, 2018

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Vira e mexe eu entro em discussões com alguns amigos sobre crises existenciais ligadas a trabalho. Passamos horas num espiral de “Nossa, por que é tão difícil trabalhar com algo que nos dá prazer?”

Mas o que dá prazer? O que nos deixa realizados? Dá pra ficar empolgado com atividades operacionais e mecânicas?

Fora isso, sempre tem a questão do destaque e reconhecimento pelo trabalho. Todo mundo quer isso. A questão é como e de onde o reconhecimento vem.

Aprenda com seus hobbies

Há uma tendência de amarmos coisas bem legais como desenhar, pintar, jogar vídeo-game, tocar um instrumento, praticar aeromodelismo, costurar, fotografar, praticar um esporte… A lista é infinita.

Espera aí, tudo isso são hobbies!

Sim, e você já parou para pensar em quanto a gente se dedica a aprender sobre os nossos hobbies?

Faça-você-mesmo

Nas décadas de 1950 e 60, kits de eletrônica faça-você-mesmo eram uma febre entre garotinhos e adolescentes. Eles liam manuais básicos de física, mecânica e eletrônica e montavam pequenos aparelhos — como uma calculadora — aplicando vários dos princípios que aprendiam. Hoje, muita gente quer ver a física e a eletrônica bem de longe.

Puxa, e o que mudou de lá para cá?

Não muito.

Se pararmos para pensar que, em vez de eletrônica, estamos na era da web, vamos perceber que o lance não é montar calculadoras ou minicomputadores. O faça-você-mesmo da vez pode ser montar um canal no YouTube.

O que muda mesmo é o objetivo final. Quando estamos diante de um propósito definido e queremos superar todos os obstáculos para alcançá-lo, nos sentimos motivados a buscar informações e a assimilar o procedimento para concluir a tarefa.

Agora pare para pensar nos hobbies como uma arte.

O que é arte?

Todo mundo associa o artista a alguém meio hippie e desleixado, que está sempre construindo algo subjetivo e abstrato.

O termo “arte” remete ao desenvolvimento de uma técnica, de uma habilidade. As “artes” sempre exigem preparo e aperfeiçoamento. Era assim com os artesãos nas corporações de ofício e com os pintores; todos começavam como aprendizes.

A arte hoje perdeu muito em habilidade e técnica e tem um apelo estético, pessoal e abstrato muito maior, mas as coisas precisam estar equilibradas, pois os que mais se destacam são os que unem as duas pontas.

Vamos comparar dois tipos de pessoas.

De um lado, uma violonista forjada em um ambiente familiar repleto de músicos. Ela foi forçada a estudar o instrumento desde criança e hoje executa com excelência um vasto repertório de obras clássicas. De outro, alguém que se apaixonou por violão quando adolescente e se dedicou a aprender o instrumento por conta própria; ele não executa peças clássicas, mas se tornou um compositor reconhecido.

Temos dois lados complementares da arte. A habilidade técnica desenvolvida e a individualidade ou sensibilidade.

Para a garota do primeiro exemplo o processo de aprendizado pode ter sido traumático e insuportável. Para o segundo, o aprendizado foi mais natural e prazeroso. Os dois se dedicaram e alcançaram um nível de excelência e reconhecimento. O primeiro parece não dar nenhum sentido estético próprio (estilo), o segundo sim.

Os bons fazem seu trabalho, os gênios fazem escola

Existem bons médicos que sabem fazer cirurgias complexas; existem ótimos médicos que vão além e solucionam situações quase irreversíveis com uma abordagem tão simples que ninguém sequer notou aquela alternativa. Existem arquitetos que são bons em fazer projetos; existem gênios como Oscar Niemeyer.

Ninguém duvida que a técnica é o início de tudo. Dedicar-se a aprender é requisito para adquirir as informações que vão ajudar alguém a fazer um trabalho. Mas quanto mais amamos esse processo de aprendizado e mais nos envolvemos com a atividade em si, melhor e mais sensibilidade terá o resultado final.

Isso implica algumas coisas.

O jeito com que nos envolvemos com o aprendizado diz muito sobre o profissional que podemos ser

Eu odeio matemática em geral, mas isso diz mais sobre a percepção negativa que eu tive com a maior parte dos professores da minha vida escolar. No 7º ano eu amava Matemática e chegeui a pensar em fazer Engenharia de Produção porque o professor da época era tão bom, que me fez ter uma relação positiva com a disciplina.

Já quis ser professor de Geografia por causa de uma outra professora. Detestei Filosofia como muitos e hoje adoro.

Não associe coisas positivas ou negativas a disciplinas ou assuntos. Quando crescemos, descobrimos que tudo pode ser útil e interessante quando estamos envolvidos com desafios pessoais.

Amamos o que fazemos quando nos entregamos ao que temos que aprender para fazê-lo

Várias vezes eu tive que encarar trrabalhos tediosos.

Quando eu advogava com mais frequência tinha que fazer petições. Nada pode ser mais tedioso do que isso. Num primeiro momento eu procrastinava, mas quando começava me pegava envolvido em uma pesquisa intensa de jurisprudência e legislação e cada vez que eu descobria algo novo eu ganhava mais empolgação para desenvolver um trabalho singular e personalizado.

Trabalhos que te permitem aprender são mais motivadores. Por isso que é sempre importante avaliar e se questionar, mesmo num trabalho completamente operacional, o que você pode fazer para melhorá-lo.

Um trabalho com sentido ganha vida própria

É aí que entra a questão do sentido, do estilo e da individualidade.

Nenhum pintor famoso é igual ao outro, nenhum arquiteto famoso é igual ao outro, nenhum escritor famoso é igual ao outro. Cada um deles criou sua identidade, alguns até passaram suas técnicas, mas a reprodução delas não teve nem tem o mesmo destaque.

Eles estão em evidência porque atribuem personalidade ao que fazem, deram sentido próprio e individual ao que desenvolveram.

Deixe sua marca no que você faz. Sempre há um jeito e você vai se sentir realizado.

Quando amamos o que fazemos o reconhecimento é natural e evidente

Certa vez ouvi uma palestra do cineasta David Lynch em que ele falava sobre um limpador de banheiro que se entregava com paixão ao que fazia. Como um homem que limpava privadas poderia ser reconhecido pelo seu trabalho?

Acontece que ele fazia com tanto carinho o seu dever que começou a deixar seu toque pessoal. Criava misturas aromáticas com desinfetantes, deixava desenhos na superfície interna dos vasos sanitários, esculpia flores nas pastilhas desodorantes da privada. O ambiente ficava tão agradável que as pessoas de todo o prédio começaram a dar preferência ao banheiro que ele cuidava. Quando descobriram que ele era o responsável pelo espaço, deram-lhe um aumento e o colocaram como coordenador da limpeza.

A história é simples e parece boba, mas criatividade não tem limites. E é ela quem vai te destacar entre os outros.

Essa não é uma fórmula para você ser um gênio. Não é a solução para a infelicidade no trabalho. É simplesmente meu ponto de vista sobre como a gente pode se sentir mais completo apenas dando um sentido próprio ao que a gente já faz. Como a gente pode se sentir realizado e feliz sendo quem a gente é.

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