Intensidade e a medida das coisas

Talita Sobral
Pela Metade
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5 min readAug 30, 2018

Hoje pela manhã, vi o post de uma conhecida de um conhecido no Instagram. Um story qualquer sobre como ela estava se sentindo incrivelmente agradecida por ter conhecido uma pessoa x e como aquele encontro tinha mudado absolutamente tudo dentro dela. Minha primeira reação: “ué, mas vocês não se conhecem a… sei lá…. duas semanas?”

Primeiro, já é uma merda ser um ser humano e julgar a experiência do outro. Mas esse é um passo que a gente dá meio sem notar (eu dou, pelo menos). Depois que parei e pensei a) na postagem dela e b) na minha reação, me peguei pensando em como a gente vive e interpreta a intensidade das coisas. Como o tempo cronológico é muito relativo dentro das nossas percepções emocionais e como isso tudo é muito íntimo de um indivíduo. Acho que principalmente nas questões “do coração”, a medida de tempo vs intensidade é ainda mais nebulosa e incerta.

Ilustração: Xoana Herrera

Nunca me considerei uma pessoa intensa ou impulsiva. Graças a minha criação/personalidade/mapa astral, eu me considero bem centrada e levo tempo até demais avaliando todas as possibilidades antes de tomar uma decisão. Nunca me joguei completamente de cabeça nas situações (principalmente as “do coração”) e sempre tive muito medo por quem se joga. Na minha lógica (muito restrita e pessoal), quem se joga de cabeça normalmente não avalia a profundidade de onde vai cair. Como você vai se resguardar da pancada de chegar ao fundo se simplesmente pulou e plaft?!

Muito disso tem ligação com a minha ansiedade, é claro. Pensar no resultado positivo ou negativo de um pulo que ainda nem aconteceu é tentar prever (e já mudar ou redefinir) o quanto antes para ter exatamente o resultado esperado daquela ação. Pura ansiedade. Além disso, minha trajetória na vida sempre me levou a encontrar pessoas que fossem um tanto quanto eu. Medindo cada passo, repensando cada movimento, estruturando cada milímetro de chão percorrido. Foram quase 25 anos assim até que… conheci Igor.

Igor — meu marido — é a pessoa mais impulsiva que conheço. Nossa trajetória juntos foi: nos conhecemos, saímos juntos todos os dias depois do primeiro encontro, uma semana depois já estávamos quase namorando (era um namoro mas eu dei uma segurada no título). Na época, eu estava de mudança agendada para outro estado e Igor, exatas duas semanas depois de me conhecer, decidiu que ia junto. Aquilo me assustou? Perdoe-me o meu francês, mas me assustou para caralho.

“Como é que ele me conhece tão pouco e quer ir junto comigo? Como ele não tem medo do que pode acontecer? A gente pode nem estar juntos daqui a 3 dias!!!! É MUITA LOUCURA!!!!” foram uns dos muitos pensamentos que tive na época. Os dias seguiram, nosso relacionamento ficou mais intenso; fizemos planos de longo prazo, gastamos dinheiro, tomamos decisões juntos e estabelecemos MUITAS coisas que pessoas demoram anos para estabelecerem em poucos dias. No fim das contas, fomos juntos. E o resto, como dizem por aí, é história :).

Ilustração: Xoana Herrera

E é justamente aí que me pergunto: como eu posso medir a intensidade da minha estranha conhecida? Logo eu, a primeira a julgar a impulsividade de Igor e que hoje, quase 3 anos depois, estou casada com ele?

A intensidade das coisas é muito mais mistério e fascínio do que fato concreto. Às vezes você convive com pessoas durante um final de semana e sente lá no fundo do seu âmago que elas vão ser “pra sempre” (e no fim das contas, elas acabam sendo). Tem gente por aí que convivemos durante anos e nada — zero, nenhuma faísca. Elas vão embora da sua vida da mesma forma que chegaram: sem alarde, sem fuzuê.

O grande lance da intensidade, da medida que colocamos nas coisas, é o que o nosso “eu selvagem” nos diz. Nossa intuição, nosso coração, aquele arrepio por todo o corpo. Às vezes erramos? Claro. Mas quanto do erro na sua intuição é dela e quanto é do que você permitiu ou não acontecer? Quanto do erro comprou um quarto de 15m² na dúvida? Na ansiedade? No medo do desconhecido?

Ilustração: Xoana Herrera

Todos os dias eu aprendo com Igor. Aprendo a não ter medo do desconhecido, a não temer resultados que não estão escritos no meu caderninho de previsões, a confiar no meu instinto e a seguir as coisas que estão ali, no fundo do meu coração, só mandando sinais fraquinhos de luz… Aprendo a pular no vazio sem pensar na profundidade da piscina. Da mesma forma, acredito que ele também aprende comigo a não seguir de forma tão tresloucada sem medir as consequências, a ter apreço por sua integridade (física ou mental) e a organizar um pouco mais os próximos passos. Aprendemos juntos.

A intensidade das coisas ensina muito: ensina a medir o quanto novas experiências te moldam enquanto pessoa; a interpretar os sinais do seu instinto; a entender o quanto da sua vivência é real e o quanto é imaginária; a ler o mundo a seu redor e não ter medo do que não se entende (ainda). A medida da intensidade depende da régua que você utiliza para ela… nada além disso.

Minha vontade era de mandar uma mensagem para a conhecida quase desconhecida dizendo: “Me desculpa. Eu não posso julgar ou medir o que você sente ou suas experiências. Viva isso, aprenda com isso. E no fim das contas, me conta como foi se sentir assim tão completa com algo tão ‘pequeno’. Eu também tenho muito o que aprender”. É isso.

Ilustração: Xoana Herrera

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Talita Sobral
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31. Gatos, leitura fragmentada e muitas horas de sono.