Ilustração: Agatha Catunda

Erro de digitação

Não esqueça de ativar o corretor.

Agatha Catunda
Published in
3 min readSep 26, 2018

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Eu estava voltando pra casa depois de um dia daqueles…o plano de saúde sofreu outro reajuste e meu ônibus estava atrasado — o que, pensando bem, era normal. Pra completar, fiquei sabendo que aquele material errado, enviado às pressas pra gráfica, seria descontado do meu salário no final do mês. Puta merda! E nem foi barato, fiquei pensando. Onde eu estava com a cabeça quando escrevi existe com z? Com z! A culpa foi do corretor. Desativado.

Estava sentada, ao lado da janela, ainda refletindo sobre a minha futura falta de dinheiro, quando um cara alto, de barba da moda, entrou. Na catraca, foi impedido de passar. A máquina fez um “beep” nada discreto, avisando que o crédito tinha acabado. A maioria das pessoas virou o rosto. Os poucos que restaram observando a cena continuaram fazendo só isso mesmo. Não aguentei seguir o fluxo, nem poderia. Juliana Tereza de Calcutá estava gritando dentro de mim. Levantei tirando o dinheiro da bolsa.

— Quanto é a passagem mesmo? (Usava o cartão da empresa e nunca lembrava o valor)

— Três e setenta e cinco. (Era o cobrador, com a boca seca, formando um “bico” enrugado, como se fosse um sacrifício responder)

— Não precisa…

— E você tem dinheiro?

— Na verdade não.

A gente riu. Ele passou e foi sentar do meu lado. Ficamos quietos por um tempo. Eu olhava pela janela e fiquei com aquela sensação de que ele estava olhando pra mim. Até que ele se inclinou e me perguntou como poderia me pagar. Fiquei pensando na resposta, mas só consegui dizer:

— Ah, não precisa. São só três e setenta e cinco.

Mais aquele material errado do final do mês, lembrei.

— Tem certeza?

— Tenho sim, fica tranquilo.

Ele encostou de volta e continuamos em silêncio. Lá para o meio do caminho, depois de passar pelo engarrafamento característico do centro, meu celular tocou. Oi Rafa. Fala. É, ainda não cheguei. Pois é, o ônibus atrasou de novo. Não vai dar pra passar aí. Ainda tenho que estudar. Não dá. Até queria, mas preciso estudar. Enfiei o celular na bolsa e descansei a cabeça no encosto da cadeira.

— Que horas são?

Tinha esquecido que o barbudo estava do meu lado.

— Nove e trinta e três.

— E tu ainda vai estudar quando chegar em casa?

Eu ri daquela invasão, mas respondi mais seca que a boca do cobrador:

— É, já perdi muito tempo hoje.

Não lembro exatamente, mas acho que ele ficou meio sem graça. Ficamos em silêncio até o segundo ponto antes da minha parada, quando ele insistiu:

— Sério, queria muito te devolver a passagem.

Pra não esticar a conversa e já arrependida de ter sido tão ríspida antes, pedi pra ele anotar meu número e me mandar um alô. Passaria os dados da minha conta. Meu ponto. Pedi licença e desci.

Em casa, vi que havia uma notificação na tela do celular. Era o barbudo. Foto P&B no WhatsApp.

— Não esquece de me passar os dados da sua comta ;)

Comta? Commmmta?? Como assim? Onde já se viu escrever conta com m?

Bloqueei na mesma hora e fui estudar.

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